Em tempos de pandemia e crise sanitária, a importância do ODS 3 aparece com ainda mais força. Garantir o acesso a saúde de qualidade e promover o bem-estar de todas as pessoas é essencial para a garantia da dignidade humana.
Por Brenda Rafaeli Panicio de Lima, para o Instituto Aurora
(Foto: Frank Meriño / Pexels)
“Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil.”
A Agenda 2030 é um documento que consagra uma união de propósitos dos países signatários da Organização das Nações Unidas, surgido a partir de uma reunião dos Estados-membros no ano de 2015, em Nova Iorque. Essa agenda é um conjunto de estratégias e medidas a serem tomadas e exercidas para a promoção do desenvolvimento sustentável até 2030. O secretário geral da ONU, António Guterres, diz que “a Agenda 2030 é a nossa Declaração Global de Interdependência”.
Nos anos 1990, os Estados-membros da ONU assumiram uma responsabilidade quanto à satisfação das necessidades da atual geração, sem o comprometimento da capacidade de desenvolvimento das futuras gerações. Inicialmente, houve o desenvolvimento de 8 objetivos do milênio (ODM), que eram:
- Erradicar a extrema pobreza e a fome
- Atingir o ensino básico universal
- Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres
- Reduzir a mortalidade infantil
- Melhorar a saúde materna
- Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças
- Garantir a sustentabilidade ambiental
- Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
Esses 8 objetivos reconheceram as necessidades mais imediatas do momento, para que fosse possível pensar e desenvolver outras ações numa nova agenda de desenvolvimento. Essa nova agenda objetivou “uma vida digna para todos” e essa meta foi consagrada num documento adotado na Assembleia Geral da ONU em 2015: “Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, como um guia para orientar a comunidade internacional e todas as pessoas envolvidas nos anos seguinte, porque um efetivo desenvolvimento sustentável é um pacto mundial.
Dessa data em diante, a partir dos 8 ODM, surgem 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), com 169 metas, mesclando e equilibrando as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental; visando e objetivando a efetivação dos Direitos Humanos, principalmente os da segunda geração (direitos sociais, econômicos e culturais) e da terceira geração (direitos coletivos).
Você pode saber mais sobre os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável em nosso artigo “ODS: o que esta sigla significa e como ela impacta o mundo hoje”.
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Publicado em 20/10/2021.
ODS 3
O objetivo do desenvolvimento sustentável 3 (ODS 3) tem como meta assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades. Para isso, pretende:
- 3.1 Até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos;
- 3.2 Até 2030, acabar com as mortes evitáveis de recém nascidos e crianças menores de 5 anos, com todos os países objetivando reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por 1.000 nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por 1.000 nascidos vivos;
- 3.3 Até 2030, acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis;
- 3.4 Até 2030, reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar;
- 3.5 Reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, incluindo o abuso de drogas entorpecentes e uso nocivo do álcool;
- 3.6 Até 2020, reduzir pela metade as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas;
- 3.7 Até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais;
- 3.8 Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos;
- 3.9 Até 2030, reduzir substancialmente o número de mortes e doenças por produtos químicos perigosos, contaminação e poluição do ar e água do solo;
- 3.a Fortalecer a implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco em todos os países, conforme apropriado;
- 3.b Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para as doenças transmissíveis e não transmissíveis, que afetam principalmente os países em desenvolvimento, proporcionar o acesso a medicamentos e vacinas essenciais a preços acessíveis, de acordo com a Declaração de Doha, que afirma o direito dos países em desenvolvimento de utilizarem plenamente as disposições do acordo TRIPS sobre flexibilidades para proteger a saúde pública e, em particular, proporcionar o acesso a medicamentos para todos;
- 3.c Aumentar substancialmente o financiamento da saúde e o recrutamento, desenvolvimento e formação, e retenção do pessoal de saúde nos países em desenvolvimento, especialmente nos países menos desenvolvidos e nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento;
- 3.d Reforçar a capacidade de todos os países, particularmente os países em desenvolvimento, para o alerta precoce, redução de riscos e gerenciamento de riscos nacionais e globais de saúde.
Algumas leis brasileiras que contribuem para o ODS 3
Esses objetivos assumidos mundialmente se expressam, no Brasil, por meio de outros documentos ou leis que regulamentam e orientam como promover essas ações.
Por exemplo, sobre a redução da mortalidade materna e de crianças, temos vigente a Resolução da ANVISA nº 36, de 3 de junho de 2008, “que dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal”.
