A Convenção sobre os Direitos da Criança é considerada um dos principais tratados internacionais de direitos humanos. Você sabe quais são os seus efeitos na prática, e como ela contribuiu para uma mudança de mentalidade aqui no Brasil?

Por Clara Agostini, para o Instituto Aurora

(Foto: Rodnae Productions / Pexels)

Dentre a estrutura de Direitos Humanos da ONU, existem várias convenções, também chamadas de tratados, que falam sobre direitos de grupos específicos – da mulher, criança, pessoas com deficiência, etc. 

A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) é considerada um documento de referência, pois é o tratado de Direitos Humanos mais amplamente adotado da história, com quase todos os países do mundo o tendo ratificado, com exceção dos Estados Unidos.

A CDC reconhece que as crianças devem acessar uma série de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Ela estabelece os direitos fundamentais que devem ser assegurados às crianças, incluindo o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; o direito de ter seu interesse considerados em todas as ações que lhes digam respeito; o direito de expressar suas opiniões e de que elas sejam levadas a sério; o direito à proteção contra a violência, o abuso e a exploração; o direito à educação, à saúde e a um padrão de vida adequado ao seu desenvolvimento; e muitos outros.

A CDC também estabelece as responsabilidades dos governos, dos pais e de outras partes interessadas na garantia e promoção dos direitos das crianças. Ela exige o fornecimento dos recursos, serviços e proteções necessários para permitir que as crianças cresçam e se desenvolvam em um ambiente seguro e acolhedor.

O que vamos abordar neste artigo:

Publicado em 10/01/2024.

Quando e por que foi criada a Convenção sobre os Direitos da Criança

A CDC é um tratado internacional que define os direitos das crianças e estabelece padrões para sua proteção e bem-estar. Ela foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor em 2 de setembro de 1990. Esta foi a conclusão de um processo que havia começado com os preparativos para o Ano Internacional da Criança de 1979. Naquele ano, o governo da Polônia iniciou as discussões sobre um projeto de convenção sobre o tema. 

Anteriormente, porém, as crianças já haviam sido tema de discussão pela comunidade internacional. Declarações sobre os direitos da criança foram adotadas tanto pela Liga das Nações (1924) quanto pelas Nações Unidas (1959), que porém não possuíam poder vinculante. Além disso, disposições específicas relativas às crianças foram incorporadas em vários tratados de direitos humanos e de direito humanitário. No entanto, alguns Estados argumentaram que havia a necessidade de uma declaração abrangente sobre os direitos das crianças, que seria vinculativa nos termos do direito internacional, ou seja, que obriga os Estados a cumprirem as regras determinadas no documento

Essa opinião foi influenciada por relatos de graves injustiças sofridas pelas crianças em todo o mundo: alta mortalidade infantil, assistência médica deficiente, poucas oportunidades de educação básica. Havia também relatos alarmantes de crianças sendo abusadas e exploradas na prostituição ou em trabalhos considerados perigosos, de crianças mantidas em prisão ou em outras circunstâncias difíceis, e de crianças refugiadas e vítimas de conflitos armados.

Diante deste contexto, a adoção unânime da Convenção pela Assembleia Geral da ONU em 1989 é considerada um esforço coletivo no âmbito internacional para combater tais violações

Qual a importância da convenção sobre os direitos da criança?

A Convenção tem como principal efeito a obrigação dos Estados de apresentar esforços contínuos para melhorar a situação de crianças e adolescentes em suas leis e políticas públicas. A importância dela reside justamente em fazer com que cada Estado se responsabilize por suas ações e políticas. 

Por isso, a CDC prevê a criação de um comitê de monitoramento, o Comitê dos Direitos da Criança. Este comitê de monitoramento, composto por 18 especialistas independentes, serve para seguir a evolução de cada Estado que ratificou a Convenção, para garantir que os esforços em proteger os direitos da criança e do adolescente são suficientes e contínuos. 

Ele também monitora a implementação dos Protocolos Opcionais da Convenção, sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados e sobre a venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil.

Ao ratificar a CDC, os países se comprometem a defender e implementar os direitos das crianças em suas jurisdições. Espera-se que eles adotem medidas legislativas, administrativas e sociais para garantir que os direitos das crianças sejam respeitados e protegidos. Além disso, a CDC incentiva a cooperação internacional para apoiar os países no cumprimento de suas obrigações para com as crianças.

