O número de pessoas refugiadas e migrantes que buscam se estabelecer no Brasil tem crescido significativamente. Ao chegarem aqui, elas se deparam com uma série de desafios que ameaçam o exercício de seus direitos. Enfrentá-los demanda o desenvolvimento de políticas públicas adequadas e iniciativas de Educação em Direitos Humanos capazes de reduzir as vulnerabilidades vivenciadas por esses grupos diariamente.
Por Carolina Berenger, para o Instituto Aurora
(Foto de atividade sobre refúgio realizada pelo Instituto Aurora. Crédito: Lu Berlese)
O século XXI é marcado pelo aumento expressivo no número de pessoas migrantes ao redor do mundo. Segundo estimativa da Organização Internacional para as Migrações (OIM), no ano 2000, a população migrante somava 173 milhões de pessoas. Em 2020, esse número chegou a 281 milhões. Apesar do crescimento significativo ao longo desses vinte anos, pessoas migrantes se mantiveram como uma parcela relativamente pequena da população mundial, chegando a representar, até 2020, apenas 3.6% da população.
Mas se temos uma baixa proporção de migrantes no mundo, por que será que a migração tem ocupado tanto espaço em discursos políticos, noticiários, filmes, redes sociais, etc?
O que a realidade nos mostra é que a baixa representatividade numérica de migrantes no mundo definitivamente não corresponde à dimensão do fenômeno migratório no cenário global. Muito pelo contrário. A migração, em suas diferentes formas, envolve uma ampla gama de questões, como vulnerabilidade social, economia, xenofobia, ajuda humanitária, sistemas de segurança social, e muitos outros aspectos que refletem a complexidade do tema e a necessidade de ter sobre ele um olhar atento e cuidadoso.
Nos últimos anos, o tema da migração parece ter ganhado novas proporções. Especialmente a partir de 2015, tornou-se mais comum, nos variados meios de comunicação, a circulação de imagens de pessoas se submetendo a trajetos extremamente perigosos na tentativa de fugir de seus países e cruzar as fronteiras de outros – fosse por terra, como as caravanas partindo da América Central, fosse pelo mar, como as rotas marítimas até a Europa.
Assim, acontecimentos como a crise migratória na Europa em 2015, a proposta do ex-Presidente Donald Trump de construção de um muro entre EUA e México, e as tentativas de fuga de cidadãos afegãos após a retomada de poder pelo Talibã contribuíram para que a migração fosse colocada em pauta no debate público e palavras como refúgio e refugiados deixassem de fazer parte do vocabulário apenas de um público especializado no assunto.
No entanto, é importante lembrar que a migração não se reduz às crises humanitárias que se tornaram tão conhecidas nos últimos anos. Como mencionado anteriormente, o fenômeno migratório é bastante diverso e complexo, já que muitos são os motivos que podem levar uma pessoa a migrar e as circunstâncias sob as quais se dá esse deslocamento.
Embora relacionados, migração e refúgio são dois conceitos diferentes.
Neste artigo, além de ajudar a explicar as distinções entre eles, também apresentaremos um breve panorama da migração e do refúgio no Brasil – realidades que estão mais perto de nós do que por vezes imaginamos.
Publicado em 19/07/2023.
Afinal, o que é migração?
Não existe uma definição legal única para migração que seja adotada internacionalmente. Porém, entende-se que esse termo se refere, de forma genérica, à mudança de residência de um indivíduo de um lugar para outro, dentro de um mesmo país (migração interna) ou para o exterior (migração internacional), em caráter permanente ou temporário.
Trata-se, portanto, de um termo guarda-chuva, que engloba diferentes formas de deslocamento que impliquem a mudança de residência e a transposição de limites geográficos e administrativos previamente definidos.
Os motivos que levam pessoas a migrar variam, como por exemplo a busca por oportunidades de trabalho e melhores condições financeiras, estudo, reunião familiar, guerras, e catástrofes ambientais. Juridicamente, a motivação do deslocamento vai definir se uma pessoa é titular de alguma proteção específica, bem como quais serão as normativas e políticas públicas aplicáveis no local de destino.
