A conquista do voto feminino no Brasil foi um processo de décadas de lutas marcadas por exclusões, restrições, preconceitos e discriminações. Inspiradas pelas sufragistas na Inglaterra e nos EUA, algumas brasileiras engajadas aliaram-se a políticos simpatizantes para fazer valer o direito ao sufrágio feminino. E em 1932, Getúlio Vargas, por conveniência política, concede o voto facultativo. A busca pela equiparação prossegue, e finalmente, em 1965, as mulheres conquistam a emancipação política.
Por Andrea Weschenfelder, para o Instituto Aurora
(Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado)
A conquista do voto feminino no Brasil foi uma longa luta. Em 1932, esse direito chegou, mas esteve longe de ser pleno. Na prática, as mulheres casadas poderiam votar somente com a autorização dos maridos. Três décadas depois, em 1965, o direito integral de igualdade entre os gêneros passa a valer de verdade.
O voto feminino dentro da democracia representativa trouxe à mulher a possibilidade de acesso a canais de decisão e de participação. Hoje, as brasileiras são a maioria dos eleitores. Em 2022, elas representaram 52% do eleitorado.
Mas essa realidade é bem recente e é fruto de muita luta contra a discriminação, preconceito, exclusão e direitos violados por muito tempo. Conheça agora a trajetória histórica do voto feminino no Brasil e sua importância para a sociedade.
O que vamos abordar neste artigo:
- História: de 1850 aos dias de hoje
- 1881 – Criação do título eleitoral e da eleição direta
- 1890-1891 – Primeira discussão sobre o voto feminino
- 1889-1930 – Voto voluntário
- 1922 – Intensificação do Movimento sufragista
- A mobilização feminina negra
- Rio Grande do Norte concede direito ao voto feminino cinco anos antes
- Constituição de 1946
- Regime militar e o marco da equiparação sufragista (1964-1985)
- 1970-1985 – Ascensão do feminismo
- O Dia da Conquista: mulheres equiparam seus direitos
Publicado em 09/08/2023.
História: de 1850 aos dias de hoje
As primeiras organizações de mulheres no Brasil, surgiram após o ano de 1850, e tinham como pauta o direito à educação e ao voto. Mas esses movimentos trouxeram poucos resultados concretos.
No início, as reivindicações eram isoladas, e com pouca participação, destacando duas figuras pioneiras a frente da luta, a abolicionista e feminista Nísia Floresta no Rio Grande do Norte e a jornalista baiana, Violante Bivar e Velasco, fundadora do primeiro jornal voltado às mulheres (1852).
Dessa forma, a proximidade das sufragistas brasileiras com a elite política da época permitiu avanços lentos no movimento pela conquista do voto.
Veja algumas das principais etapas dessa luta no Brasil:
1881 – Criação do título eleitoral e da eleição direta
Ocorre a aprovação da Lei Saraiva, em que é também instituído o pleito direto e criado o título eleitoral. Para ser eleitor o indivíduo deveria ser do sexo masculino, maior de 21 anos e ter uma renda anual específica.
1890-1891 – Primeira discussão sobre o voto feminino
Na proclamação da República, o voto censitário (aquele que atende a critérios econômicos) é anulado, e os analfabetos perdem o direito ao voto. Acontece, pela primeira vez no Congresso Nacional, a discussão sobre o voto feminino. Movidos pelo movimento das sufragistas estadunidenses e inglesas, alguns deputados propõem estender o direito de voto às mulheres com diploma de nível superior e para aquelas que não estivessem sob a guarda do pai. Mas a proposta acabou sendo uma afronta aos congressistas que na época consideraram-na anárquica, pois colocava em pauta a inferioridade da mulher e a dissolução da família.
1889-1930 – Voto voluntário
Nesse período, durante a República Velha, todas as demais restrições ao direito de votar continuam. O Código Eleitoral promulgado por Getúlio Vargas, na esteira da Revolução de 1930, traz nos artigos finais (Artigo 121) que “os homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral.” Ou seja, a exclusão feminina continua, para os homens entre 21 e 60 anos, o voto era obrigatório, para os idosos e mulheres, voluntário.
1922 – Intensificação do Movimento sufragista
Mesmo com a naturalização da exclusão feminina ao voto, entre 1824 e 1965, o movimento não parou. A bióloga Bertha Lutz, que passava uma temporada de estudos em Paris (1919), volta ao Brasil trazendo os ideais sufragistas e se aliando à militante anarquista Maria Lacerda de Moura fundando a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher. Em 1922, essa instituição passa a se chamar Federação pelo Progresso Feminino. Esse foi um período de intenso intercâmbio entre as sufragistas inglesas, estadunidenses e brasileiras.
