O negacionismo científico e climático é um comportamento que leva a recusa da lógica e aceitação do que não se tem comprovação, refletindo num atraso evolucionário.
Por Josiane Iurkiu, para o Instituto Aurora.
(Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil)
O negacionismo científico e climático é um tipo de atitude que pode desencadear a propagação de discursos de ódio e extremismos em diferentes contextos, como no ambiente escolar. Este é um dos termos presentes no “Glossário educativo para a identificação e prevenção de discursos de ódio e extremismos na escola”, que faz parte do projeto “(Re)conectar” do Instituto Aurora, e está disponível para download gratuito. Neste artigo, vamos nos aprofundar sobre o tema.
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Publicado em 30/10/2024.
O que é negacionismo científico e climático?
Segundo a Academia Brasileira de Letras, a definição de negacionismo é: “Atitude tendenciosa que consiste na recusa a aceitar a existência, a validade ou a verdade de algo, como eventos históricos ou fatos científicos, apesar das evidências ou argumentos que o comprovam“. Em síntese, é não admitir algo já comprovado.
Ir contra as evidências é um comportamento que já foi observado em vários momentos da nossa história. Seguem alguns exemplos de negacionismos:
- O Movimento Ludista, que se deu no final do século 18, início do século 19, associado ao desenvolvimento industrial na Inglaterra. Neste movimento, os indivíduos que não aceitavam as máquinas e, portanto, temiam perder seus empregos, invadiam as fábricas e destruíam as máquinas, pressionando os empresários e causando grandes prejuízos;
- A Revolta da Vacina, que ocorreu em 1904, no Rio de Janeiro-RJ, contra a obrigatoriedade da vacina contra a varíola;
- A negação do Holocausto, que foi estudado pelo historiador francês Henry Rousso, criador do termo (negacionismo), no final da década de 1980. Ele chamava de negacionista todo aquele que se negava a admitir o holocausto cometido pelo regime nazista, no período da Segunda Guerra Mundial, conforme podemos ver sua menção no texto: “O que é o negacionismo climático e como ele se manifesta?” publicado no site do National Geographic;
- O descrédito das lutas negras e indígenas em nossa história, como os movimentos abolicionistas que antecederam a Independência do Brasil, os quais nem são mencionados em salas de aula, como podemos conferir no artigo da BBC, “Como o Dia da Independência apagou a memória da luta negra por independência e abolição”;
- E, um caso mais recente e de consequências generalizadas, o Aquecimento Global e a influência humana sobre esse fenômeno.
O negacionismo científico busca respostas rápidas, quer o imediatismo, sem comprovação mesmo. Quer que a resposta apenas sirva seu propósito de interesse, seja ele negar um fato histórico, um novo tratamento médico ou as interferências climáticas.
O negacionismo ignora qualquer comprovação, pois interfere diretamente nos interesses, nas conspirações por eles criadas, e em suas crenças.
Na saúde, a desinformação gerada pelo negacionismo, teve consequências graves no período da pandemia da Covid-19. O descrédito sobre a importância das vacinas contribuiu para 75% de óbitos por Covid-19 em 2021, segundo publicação no Portal do Butantan.
E ainda, na saúde, recentemente um dossiê entregue à ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo, questiona a terapia ABA – Applied Behavior Analysis, que em português significa: “Análise do Comportamento Aplicada”. A terapia é recomendada por médicos e especialistas em TEA (Transtorno do Espectro Autista), e uma ciência já consolidada, com resultados positivos.
No Brasil, o desastre de Porto Alegre ocorrido em 2024, tem relação direta com o negacionismo da ciência, visto que faltou preparo e planejamento para enfrentar um evento extremo já anunciado. Uma vez que, para a comunidade científica, o fenômeno não foi surpresa, mas foi sim ignorado pelas autoridades competentes, acarretando prejuízo patrimonial e de vidas.
O negacionismo climático
O negacionismo climático tem apoiadores principalmente no setor agropecuário. Em seu meio, repercute a ideia de que ambientalismo e comunismo estão intimamente ligados. A suposição vem da conspiração de que há um interesse por trás das informações divulgadas sobre o aquecimento global, de que querem impedir o uso integral da propriedade privada, reduzindo a área produtiva e consequentemente seus lucros.
