Relatos de pessoas que repensaram visões de mundo impulsionadas por fortes emoções e vivências são bastante comuns. Entenda porque a arte na educação em direitos humanos é uma excelente forma de produzir experiências transformadoras e como ela pode ser uma das principais aliadas para educar em direitos humanos.

Por André Bakker, para o Instituto Aurora

(Foto: Renata Salles)

Quando foi a última vez que você se emocionou? Você se lembra? Foi assistindo a um filme, ouvindo uma música, lendo um livro? Foi produzindo ou desfrutando de alguma forma de arte? E a última vez que você repensou seus valores e convicções? Teve alguma relação com essa ou alguma outra forte emoção que sentiu? Essas experiências transformadoras, geralmente, acontecem por acaso, quando menos esperamos, e muitas vezes dão a sensação de que havia algo óbvio nos passando despercebido. E é justamente essa sensação que nos captura quando, como alunas e alunos, entendemos um conceito ou uma ideia. 

É por isso que momentos de forte emoção e conexão são tão importantes para a educação e, em especial para a educação em direitos humanos. Mas será possível criar esse tipo de situação propositalmente? Nós acreditamos que sim, e tentaremos lhe mostrar como e por que usar a arte na educação em direitos humanos.

Estabelecer conexões que gerem algum tipo de comprometimento; engajar uma mudança de pensamento; possibilitar às pessoas que olhem para o mundo para além de suas próprias bolhas. Essas são algumas das tarefas mais importantes e, ao mesmo tempo, mais árduas da educação. E talvez sejam ainda mais difíceis para quem pretende educar com valores que fogem às visões de mundo individualistas, como é o caso de quem trabalha com educação em direitos humanos.

Educar em direitos humanos, dentre as várias possibilidades de sua definição, é educar em valores e formar com e para a cidadania. Não quaisquer valores, evidentemente, mas valores coerentes com os princípios que fundamentam os direitos humanos. E não é preciso ir muito longe: resumamos esses princípios à ideia de respeito à dignidade humana, em todas as suas formas. De pronto, então, educar em direitos humanos é educar pensando em promover a dignidade de cada pessoa e a capacidade, a possibilidade, de que cada pessoa respeite à dignidade das outras pessoas com quem compartilha o mundo.

Mais que isso, educar em direitos humanos, no sentido de transmitir valores, é buscar a compreensão do porque é necessário respeitar todas às pessoas em sua dignidade. E é nessa busca por fazer compreender que está o desafio de qualquer forma de educação e, em especial, na educação em direitos humanos.

Fazer ter sentido, então, é o desafio.

E, dadas as nossas experiências, tanto pessoais, como no Instituto Aurora, está nítido para nós que o sentir dá sentido. Em outras palavras: quando a gente sente, aí sim, algo faz sentido. E o que nos faz sentir, para todas e todos como humanas e humanos, é totalmente variável. Subjetivo, para não perder o jargão. Tem quem sente algo com a música, com a poesia, com a pintura, com a literatura, com o videogame, com o cinema e assim por diante. O que não tem, queremos crer, é quem não sinta nada com nenhuma forma de arte. É nisso que mora a relação entre arte e direitos humanos.

Talvez você já tenha conseguido responder às questões do início do texto. Voltemos a elas. Tente se lembrar da última vez que se emocionou. Foi com uma história? Com um som? Com uma imagem? Sem dúvida, as infinitas formas de expressão artística são essenciais para qualquer projeto educativo que queira fazer sentido; que queira transmitir valores. Para além de qualquer racionalidade, muitas das vezes em que compreendemos algo novo, ou quando somos empáticas/os com uma vivência diversa da nossa ou simplesmente não desvalorizamos uma experiência alheia, é porque fomos tocadas/os e sentimos. Aí, nesses momentos, algo fez sentido. Entendemos que é dessa forma que podemos usufruir da arte para educar em direitos humanos.

O que vamos abordar neste artigo:

Publicado em 20/08/2020.

Imaginação narrativa e a vivência estética: qual a contribuição da arte para educar em direitos humanos?

Em nossos estudos, encontramos o pensamento de Martha Nussbaum, filósofa que, de algumas formas, também tem inspirado a maneira como entendemos a educação. No livro Educação e justiça social, a autora, inspirada pelo polímata indiano Rabindranath Tagore, destaca que os cidadãos e cidadãs de sociedades democráticas devem possuir, necessariamente, três capacidades: 

  • a capacidade de autocrítica, 
  • a capacidade de se perceber como ser humano interligado a outros seres humanos por laços de reconhecimento e interesse, 
  • e a capacidade de se colocar no lugar do outro e compreender sua história, seus sentimentos e seus interesses. 