Os Estados devem enviar um relatório inicial dois anos após a adesão à Convenção e, em seguida, relatórios periódicos a cada cinco anos. O Comitê examina cada relatório e apresenta suas considerações e recomendações ao Estado Parte na forma de “observações finais”. 

O Comitê encoraja organizações internacionais, regionais, nacionais e locais a enviar relatórios sobre como a Convenção dos Direitos da Criança está sendo implementada em um país. Além disso, a participação de crianças não somente é possível, como também é encorajada. O Comitê incentiva a sociedade civil a coordenar e enviar relatórios abrangentes conjuntos para fortalecer a cooperação em nível nacional e aumentar o impacto do processo de monitoramento. 

A situação das crianças e adolescentes do Brasil

A população que representa crianças e adolescentes de até 18 anos de idade no Brasil vem diminuindo, por conta da redução do número de nascimentos nos últimos anos. De qualquer modo, este grupo ainda representa um grande número da população, cerca de 50,8 milhões, e apesar de muitos progressos terem sido feitos nos últimos anos, ainda há um grande desafio pela frente. 

O estudo chamado As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil, publicado pela UNICEF Brasil em fevereiro de 2023, mostra que mais de 60% das crianças e adolescentes brasileiros de até 17 anos vivem em situação de vulnerabilidade. O estudo se baseia em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e leva em consideração oito indicadores para avaliar a chamada pobreza multidimensional sofrida por milhões de crianças e adolescentes: educação, alimentação, renda, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação. 

O estudo atesta o impacto da pandemia de Covid-19 em fatores como educação, alimentação e renda, e também confirma como crianças e adolescentes negras e indígenas estão em maior situação de vulnerabilidade em comparação com brancas e amarelas. 

Ao mesmo tempo, o Brasil, por ser parte da CDC, submeteu em 2021 seu último relatório ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU. O relatório menciona todas as políticas públicas em vigor para a promoção dos direitos de crianças e adolescentes, e os recentes esforços para melhorar o trabalho anteriormente feito.

Dentro da estrutura do Estado brasileiro, também é importante mencionar o trabalho do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), criado em 1991, por determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho tem gestão compartilhada entre governo e sociedade civil, e tem como principal atribuição estabelecer as bases para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes. Além disso, o CONANDA também fiscaliza o poder público em suas ações para atender crianças e adolescentes. 

Como a Convenção sobre os Direitos da Criança se conecta ao ODS 16?

O ODS 16, chamado Paz, Justiças e Instituições Eficazes, aborda a importância da promoção de instituições eficazes para promover sociedades mais igualitárias e inclusivas. A Meta 16.2 promove especificamente o fim do abuso, exploração e todas as formas de violência e maus tratos contra crianças. 

A Convenção Sobre os Direitos da Criança possui em seu Artigo 19 disposição parecida, determinando que os Estados Partes devem adotar medidas apropriadas para proteger as crianças de todo tipo de violência física ou mental, maus tratos ou exploração

Desta forma, os ODSs se veem mais uma vez interconectados com os tratados internacionais de direitos humanos, já que eles unem forças para proteger, neste caso, as partes mais vulneráveis da sociedade, que são as crianças e adolescentes. 

É importante lembrar que, tratando-se de Brasil, o ECA também inclui em seu Artigo 5º: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

Conclusão

Nos últimos 30 anos, a vida das crianças foi transformada pelo tratado de direitos humanos mais amplamente ratificado da história. A Convenção sobre os Direitos da Criança inspirou os governos a mudarem as leis e as políticas, de modo que mais crianças recebem os cuidados de saúde e a nutrição de que necessitam. Com isso, hoje existem melhores mecanismos para proteger as crianças da violência e da exploração, e mais crianças têm suas vozes ouvidas e participam da sociedade

Mas ainda há mais trabalho a ser feito. De acordo com a UNICEF, 262 milhões de crianças ao redor do mundo estão fora da escola, 650 milhões de meninas e mulheres se casaram antes do 18º aniversário. Muitas crianças ainda são alvos de ataques, são recrutadas como soldados em conflitos, e sofrem abusos até mesmo por quem deveria protegê-las. 