A mobilização feminina negra
Uma das maiores organizações de resistência negra no século XX foi a Frente Negra Brasileira (FNB), fundada em 1931 em São Paulo. A FNB possuía um projeto antirracista visando a integração das pessoas negras, como cidadãs, na sociedade.
No entanto, as mulheres ocupavam posições secundárias, não fazendo parte das decisões da frente, que eram monopolizadas pelos homens. Mesmo assim, elas tinham participação ativa na associação, e estavam conscientes sobre seus direitos e sua luta por mudanças na sociedade da época.
Nas primeiras décadas do século XX, algumas mulheres negras também defenderam o direito ao voto feminino, bem como se preocupavam com a posição da mulher e dos negros na sociedade, como é o caso de Antonieta de Barros (ou Maria da Ilha). Nascida em 1901, em Florianópolis, foi professora, jornalista e a primeira mulher negra eleita deputada estadual no Brasil, em 1934.
Rio Grande do Norte concede direito ao voto feminino cinco anos antes
Um capítulo à parte da histórica luta da mulher brasileira pelo sufrágio acontece em 1927, quando depois de muitas reivindicações feministas por igualdade social no Rio Grande do Norte, lideradas pela bióloga paulista Bertha Lutz (1894-1976) as mulheres conquistam pela primeira vez, por meio da Lei estadual nº 660, de 25 de outubro, o reconhecido direito de votar e serem votadas.
O Artigo 77 determinava: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”. Com isso, mulheres das cidades de Natal, Mossoró, Açari e Apodi alistaram-se como eleitoras em 1928.
Em 1929, Alzira Soriano elegeu-se prefeita na cidade de Lages.
Constituição de 1946
Enquanto isso, no restante do Brasil segue a discriminação, mas de forma velada. A Constituição de 1946 estabelece no Artigo 135, “o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei”. Contudo, as exceções negam a igualdade proclamada. A lei que regulamentou a eleição para a Constituinte (Lei Agamenon), como também o Código de 1950, estabeleceram que “as mulheres que não exerçam profissão lucrativa não precisam se alistar”.
Regime militar e o marco da equiparação sufragista (1964-1985)
O Código Eleitoral de 1965 representou um marco para todas as mulheres, equiparou os gêneros, e estabeleceu garantias para assegurar o livre exercício do voto.
Contudo, o Brasil sofreu outro golpe de autoritarismo em que os militares decidem por um processo eleitoral atípico: manter o calendário de eleições, em alguns cargos, de forma direta. O governo acontece por meio de atos institucionais e decretos-leis, revertendo muitas regras e implantando outras.
A novidade ao tratar do direito do voto de pessoas de ambos os sexos é que pela primeira vez, deixa de constar a exclusão da cidadania política às mulheres “que não exercem profissão lucrativa” (Art. 5º e 6º).
Apesar de ter sido aprovado e publicado durante o Regime Militar (1964 a 1985), o Código Eleitoral de 1965 foi o que, de fato, equiparou mulheres e homens perante o voto. Embora pudessem votar desde 1932, somente as mulheres que trabalhavam eram obrigadas.
Durante esse período militar, as mulheres atuaram em várias frentes. Na política eleitoral, muitas delas chegaram ao parlamento. Algumas foram oposição ao regime fazendo parte das guerrilhas urbana e rural. E outras se organizaram na Campanha da Mulher pela Democracia, favoráveis ao regime.
1970-1985 – Ascensão do feminismo
Em meados da década de 1970, o movimento feminista brasileiro ganha espaço e se forma uma significativa frente de contestação à ordem política instituída. São disseminadas políticas de igualdade para as mulheres, com base nas influências internacionais.
Em 1975, foi instituída a Década da Mulher (1975-1985), trazendo inovadores debates acadêmicos e populares sobre a condição da mulher brasileira e a discriminação em nível mundial. Os partidos reformularam as agendas e incluíram essas discussões, demandando um eleitorado feminino e a criação de condições formais para as candidaturas femininas. E as filiadas partidárias reivindicam cargos de direção e de delegadas com poder de decisão.
O Dia da Conquista: mulheres equiparam seus direitos
Embora a luta pela emancipação feminina seja marcada pelo dia 24 de fevereiro de 1932, contudo, a conquista plena chegou apenas em 1965. Esta data efetivou, sem restrições, o direito e acesso ao sufrágio feminino.
Em 1932 por meio do Decreto 21.076, de Getúlio Vargas, dois artigos dessa decisão apontam a exclusão. O artigo 2º trazia a seguinte declaração: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”.