Ao longo deste texto, nos referimos à migração em sua dimensão internacional. Ou seja, tratamos aqui do deslocamento de pessoas de um país para o outro, mais especificamente sob a perspectiva da imigração, isto é, quando indivíduos deixam seu país e se estabelecem em determinado território estrangeiro – nesse caso, o Brasil. Mais adiante, abordaremos, ainda, os desafios que essa população enfrenta em nosso território nacional.
Importante ressaltar que, no Brasil, a situação e a proteção das pessoas migrantes é regulada pela Lei nº 13.445 de 2017, conhecida como Lei de Migração.
O que é refúgio e de que maneira ele se relaciona com a migração?
Diferente de migração, refúgio é um conceito já definido pelo Direito Internacional desde o século XX. O principal instrumento jurídico a respeito do tema é a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (“Convenção de 1951”) adotada no ano de 1951 no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
À época, o mundo vivia o período pós 2ª Guerra Mundial, e, dentro desse contexto, a Convenção de 1951 foi pensada como uma resposta à situação de pessoas na Europa que se viram forçadas a deixar seus locais de origem em razão de violações de direitos e conflitos ocorridos durante a guerra. A definição de refugiado prevista na Convenção, portanto, apresentava limitações geográficas e temporais. Isso porque o documento restringia o alcance da proteção internacional apenas àquelas pessoas que fugiram de seus países por conta de eventos ocorridos até 1º de janeiro de 1951 (limite temporal), ou seja, a guerra que assolou o continente europeu (limite geográfico) na primeira metade do século XX.
Com o passar dos anos, a definição fixada na Convenção de 1951 deixou de ser suficiente, já que novos conflitos e emergências ao redor do mundo geraram novos fluxos de deslocamento forçado que não estavam originalmente previstos no documento. Diante da necessidade de regular essas e futuras situações, e garantir proteção às pessoas que ficaram de fora do alcance da Convenção de 1951, o conceito de refugiado foi ampliado pelo Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que entrou em vigor em 1967.
A partir desse instrumento, o termo refugiado passou a se referir a qualquer pessoa que tenha deixado seu país de origem (seja de nacionalidade, seja de residência habitual) por temor de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, e que, por causa desse temor, não possa ou não queira receber a proteção do país de origem. Uma leitura completa da Convenção de 1951 sinaliza que o “temor de perseguição” diz respeito a ameaças à vida ou à liberdade da pessoa refugiada, motivadas por questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social ou opiniões políticas.
No Brasil, a proteção internacional do refúgio é prevista e garantida por meio da Lei nº 9.474 de 1997. Importante destacar que nossa legislação nacional também reconhece como refugiadas aquelas pessoas que se veem obrigadas a deixar seu país de nacionalidade devido a grave e generalizada violação de direitos humanos. Embora esse alcance não esteja previsto na Convenção de 1951 ou no Protocolo de 1967, ele é fruto da Declaração de Cartagena de 1984 – um documento por meio do qual países da América Latina e do Caribe decidiram complementar a definição internacional trazida pela Convenção e pelo Protocolo considerando o contexto e as particularidades da nossa região.
O refúgio, portanto, se trata de um tipo específico de migração, definido não só pelo direito internacional, mas também por instrumentos regionais de proteção de direitos humanos. Em resumo, temos que toda pessoa refugiada é migrante, mas nem toda pessoa migrante é refugiada.
A grande diferença é que a pessoa migrante se desloca de forma voluntária e pode retornar a seu país de origem a qualquer momento. Já a pessoa refugiada se vê forçada a se deslocar por ter sua vida e sua liberdade ameaçadas no país de origem, o que a impede de retornar a ele a qualquer tempo e justifica a proteção internacional a ela conferida.
Vale ressaltar também que o refúgio tem como pilar o princípio da não-devolução (non-refoulement) – definido pela Convenção de 1951 (artigo 33) -, que proíbe aos Estados expulsarem e “devolverem” pessoas refugiadas ao território em que estejam expostas aos riscos a suas vidas e liberdade.
Segundo o último relatório publicado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), até o final de 2021 havia 27,1 milhões de pessoas refugiadas no mundo. 69% dessas pessoas eram provenientes de apenas 5 países – Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar. A maioria deles vem passando por situações de guerra ou conflitos armados, que motivaram o deslocamento forçado de seus cidadãos e cidadãs.