É justamente por meio das artes que se pode atingir essas capacidades e por isso há uma forte relação entre arte e direitos humanos.

A esse potencial de se colocar na vida de outras e outros Nussbaum dá o nome de imaginação narrativa. Em linhas gerais, o que se quer proporcionar com a imaginação narrativa é a empatia, ou, em maior grau, a alteridade, para que o mundo seja percebido como algo além da história do próprio indivíduo (ou como uma narrativa diversa da sua). Como exemplo, a autora escreve que

“encenar uma peça de teatro sobre o dote (ou sobre o racismo) é uma maneira de aprender acerca desse tema que, para uma criança, tem um significado muito mais profundo do que a leitura de um manual sobre o mesmo tema.”

Pensando dessa forma, parece evidente o potencial da arte na educação em direitos humanos.

Outro importante pensador que dedicou muito tempo a essa relação (da arte na educação) foi Vygotsky. Para ele, a arte é capaz de gerar fortes emoções que nos atingem como verdadeiras vivências estéticas que podem nos transformar. Parafraseando o psicólogo Guilherme Arinelli, com quem conversamos durante a produção desse texto, “a arte, quando reverbera nas pessoas, produz um momento de vivência. Uma forte intensidade emocional que faz com que você se sinta tocado. […] É o que acontece quando passamos dias pensando em um filme, por exemplo”.

Descrever esse processo é bastante complicado, mas, ao mesmo tempo, é um tanto intuitivo, pois todas/os já passamos por momentos assim. Se não pelo teatro, quando nos colocaríamos ativamente na vida de outra pessoa? Se não pela música, cinema ou literatura, quando é que nos deixaríamos ser invadidos por um sentimento que não é nosso? Esse é o grande trunfo da arte na educação.

Usar a arte na educação em direitos humanos exige planejamento. Como isso ocorre na prática?

Para se valer da arte na educação, primeiro é preciso ter um objetivo claro de qual tema será tratado. Se você busca inspiração, dê uma olhada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Cada artigo pode lhe ajudar a definir um tema. Se quiser ir direto ao ponto, dê uma lida em nosso artigo sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Cada um dos 17 ODS poderá servir de base para você definir um tema.

Feita essa escolha, procure descobrir qual tipo de material seria mais motivador para seu público. Em nossa experiência, percebemos que o cinema tem um forte apelo para o público adulto, ao passo que música, literatura e fotografia, geram bastante conexão com jovens, tanto como espectadoras/es  quanto como criadoras/es. O ideal, sempre, é conhecer o grupo com que se trabalha. Procure referências já conhecidas e apreciadas pela turma e, aos poucos, acrescente outros nomes, títulos e estilos para que expandam ainda mais seu universo.

Por fim, é importante planejar de que maneira o tema proposto será articulado com a obra escolhida. Isso é bastante importante para que um filme não seja “só” um filme, ou para que uma música não seja apenas o som ambiente durante uma aula ou oficina. Prepare os grupos para lidarem com a obra, e provoque-os para refletir sobre o que ela os faz sentir.

Conheça um pouco do trabalho do Instituto Aurora com arte na educação em direitos humanos

Nós, no Instituto Aurora, temos desde o princípio utilizado diferentes formas de expressão artística em nossas ações tanto com jovens quanto com adultas/os. Realizamos projetos com fotografia, cinema, literatura, contação de história, artes manuais, teatro e música. Inclusive, temos um guia prático de como começar um clube do livro com temáticas de direitos humanos, que pode servir para que você comece a explorar a arte na educação em direitos humanos.

Além disso, já realizamos diversas sessões de cine debate, tratando de questões de gênero, racismo e desigualdades sociais.

Convidamos você a fazer essas experiências. Não há mistério! Toda forma de expressão é válida, contanto que ela seja capaz de fomentar a reflexão e a conexão com outras formas de pensar. Afinal de contas, essa é uma das inúmeras possibilidades da arte: conectar-nos com vidas diferentes das nossas. É como a velha frase atribuída a Da Vinci: “a arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”.