Mais adiante, no artigo 121 está a questão seletiva do voto: “os homens maiores de 60 anos e as mulheres em qualquer idade” poderiam “isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral”.
Dessa forma, o cenário da conquista era optativo e restritivo, não obrigatório para todas. Diante dessas restrições, a luta sufragista continuou, e em 1965, com o novo Código Eleitoral, é finalmente, equiparado o sufrágio das mulheres ao dos homens e tornado obrigatório.
Primeiro ato eleitoral feminino
Com o direito, mesmo que não plenamente assegurado, o primeiro ato eleitoral das mulheres é a eleição da Assembleia Nacional Constituinte que passou a valer em 1934, e já incorporava o direito feminino ao voto.
A importância do voto feminino
O voto feminino é uma ferramenta de poder importante para a democracia representativa. Assim, a extensão do voto às mulheres significa, ainda nos dias de hoje, o acesso aos canais de decisão, executivos ou legislativos e a possibilidade de tratar e legislar as questões femininas. A mulher ocupa um papel muito importante na sociedade. Sua atribuição como ser social é ampla e envolve o direito de exercer sua cidadania em plenitude, tal qual o homem. O voto feminino foi essencial para essa condição, pois trouxe a sua emancipação.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as mulheres são a maioria do eleitorado e esse voto, portanto, é decisivo. Essa luta resulta, mesmo com muita discriminação, na ampliação da representatividade política feminina e a possibilidade de acesso a políticas públicas específicas, a busca pela independência financeira, o combate à violência doméstica, o direito à memória e combate ao apagamento histórico das mulheres, entre outras tantas liberdades.
Participação das mulheres no eleitorado
As mulheres são a maioria do eleitorado no Brasil (52%), mas ainda são sub-representadas na política e em outros espaços de poder. De acordo com o site NãoSeCale do governo do Mato Grosso, em 2020, o Brasil ocupava o 3° lugar em representatividade feminina na América Latina, e no mundo, a 142ª posição de participação de mulheres na política. Elas representam 15% da Câmara de Deputados, 11% do Senado Federal e 15% dos legislativos estaduais.
Participação das mulheres na política
O ativismo feminino vem crescendo no país. Com maior interesse pelas eleições, as mulheres vêm defendendo suas posições em diversos setores, e rejeitando velhas práticas. Desse modo, com uma participação política feminina mais efetiva é possível uma maior qualidade da democracia e da igualdade de direitos.
Uma presença maior de mulheres na política também contribui para atenção às questões femininas. Existe um total de 82 milhões de mulheres aptas a votar no Brasil, mas por outro lado, ocupam apenas 16% das vagas nas Câmaras de Vereadores e 12% nas prefeituras. Então, falta representatividade política.
Em 2022, foram eleitas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a câmara dos deputados, senado, assembleias legislativas e governos estaduais. Como se pode ver, as mulheres representam a maior parcela de eleitores no Brasil, mas ainda é um desafio ampliar a porção feminina na política.
Como a educação em direitos humanos pode contribuir para maior participação política de mulheres?
A educação em direitos humanos promove valores, crenças e atitudes que encorajam todas as pessoas a defender seus próprios direitos e os das outros. A partir desse olhar, a participação da mulher na política ganha novos contornos e estimula o acesso a uma cultura de respeito, de promoção da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz.
Dessa forma, auxilia que na prática, as mulheres busquem seus espaços e acessem a política reduzindo as discriminações e transformando as relações de gênero. Ao ampliar seu espaço político e sua participação efetiva nos canais de decisão do poder público, a mulher desenvolve uma compreensão da responsabilidade comum de todas as pessoas para tornar os direitos humanos uma realidade.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
ARAÚJO, Angela Maria Carneiro. FACCHINI Regina. Mulheres e Direitos Humanos no Brasil: avanços e desafios. Jornal da Unicamp. 2018.
BESTER, Gisela Maria. Aspectos históricos da luta sufragista feminina no Brasil. Periódicos UFSC. 1997.
DA CUNHA, Ariane Regina Bueno. Gabrielle Nogueira Oliveira; Lorena Almeida Gill. As mulheres e o seu protagonismo na história. 7ª Semana integrada UFPEL. 2021.
GALVÃO. Laila Maia. Os entrecruzamentos das lutas feministas pelo voto feminino e por educação na década de 1920. Publicações UERJ. 2016.
RODRIGUES. Aline Rocha. Comportamento eleitoral feminino: mulheres votam em mulheres? Tre RJ. 2020.