A licença paternidade possibilita que o pai se afaste do trabalho para cuidados iniciais com o recém-nascido. Qual a extensão desse direito?
Por Felipe Pinheiro, para o Instituto Aurora
O direito, como regulador de condutas sociais, está submetido a um processo contínuo de evolução, nos limites da capacidade humana de converter em norma os fatos valorizados pela sociedade de seu tempo. Cabe à lei, portanto, se renovar a fim de impor os comportamentos que se esperam da coletividade, sem, contudo, renunciar aos princípios fundamentais da vida em sociedade, como a dignidade da pessoa humana e a vedação ao retrocesso social.
O dinamismo das relações de trabalho torna essencial que se volte um olhar mais atento às regras que regulam essa atividade. Afinal, como parte da vida cotidiana, o trabalho impacta a rotina das pessoas para além das portas da empresa.
Quando o tema é cuidado familiar, a legislação brasileira dedica um amplo rol de proteção a seus membros e suas respectivas relações, consolidando a família como a base da sociedade e fundamento do Estado. No centro dessa proteção, destaca-se a já consagrada licença maternidade e a ainda pouco conhecida licença paternidade.
A licença paternidade representou um grande avanço legislativo, na medida em que reconhece a maternidade como um evento familiar. Trata-se, por assim dizer, do reconhecimento da legislação – portanto, da própria sociedade – de que as tarefas relacionadas à maternidade não são de responsabilidade exclusiva da mãe, mas um dever compartilhado do casal.
Além de ser fundamental para a justa repartição das obrigações domésticas e aguçar a relação entre pai e filho, a licença paternidade é uma grande aliada no combate à discriminação da mulher no mercado de trabalho e ponto chave na melhoria da relação familiar.
Por se tratar de um direito recém-criado, a licença paternidade ainda levanta dúvidas a empresas e trabalhadores. Nesse artigo, vamos explicitar os principais pontos e benefícios proporcionados por esse direito.
O que é a licença paternidade?
A licença paternidade é uma espécie de licença remunerada concedida ao empregado em decorrência de nascimento ou adoção de filho. Trata-se de uma importante medida legislativa que tem como objetivo favorecer o envolvimento do companheiro nos cuidados iniciais com o bebê, além de estreitar o vínculo afetivo entre pais e filhos.
Essa licença remunerada não é um direito exclusivo dos pais, mas existe principalmente em favor da criança e de sua necessidade primária de cuidado e afeto no início da vida.
Apesar da semelhança com a licença maternidade, a licença paternidade não é um benefício previdenciário e o afastamento do empregado será custeado pelo empregador. Durante esse período, os efeitos do contrato de trabalho são interrompidos, ou seja, o empregado não irá trabalhar, mas terá preservados seu emprego e salário.
Quando do retorno ao trabalho, o empregado afastado terá direito de receber todas as vantagens que tenham sido concedidas aos demais empregados de sua categoria profissional durante o período de afastamento.
A licença paternidade está prevista na CLT?
A licença paternidade é um direito assegurado em nível constitucional. Está previsto no art. 7º, inciso XIX, da Constituição Federal, segundo o qual “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XIX licença paternidade, nos termos fixados em lei.”
Na CLT, essa licença remunerada está prevista no inciso III do art. 473, e tem a mesma extensão prevista na Constituição.
Quantos dias são de licença paternidade?
A dimensão da licença paternidade, estabelecida no §1º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e no art. 473, inciso III, da CLT é de 5 (cinco) dias, contados a partir do primeiro dia útil seguinte ao nascimento ou adoção de filho. O período de afastamento pode ser prorrogado por mais 15 (quinze) dias, caso a empresa esteja cadastrada no Programa Empresa Cidadã.
Uma vez que a norma constitucional criou uma série de direitos trabalhistas mínimos, o prazo da licença paternidade pode ser aumentado por deliberação do empregador ou por negociação coletiva, desde que esse ajuste represente condição mais benéfica ao empregado.
Por sua vez, diante da relevância social desse afastamento, o prazo da licença paternidade não pode ser reduzido ou suprimido, nem mesmo por meio de Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho, por disposição expressa do art. 611-B, inciso XIV, da CLT.
Quem tem direito à licença paternidade?
Por se tratar de um direito constitucional assegurado a todo trabalhador empregado urbano e rural, a licença paternidade é devida a todos os pais que tenham um trabalho com carteira assinada. Sua concessão é devida a partir do primeiro dia útil seguinte ao nascimento ou adoção de filho. O direito também é devido a servidores públicos, de acordo com as particularidades de cada repartição.
Quais situações dão direito à licença paternidade?
O fato gerador da licença paternidade é o nascimento ou adoção de filho. Ocorrendo alguma dessas hipóteses, o pai, adotivo ou biológico, terá direito ao afastamento remunerado de, no mínimo, 5 dias.