Já a meta 3.7 afirma: “Até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais”. Esta meta está presente, primeiramente, na Constituição Federal, no art. 226, §7º, sendo regulamentada posteriormente na Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 (“Lei do Planejamento Familiar”).
A partir disso, podemos observar uma série de ações do poder público em atendimento à sociedade, como no caso da disponibilização gratuita de contraceptivos e, mais recentemente, nos projetos de lei que visam a distribuição gratuita de absorventes, dada as condições de precariedade observadas em números alarmante de pessoas com complicações de saúde pela falta de acesso a esse recurso no Brasil.
ODS e a pandemia da Covid-19
É importante evidenciar sobre o pacto mundial e sobre a importância dos ODS na situação que o mundo vive atualmente: a pandemia pelo vírus da Covid-19. Por um lado, esse assunto se encaixa principalmente no ODS 3 (especialmente nas metas 3.8, 3.b, 3.c e 3.d), quando pensamos na responsabilidade mundial em unir forças para solucionar essa situação e amenizar as consequências já causadas. Por outro lado, a pandemia evidenciou que o comprometimento do Brasil – e do mundo – com os ODS precisa se estreitar.
Como já dito inicialmente, a Agenda 2030 é uma Declaração Global de Interdependência, porque ela é interdependente na sua essência. Observa-se nesse cenário pandêmico mundial que questões de desigualdade não estão resolvidas, mesmo com esse documento, que é um compromisso global. Está evidente que, mesmo com leis nacionais e ações desenvolvidas com vínculo institucional e não governamentais, os ODS – que buscam um desenvolvimento contínuo – estão sofrendo violações.
Os ODS reconhecem Direitos Humanos a nível internacional e a nível nacional, buscando ações que promovam a dignidade da pessoa humana. A partir disso, o ODS 3, que promove o direito à saúde e ao bem-estar, está diretamente ligado a ações que, quando bem executadas, promovem, de fato, a saúde e o bem estar. Projeções realizadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgadas em março de 2021, apontam que entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021, cerca de 17,7 milhões de pessoas voltaram à situação de pobreza. Em agosto de 2020, o número era de 9,5 milhões (4,5% da população), passando para 27,2 milhões (12,8% da população) em fevereiro de 2021.
Esse número, ainda que revele consequências da crise econômica vivida antes mesmo do período da pandemia, com certeza se agravou com a crise sanitária mundial. Os índices de pobreza aumentaram, não se observa a sua erradicação, como prega o ODS 1. Mas sem trabalho decente e crescimento econômico (ODS 8), essa erradicação se torna uma tarefa inviável. Isso reflete diretamente na dificuldade de desenvolver ações para a promoção da fome zero e agricultura sustentável (ODS 2) que, por sua vez, quando não efetivadas, dificultam a manutenção de cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11).
Cidades e comunidades com dificuldades de desenvolvimento não conseguem promover boas políticas públicas para a promoção de uma educação de qualidade (ODS 4); ou paz, justiça e instituições eficazes (ODS 16), ou políticas públicas para a igualdade de gênero (ODS 5) e, todo esse conjunto, não permite a redução de desigualdades (ODS 10), muito pelo contrário, a acentua.
Sem esse conjunto de soluções, fica difícil garantir um meio de manter e proporcionar saúde física e mental, a ponto de promover o bem-estar da população, e a pandemia foi capaz de trazer isso à tona. Isso demonstra que a necessidade de um trabalho mundial conjunto para o desenvolvimento de vacinas, por exemplo, é de extrema importância para que se “retome a normalidade”. Demonstra ainda que dentro do país é necessário consolidar políticas públicas para que eventuais crises futuras não coloquem em risco o pleno desenvolvimento da população, como a pandemia da Covid-19 colocou. Isso ocorreu por uma série de atuações falhas administrativas, mas principalmente por essas atuações não estarem firmando o cumprimento dos ODS.
No campo internacional, mas principalmente nacional, o compromisso com os ODS e a retomada da promoção de ações para garantir o seu cumprimento de forma efetiva é medida urgente para satisfazer as necessidades da atual geração (emprego, alimentação, educação, saúde, etc), sem comprometer a capacidade do desenvolvimento das futuras gerações.
O Instituto Aurora está comprometido com a Agenda 2030 e nossas ações têm como foco o alcance principalmente de quatro dos 17 ODS: ODS 4 – Educação de qualidade; ODS 5 – Igualdade de gênero; ODS 10 – Redução das desigualdades e ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.
Algumas referências que usamos neste artigo
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996
A pandemia agravou a desigualdade de renda e a pobreza no Brasil
RESOLUÇÃO Nº 36, DE 3 DE JUNHO DE 2008