A migração e o refúgio em números no Brasil
Entre os anos de 2011 e 2021, foram registrados 1,4 milhão de imigrantes no Brasil – incluindo pessoas solicitantes do reconhecimento da condição de refugiado e refugiada -, segundo dados publicados pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) em 2022. Apenas no ano de 2021, foram contabilizados 151.155 registros de imigrantes no país, sendo quase metade deles (67.772) correspondentes a mulheres.
Quanto aos números sobre refúgio, especificamente, foram registradas no Brasil, nesse mesmo período (2011-2021), 297.712 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado. Solicitação essa que é feita junto à Polícia Federal. 29.107 dessas solicitações foram registradas no ano de 2021. Desse total, 78,5% – isto é, 22.856 solicitações – foram feitas por pessoas de nacionalidade venezuelana ou que tinham residência habitual na Venezuela. Em segundo lugar, estão os nacionais ou residentes de Angola (6,7%), seguidos por Haiti (2,7%), Cuba (1,8%) e China (1,2%).
Além disso, os dados divulgados pelo OBMigra mostram que 53,7% das pessoas solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado em 2021 eram homens, enquanto 46,3% eram mulheres. A maioria dessas pessoas tinha menos de 15 anos de idade (9.214), sendo a maior parte delas oriundas da Venezuela. Já a população entre 25 e 40 anos de idade representa 9.096 solicitações, e a faixa etária entre 15 e 24 anos representa 6.329.
Segundo a plataforma disponibilizada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare – órgão que examina e emite decisões sobre solicitações de refúgio) e pelo ACNUR, em 2021, 3.086 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no Brasil, sendo que quase metade delas tinha entre 5 e 14 anos de idade (50,4%). Assim, o país totalizou, até o ano de 2021, 60.011 reconhecimentos, provenientes de 121 países, sendo a maioria dessas pessoas provenientes da Venezuela (aproximadamente 70%).
Desafios enfrentados pela população migrante e refugiada no Brasil
O artigo 3º da Lei de Migração prevê que, no Brasil, todas as pessoas imigrantes – incluindo pessoas refugiadas -, têm direito ao acesso igualitário e livre […] a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social (inciso XI), assim como uma série de outros direitos também garantidos aos cidadãos e cidadãs brasileiros. Esse artigo estabelece como princípio, ainda, o desenvolvimento de políticas públicas para inclusão social de migrantes no Brasil.
Essas e as demais disposições legais sobre migração fazem com que o Brasil seja internacionalmente reconhecido por sua governança migratória. Apesar disso, o que se verifica na realidade é que muitas dessas garantias de proteção e direitos previstas no papel ainda estão descoladas do que acontece na prática.
Desde o primeiro momento em que chegam no território brasileiro, pessoas migrantes e refugiadas precisam enfrentar uma série de desafios para se estabelecer no país. Alguns deles, é verdade, já são conhecidos por milhões de brasileiros, como a falta de saneamento básico para grupos marginalizados ou as dificuldades no acesso a serviços de saúde e educação. No entanto, é importante considerarmos que pessoas migrantes e refugiadas se encontram em uma situação de vulnerabilidade específica e vivenciam esses desafios de uma forma particular.
A seguir, reunimos alguns dos obstáculos enfrentados por essa população de maneira mais recorrente.
- Idioma: grande parte das pessoas migrantes e refugiadas no Brasil são nacionais de países onde o idioma oficial não é o português. Ao buscarem emprego ou serem atendidas pela rede de serviços públicos, por exemplo, essas pessoas encontram dificuldade não só na comunicação com cidadãos/cidadãs e autoridades brasileiras, mas também no acesso a informações fundamentais para o seu estabelecimento de maneira digna no nosso país.
- Trabalho: embora pessoas migrantes e refugiadas no Brasil tenham direito a tirar a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) garantido por lei, a dificuldade de conseguir emprego é apontada como um dos principais desafios impostos a elas.