Algumas referências que usamos neste texto

  • NUSSBAUM, Martha C. Educação e justiça social. Mangualde: Edições Pedago, 2014.
  • Sobre a relação entre arte e educação em Vygotsky, recomendamos os trabalhos do PROSPED, da PUC Campinas: https://prosped.com.br/

Se você quer explorar mais as potencialidades da arte na educação em direitos humanos, fique de olho na agenda do Instituto Aurora e participe de alguma de nossas atividades.

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Pontes ou muros: o que você têm construído?
Em um mundo de desconstrução, sejamos construtores. Essa ideia foi determinante para o surgimento do Instituto Aurora e por isso compartilhamos essa mensagem. Em uma mescla de história de vida e interação com o grupo, são apresentados os princípios da comunicação não-violenta e da possibilidade de sermos empáticos, culminando em um ato simbólico de uma construção coletiva.
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Quem é você na Década da Ação?
Sabemos que precisamos agir no presente para viver em um mundo melhor amanhã. Mas, afinal, o que é esse mundo melhor? É possível construí-lo? Quem fará isso? De forma dinâmica e interativa, os participantes serão instigados a pensar em seu sistema de crenças e a vivenciarem o conceito de justiça social. Cada pessoa poderá reconhecer suas potencialidades e assumir a sua autorresponsabilidade.
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A vitória é de quem?
Nessa palestra permeada pela visão de mundo delas, proporcionamos um espaço para dissipar o medo sobre palavras como: feminismo, empoderamento feminino e igualdade de gênero. Nosso objetivo é mostrar o quanto esses termos estão associados a grandes avanços que tivemos e ainda podemos ter - em um mundo em que todas as pessoas ganhem.
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Liberdade de pensamento: você tem?
As projeções para o século XXI apontam para o exponencial crescimento da inteligência artificial e da sua presença em nosso dia a dia. Você já se perguntou o que as máquinas têm aprendido sobre a humanidade e a vida em sociedade? E como isso volta para nós, impactando a forma como lemos o mundo? É tempo de discutir que tipo de dados têm servido de alimento para os robôs porque isso já tem influenciado o futuro que estamos construindo.
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Formações customizadas
Nossas formações abordam temas relacionados à compreensão de direitos humanos de forma interdisciplinar, aplicada ao dia a dia das pessoas - sejam elas de quaisquer áreas de atuação - e ajustadas às necessidades de quem opta por esse serviço.
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Consultoria em promoção de diversidade
Temos percebido um movimento positivo de criação de comitês de diversidade nas instituições. Com a consultoria, podemos traçar juntos a criação desses espaços de diálogo e definir estratégias de como fortalecer uma cultura de garantia de direitos humanos.
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Minha empresa quer doar

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    Depoimento de professora de Campo Largo
    Em 2022, nosso colégio foi ameaçado de massacre. Funcionárias acharam papel em que estava escrito o dia e a hora que seria o massacre (08/11 às 11h). Também tinha recado na porta interna dos banheiros feminino e masculino. Como gestoras, fizemos o boletim de ocorrência na delegacia e comunicamos o núcleo de educação. A partir desta ação, todos as outras foram coordenadas pela polícia e pelo núcleo. No ambiente escolar gerou um pânico. Alunos começaram a ter diariamente ataque de ansiedade e pânico. Muitos pais já não enviavam os filhos para o colégio. Outros pais da comunidade organizaram grupos paralelos no whatsapp, disseminado mais terror e sugestões de ações que nós deveríamos tomar. Recebemos esporadicamente a ronda da polícia, que adentrava no colégio e fazia uma caminhada e, em seguida, saía. Foram dias de horror. No dia da ameaça, a guarda municipal fez campana no portão de entrada e tivemos apenas 56 alunos durante os turnos da manhã e tarde. Somente um professor não compareceu por motivos psicológicos. Nenhum funcionário faltou. Destacamos que o bilhete foi encontrado no banheiro, na segunda-feira, dia 31 de outubro de 2022, após o segundo turno eleitoral. Com isto, muitos estavam associando o bilhete com caráter político. A polícia descartou essa possibilidade. Enfim, no dia 08, não tivemos nenhuma ocorrência. A semana seguinte foi mais tranquila. E assim seguimos. Contudo, esse é mais um trauma na carreira para ser suportado, sem nenhum olhar de atenção e de cuidado das autoridades. Apenas acrescentamos outras ameaças (as demandas pedagógicas) e outros medos.
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