Por isso, é importante que a sociedade civil se engaje cada vez mais para cobrar os governos que façam um trabalho melhor e usem seus recursos em prol da proteção dos direitos de todas as crianças.

O Instituto Aurora atua com a promoção e defesa da Educação em Direitos Humanos. Conheça o nosso trabalho em prol de uma cultura de paz.

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Pontes ou muros: o que você têm construído?
Em um mundo de desconstrução, sejamos construtores. Essa ideia foi determinante para o surgimento do Instituto Aurora e por isso compartilhamos essa mensagem. Em uma mescla de história de vida e interação com o grupo, são apresentados os princípios da comunicação não-violenta e da possibilidade de sermos empáticos, culminando em um ato simbólico de uma construção coletiva.
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Quem é você na Década da Ação?
Sabemos que precisamos agir no presente para viver em um mundo melhor amanhã. Mas, afinal, o que é esse mundo melhor? É possível construí-lo? Quem fará isso? De forma dinâmica e interativa, os participantes serão instigados a pensar em seu sistema de crenças e a vivenciarem o conceito de justiça social. Cada pessoa poderá reconhecer suas potencialidades e assumir a sua autorresponsabilidade.
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A vitória é de quem?
Nessa palestra permeada pela visão de mundo delas, proporcionamos um espaço para dissipar o medo sobre palavras como: feminismo, empoderamento feminino e igualdade de gênero. Nosso objetivo é mostrar o quanto esses termos estão associados a grandes avanços que tivemos e ainda podemos ter - em um mundo em que todas as pessoas ganhem.
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Liberdade de pensamento: você tem?
As projeções para o século XXI apontam para o exponencial crescimento da inteligência artificial e da sua presença em nosso dia a dia. Você já se perguntou o que as máquinas têm aprendido sobre a humanidade e a vida em sociedade? E como isso volta para nós, impactando a forma como lemos o mundo? É tempo de discutir que tipo de dados têm servido de alimento para os robôs porque isso já tem influenciado o futuro que estamos construindo.
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Formações customizadas
Nossas formações abordam temas relacionados à compreensão de direitos humanos de forma interdisciplinar, aplicada ao dia a dia das pessoas - sejam elas de quaisquer áreas de atuação - e ajustadas às necessidades de quem opta por esse serviço.
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Consultoria em promoção de diversidade
Temos percebido um movimento positivo de criação de comitês de diversidade nas instituições. Com a consultoria, podemos traçar juntos a criação desses espaços de diálogo e definir estratégias de como fortalecer uma cultura de garantia de direitos humanos.
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Minha empresa quer doar

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    Depoimento de professora de Campo Largo
    Em 2022, nosso colégio foi ameaçado de massacre. Funcionárias acharam papel em que estava escrito o dia e a hora que seria o massacre (08/11 às 11h). Também tinha recado na porta interna dos banheiros feminino e masculino. Como gestoras, fizemos o boletim de ocorrência na delegacia e comunicamos o núcleo de educação. A partir desta ação, todos as outras foram coordenadas pela polícia e pelo núcleo. No ambiente escolar gerou um pânico. Alunos começaram a ter diariamente ataque de ansiedade e pânico. Muitos pais já não enviavam os filhos para o colégio. Outros pais da comunidade organizaram grupos paralelos no whatsapp, disseminado mais terror e sugestões de ações que nós deveríamos tomar. Recebemos esporadicamente a ronda da polícia, que adentrava no colégio e fazia uma caminhada e, em seguida, saía. Foram dias de horror. No dia da ameaça, a guarda municipal fez campana no portão de entrada e tivemos apenas 56 alunos durante os turnos da manhã e tarde. Somente um professor não compareceu por motivos psicológicos. Nenhum funcionário faltou. Destacamos que o bilhete foi encontrado no banheiro, na segunda-feira, dia 31 de outubro de 2022, após o segundo turno eleitoral. Com isto, muitos estavam associando o bilhete com caráter político. A polícia descartou essa possibilidade. Enfim, no dia 08, não tivemos nenhuma ocorrência. A semana seguinte foi mais tranquila. E assim seguimos. Contudo, esse é mais um trauma na carreira para ser suportado, sem nenhum olhar de atenção e de cuidado das autoridades. Apenas acrescentamos outras ameaças (as demandas pedagógicas) e outros medos.
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