Para além da dificuldade para encontrar trabalho por si só, não raro a condição de vulnerabilidade acentuada em que essas pessoas estão acaba sendo explorada por terceiros e levando a que elas sejam submetidas a contratos de trabalho abusivos e condições de trabalho análoga à escravidão. Inclusive, essa situação tem, infelizmente, se tornado cada vez mais recorrente e alarmante. Por exemplo, apenas de 2021 para 2022, o número de imigrantes resgatados do trabalho escravo praticamente dobrou.
Esses desafios de inserção no mercado de trabalho de maneira segura e adequada geram uma série de problemas para a geração de renda e a autossuficiência de pessoas migrantes e refugiadas no Brasil. Muitas acabam trabalhando no mercado informal e/ou se tornando dependentes de programas governamentais de assistência social para sua subsistência. Outras acabam por recorrer à mendicância, o que gera outros problemas, como a maior exposição à insegurança e à violência.
Associado a esses obstáculos, pessoas refugiadas e migrantes também encontram maior dificuldade em acessar créditos e abrir contas bancárias, o que prejudica o desenvolvimento de potenciais atividades empreendedoras.
- Violência: pessoas migrantes e refugiadas estão expostas a, e podem de fato sofrer, diversas formas de violência.
Primeiramente, destaca-se que elas são, muitas vezes, alvo de discriminação e xenofobia em diferentes contextos, como no convívio social, em serviços públicos (ex: instituições de educação e hospitais) ou no mercado de trabalho.
Além disso, pessoas migrantes e refugiadas muitas vezes vivem em áreas marginalizadas de cidades brasileiras, onde pode haver altos índices de insegurança. Também é importante ressaltar que determinados grupos de pessoas migrantes e refugiadas são atravessados por outros tipos de violência e discriminação, principalmente mulheres, pessoas LGBTQIAP+ e minorias étnicas e raciais, o que as deixa em situação de vulnerabilidade ainda maior no Brasil.
Em março de 2022, o assassinato do jovem congolês Moïse, na cidade do Rio de Janeiro, escancarou muitos desses desafios, que por vezes se escondem, no discurso popular, por trás da ideia do Brasil e da população brasileira como extremamente acolhedores.
- Moradia e saneamento básico: a dificuldade de inserção no mercado de trabalho mencionada anteriormente influencia diretamente outros aspectos relacionados ao bem-estar e à qualidade de vida de pessoas migrantes e refugiadas em nosso país.
A falta ou a geração insuficiente de renda limita o acesso dessas pessoas a oportunidades de moradia adequada, em que possam, por exemplo, contar com infraestrutura de saneamento básico, acesso à água potável e eletricidade. O que acontece é que muitas dessas pessoas e comunidades migrantes e refugiadas acabam por se instalar em ocupações espontâneas, zonas rurais ou de mata sem infraestrutura para moradia, ou habitações urbanas superlotadas. Algumas chegam inclusive a viver em situação de rua no Brasil.
Essa condição de precariedade e pobreza, por sua vez, gera uma série de outros problemas como o aumento de riscos de despejo, da exposição a doenças, e da insegurança alimentar.
- Saúde: no Brasil, pessoas migrantes e refugiadas têm direito de acessar o nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, no dia a dia, existem algumas barreiras que dificultam esse acesso. Em primeiro lugar, muitas dessas pessoas desconhecem a gratuidade e a universalidade do SUS, assim como seu direito de acessá-lo, mesmo que não possuam a documentação de identidade brasileira.
Ainda que muitas cheguem a acessar o SUS, a falta de medicamentos, a dificuldade em conseguir serviços especializados de saúde e a impossibilidade de custear tratamentos são obstáculos que tornam a experiência de pessoas migrantes e refugiadas no Brasil ainda mais delicada. Idioma, discriminação e xenofobia no sistema de saúde brasileiro são outros fatores que também podem impedir o pleno exercício do direito à saúde por parte dessa população.
- Educação: no que diz respeito ao acesso à educação, os desafios enfrentados por pessoas migrantes e refugiadas vão desde o ensino básico até o nível superior.