Também terá direito à licença remunerada o segurado do sexo masculino que obtiver guarda judicial unilateral de criança para fins de adoção, além de casais do mesmo sexo que adotem um bebê ou que tenham obtido guarda judicial para fins de adoção. Nesses casos, o afastamento terá a mesma dimensão da licença maternidade – 120 dias – e o salário-maternidade, pago diretamente pela Previdência Social, será concedido a apenas um dos companheiros, desde que o beneficiário seja empregado segurado.
Programa Empresa Cidadã e licença paternidade
Apesar de a Constituição Federal e a CLT preverem licença paternidade de 5 (cinco) dias, contados a partir do primeiro dia útil seguinte ao nascimento ou adoção de filho, o período de afastamento pode ser prorrogado por mais 15 (dias), totalizando 20 (vinte) dias de licença, caso a empresa esteja cadastrada no Programa Empresa Cidadã.
Criado em 2008, o Programa Empresa Cidadã tem como objetivo incentivar os cuidados familiares com o recém-nascido, além de preservar os direitos fundamentais à maternidade e à infância. Para tanto, a Lei 11.770/08 prorrogou por mais 60 (sessenta) dias a licença maternidade e por mais 15 (quinze) dias a licença paternidade, em troca de benefícios fiscais.
As empresas aderidas, desde que tributadas com base no lucro real, poderão deduzir da tributação devida o total da remuneração paga ao empregado ou empregada durante os dias de prorrogação das licenças maternidade e paternidade.
Quais as vantagens da ampliação do tempo de licença paternidade?
De acordo com o art. 226, §5º, da Constituição Federal, os direitos e deveres relativos ao casamento devem ser exercidos em condições de igualdade por homens e mulheres. A igualdade, por sua vez, é um dos mais importantes direitos fundamentais, razão pela qual se é assegurado, no inciso I do art. 5º da Constituição Federal, a igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher.
Em relação à criança, a Constituição Federal também assegura que é dever da família, do Estado e da sociedade assegurar-lhe uma vida digna. Portanto, a criação da licença paternidade representou um marco na legislação brasileira por reconhecer a maternidade como um evento familiar, e não mais uma atividade de responsabilidade exclusiva da mãe. Afinal, as licenças maternidade e paternidade não são direitos apenas dos pais, mas especialmente da criança, já que se destinam à proteção do recém-nascido.
Apesar dos avanços, o prazo de licença paternidade ainda é muito curto em comparação com a licença maternidade. Essa deformidade acaba reforçando uma realidade distorcida e amplamente difundida na sociedade segundo a qual as tarefas domésticas e cuidados com os filhos são papel natural da mulher, enquanto ao homem cabe o papel de provedor financeiro.
Além do alto impacto social, a exclusão da mulher do sistema produtivo e seu exílio no sistema reprodutivo cria desigualdades em desfavor delas no mercado de trabalho. O afastamento da vida pública, a fragilização da feminilidade e a precarização dos postos de trabalho, especialmente mediante redução de sua remuneração em comparação com profissionais do sexo masculino, são apenas alguns dos efeitos da chamada “discriminação estatística”, cultura que justifica a opressão à mulher no mercado de trabalho com base em um fantasioso e ultrapassado argumento de que o “fardo” biológico da gravidez foi incumbido à mulher.
Nesse cenário, a prorrogação da licença paternidade é uma excelente alternativa para atribuir ao homem tanto o direito quanto a obrigação de participar ativamente dos cuidados familiares, principalmente em relação aos cuidados primários dos filhos.
A extensão do prazo de afastamento dos pais é uma forma de as organizações efetivarem seus valores sociais e cumprirem com suas responsabilidades perante a comunidade, fazendo bom uso de seu poder e influência em favor da redução da desigualdade de gênero no ambiente de trabalho.
Os benefícios dessa prorrogação não são apenas sociais, já que, para as empresas aderidas ao Programa Empresa Cidadã, a totalidade do valor pago durante a extensão da licença será deduzida dos encargos tributários devidos.
Por todos os ângulos que se analise, a ampliação da licença paternidade, até mesmo para além do limite estabelecido pelo Programa Empresa Cidadã, é uma ótima alternativa para as organizações melhorarem a qualidade do meio ambiente de trabalho e atuarem ativamente em favor do bem-estar de seus empregados e no combate à discriminação de gênero no mercado de trabalho.
Por isso, vemos que um olhar mais atento sobre a licença paternidade é uma forma de contribuir para o alcance do ODS 5 da Agenda 2030 da ONU. Um dos compromissos do Instituto Aurora é justamente em desenvolver projetos e ações que contribuam para a igualdade de gênero.