Há também uma crescente negação mundial em ESG – Environmental, Social and Governance, que são um conjunto de padrões e metas a cumprir por organizações que desejam estar em conformidade com as questões ambientais. Existe até uma denominação para isso, que é “Greenlash”, movimento que propõe atrasos nas políticas de sustentabilidade, sob o argumento da necessidade de mais tempo para realizar as alterações essenciais e a alegação de que as mudanças trariam problemas econômicos de amplitude global e de difícil resolução. São argumentos que não se sustentam, mas que entre os negacionistas têm seu valor, já que cumprem o papel de proteger seus interesses.
Entretanto, há no meio corporativo quem perceba que a economia sustentável pode ser ainda mais rentável do que manter a forma de vida como temos hoje. Algumas organizações já investem em tecnologias de produção sustentável e se empenham para envolver a população que vive no seu entorno, implantando projetos sociais que desenvolvem a comunidade e trazem crescimento para si e para estas populações.
Mas, além dos interesses econômicos, o negacionismo também tem uma vertente conservadora cristã, que alega que os textos bíblicos autorizam o uso dos recursos naturais pela humanidade, como ela quiser e precisar, e que, portanto, a preservação e conservação ambiental viria contra a vontade divina.
Sem entrar no mérito religioso, os outros seres vivos também dependem dos recursos naturais que tanto consumimos, e deles também é o direito legítimo de os usufruir e é nosso dever, como seres racionais que somos, preservar o patrimônio ambiental.
Já há consenso no meio acadêmico de que os eventos climáticos extremos acontecerão com mais frequência e com maior impacto, portanto, devemos nos preparar, nos tornar mais resilientes e priorizar a vida, seguindo orientações de especialistas e da ciência.
Ser sustentável é difícil, mas não é porque é difícil que é impossível, afinal, não é mais uma escolha, é um fato.
A ciência é a resposta para muitos questionamentos da humanidade. Em tudo que duvidamos buscamos respostas, e ela através de análises das evidências dos fenômenos, estuda e constata os fatos, mostrando o que é falso e o que é verdadeiro. Isso requer conhecimento, tempo, dinheiro e recursos.
Negacionismo e extremismos
O negacionismo não contribui para o aprendizado e ainda, com o uso das redes sociais, reforça a desinformação quando viraliza Fake News e informações não verificadas. Isso traz consequências como:
- Intensificação do Aquecimento Global e a perda da biodiversidade;
- Pandemias, doenças respiratórias e questões de saúde pública;
- Crises na agricultura como a produção reduzida de alimentos;
- Crises econômicas e aumento da inflação;
- Crises sociais, como desemprego, fome e falta de moradia;
- Radicalização, violência e extremismos.
No negacionismo, quando os argumentos não são suficientes, entra em ação a imposição por meio do extremismo, que diz: “ou você concorda comigo ou você está contra mim”.
As alegações são variadas, mas têm esse mesmo sentido: “nós somos o bem, eles são o mal”; “Deus está conosco e não com eles”; “nós estamos certos, eles estão errados”; “nós sabemos o que é melhor, eles não”…
Esse extremismo gera confronto e violência, aumentando os comportamentos antidemocráticos, que por sua vez ampliam ações e reações misóginas, racistas, supremacistas, preconceituosas, entre outros.
O combate ao extremismo vem por meio da educação multidisciplinar, formada por componentes curriculares que priorizam a vida e a dignidade, como a Educação em Direitos Humanos, visando preparar pessoas para identificar e prevenir situações como as acima citadas, convivendo e contribuindo para um mundo melhor.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
Chega de mentiras: como rebater o negacionismo climático com ciência | Ecoa UOL
Greenlash: entenda os perigos ocultos do movimento anti-ESG | Integridade esg
O negacionismo raivoso e a aceitação da ciência das mudanças climáticas | Jornal da USP
Pesquisadores da Agência Bori explicam negacionismo científico em novo livro | Folha de S.Paulo
Sem trégua contra a emergência climática e o negacionismo científico | O eco