Além da barreira linguística, essa população também precisa lidar com: o número insuficiente de vagas disponíveis em escolas e universidades, a falta de recursos financeiros para adquirir material escolar ou custear o transporte até as unidades de ensino, e a dificuldade de acesso à conectividade e às tecnologias necessárias para a modalidade de ensino à distância ou o desempenho de atividades escolares e acadêmicas online.
No ensino superior, muitos se deparam com uma burocracia lenta, complicada e custosa para ter seus diplomas e históricos validados para que possam dar continuidade a seus estudos ou atuar nas suas áreas de formação. Sendo a educação a porta de entrada para oportunidades e melhorias nas condições de vida das pessoas, esses obstáculos acabam por reforçar o ciclo de pobreza, exclusão socioeconômica e vulnerabilidade de pessoas migrantes e refugiadas no Brasil.
- Falta de informação: grande parte dos desafios elencados acima são também atravessados pela falta de informações nítidas, precisas e sistematizadas disponíveis à população migrante e refugiada no Brasil. Acesso à informação é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, e se faz ainda mais necessário na medida em que permite o exercício de demais direitos. A falta de informação acessível a pessoas migrantes e refugiadas as impede de acessar, exercer e reclamar direitos fundamentais, como à saúde, à educação, à vida e a não discriminação, dentre outros.
Como a educação em direitos humanos pode contribuir para a pauta de migração e refúgio
O histórico de fluxos migratórios para o Brasil, o incentivo ao turismo, e a famosa cordialidade da população brasileira com quem vem de fora são comumente usados para forjar uma imagem de um país receptivo e extremamente acolhedor. O que eles escondem, no entanto, são traços de um país que, apesar de muito avançado em termos de normativas migratórias, ainda carece de políticas públicas capazes de efetivamente proteger pessoas migrantes e refugiadas e garantir o pleno exercício de seus direitos previstos em legislação nacional e internacional.
Na prática, turistas ou outros estrangeiros que vêm ao Brasil por curto período de tempo não se deparam com os mesmos desafios (ao menos não na mesma proporção) ou o mesmo tratamento que aqueles que tentam se estabelecer e recomeçar suas vidas no país, especialmente quando olhamos para populações que já chegam aqui em situação de vulnerabilidade exacerbada. Para essas pessoas, certamente ainda há um longo caminho a percorrer para fazer jus ao mito do país acolhedor. Nesse processo, a Educação em Direitos Humanos pode ser uma grande aliada.
Segundo os dados apresentados pelo Instituto Aurora no Panorama da Educação em Direitos Humanos, a pauta da migração e do refúgio está sendo incluída em políticas públicas de EDH em diferentes estados brasileiros. É evidente que a chegada de um maior número de pessoas migrantes e refugiadas em distintas regiões do país chama atenção para o tema.
Mas a inclusão dessa pauta em políticas públicas de EDH parte também de um reconhecimento de que governança migratória e o verdadeiro acolhimento de populações migrantes não se faz só dentro da máquina pública ou em instrumentos legislativos. Pelo contrário, a temática demanda um engajamento coletivo, no dia a dia, no atendimento na rede de serviços públicos, no convívio social, nas escolas, nos espaços de lazer, etc.
Para isso é essencial que pessoas, empresas, funcionalismo público estejam cada vez mais informados sobre a população migrante e refugiada no Brasil, atentos às suas especificidades e conscientes de suas vulnerabilidades. O que temos visto até então são, em sua maioria, projetos sociais e organizações da sociedade civil trabalhando para preencher as lacunas deixadas pelo poder público e derrubar barreiras existentes entre cidadãos/cidadãs brasileiros e a população migrante e refugiada que vive no Brasil.
Porém, o acolhimento efetivo dessas pessoas depende de que nós, enquanto sociedade, estejamos não só abertos à diversidade de culturas, idiomas, vivências e saberes que essas pessoas podem aportar, mas também cientes dos direitos a elas garantidos de maneira inequívoca e da maneira como podem contribuir para o crescimento do nosso país.
A educação em direitos humanos, assim, ajuda na criação de ambientes seguros para essas pessoas, na prevenção de diferentes formas de violência – como a discriminação e a xenofobia -, na integração delas no Brasil e no desenvolvimento de um país verdadeiramente justo e igualitário.
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