A educação para relações étnico-raciais propõe a valorização e reconhecimento da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Assim, promove a formação de sujeitos críticos, cientes de seus direitos e deveres e favorece a superação de um histórico de desigualdades e exclusões ocorridos ao decorrer da história do país.
Por Victória Praseres, para o Instituto Aurora
(Foto: Pillar Pedreira / Agência Senado)
Você sabe o que significa “educação das relações étnico-raciais” e como isso se entrelaça com a defesa dos Direitos Humanos? Para facilitar, vamos por partes, explicando primeiro os termos-chave para que seja possível entendermos qual a importância da implementação destes conceitos no currículo de ensino formal, na educação não formal e para a defesa dos Direitos Humanos.
Tópicos deste artigo:
Publicado em 06/11/2024.
O que é educação para relações étnico-raciais
Como visto em textos anteriores aqui no Blog do Instituto Aurora, a educação é, por si só, um direito e, simultaneamente, um meio para que outros direitos sejam alcançados. As vias de acesso à educação contemplam a maneira formal e a não formal. A educação formal está atrelada ao sistema de ensino escolar, do básico ao superior. A educação não formal abarca o conjunto de conhecimentos angariados em diferentes etapas da vida e a partir de ambientes que não se restringem aos espaços formais.
Antes de entender a conjunção do termo “étnico-raciais”, precisamos compreender e diferenciar os conceitos de raça e etnia. “Raça” surge no século XVIII, no ramo das ciências naturais, para designar espécies de animais e vegetais. De maneira cientificamente insustentável, o termo foi utilizado para classificar a diversidade humana, ainda que sem diferenças morfo-biológicas consideráveis para tal separação, como nos lembra Munanga (2004).
É por isso que, como explica Gomes (2012), entende-se atualmente que o termo raça diz respeito a construções de ordem social, política e cultural advindas de relações sociais e de poder ao decorrer da história. Dentro desta dinâmica, este termo fornece indícios sobre a relação entre aspectos físicos, como a cor da pele, e suas repercussões nas posições sociais ocupadas por sujeitos na sociedade.
Por sua vez, o termo “Etnia” refere-se a um grupo social que compartilha processos históricos e culturais similares, como uma língua, uma religião ou o território, por exemplo. Desta forma, “relações étnico-raciais” correspondem à interação entre grupos sociais distintos, ou indivíduos e grupos, a partir de conceitos ou ideias sobre diferenças e semelhanças referenciadas no pertencimento racial dos próprios indivíduos ou grupos aos quais pertencem (Verrangia & Silva, 2010).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD) e a Lei nº 10.639/03
Há 21 anos foi sancionada no Brasil a Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na educação brasileira, seja pública ou privada. Esta lei surgiu de um contexto de luta e reivindicações de grupos sociais, tendo como principal expoente, no século XX, o Movimento Negro, que reivindicava a importância de (re)conhecer o Brasil, a partir de projetos que valorizassem a história e cultura afro-brasileira (BRASIL, 2004). A legislação que guia o currículo nacional do país, embasando assim a atuação das escolas e dos sistemas de ensino brasileiro, é a lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases de Educação Nacional.
A alteração da composição das Diretrizes, a partir do que foi proposto pela Lei nº 10.639/03 e do parecer nº 03/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE), traduz a necessidade de incluir discussões e ações, a níveis federal, estadual e municipal, que valorizem a formação do povo brasileiro, reconhecendo a diversidade étnica e cultural do país, assim como o legado da cultura negra no Brasil em aspectos sociais, econômicos e políticos ao longo da história.
Deve-se pontuar que a Lei nº 11.645, sancionada em 2008, agregou as perspectivas indígenas ao proposto pela norma nº 10.639/03, legitimando a importância desses povos para a consolidação e desenvolvimento do país. Trata-se, portanto, de um passo, no âmbito político e pedagógico, em contribuição à formação de um país democrático, convocando para que sejam pensadas as dimensões que originam o contexto brasileiro, favorecendo ao reconhecimento étnico-racial de brasileiros e ao avanço na superação de discriminações sociais e raciais.
Ainda hoje, passados tantos anos, a implementação da educação étnico-racial em escolas enfrenta muitos desafios. Entre alguns dos desafios estão: previsão orçamentária para ensino das relações étnico-raciais, oferta de materiais didáticos com base no que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais, existência de poucos profissionais ou equipe direcionada pelas secretarias municipais para este ensino nas escolas. Para aprofundar o conhecimento, recomendamos a leitura da pesquisa na íntegra: Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.
A importância da educação para relações étnico-raciais
A incorporação de conteúdos relativos à História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena contribui para reorientar um currículo escolar que, ao decorrer dos anos, reproduz conceitos advindos de uma perspectiva eurocêntrica da história do país, onde, na dinâmica das relações étnico-raciais, coube ao branco, ocidental e cristão, o papel de protagonista no desenvolvimento histórico, técnico e científico, de modo a negar e inviabilizar o reconhecimento da história, herança e tradição e dos povos negros e indígenas para o Brasil.
A educação para relações étnico-raciais reconhece a diversidade brasileira e beneficia a nossa formação enquanto cidadãos e sujeitos críticos. Assim, podemos compreender o nosso lugar nas relações sociais e fundamentar nossas ações na sociedade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004, p.14) nos lembram que:
“Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente.”
Como a educação em direitos humanos pode contribuir para a educação étnico-racial
A educação étnico-racial promove o acesso ao conhecimento sobre o contexto sócio-histórico e cultural que compõe o Brasil. Isso implica em revisitar questões que estão na história do país, desconstruindo o mito de um país racialmente democrático e harmônico ao evidenciar o trajeto de hierarquias, estruturas e disputas de poder presentes na formação da sociedade brasileira.
Esta educação promove, assim, a desconstrução de crenças, preconceitos e discriminações associados às culturas afro-brasileiras e indígenas, além de contribuir para a valorização da diversidade e para que cada sujeito reconheça sua identidade étnico-racial, favorecendo o pertencimento racial de grupos historicamente excluídos e alçando formar uma sociedade justa e democrática.
Podemos considerar, então, que tratar da educação étnico-racial é também tratar de educação em direitos humanos. Nós, do Instituto Aurora, entendemos que a educação em direitos humanos contribui para a formação de sujeitos de direitos e deveres, que compreendam as consequências de suas escolhas em âmbito individual e social. Para saber mais sobre Educação em Direitos Humanos, leia o artigo: O que Significa Educação em Direitos Humanos?
Acompanhe o Instituto Aurora nas redes sociais: Instagram | Facebook | Linkedin | Youtube
Algumas referências que usamos neste artigo:
BRASIL. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, p. 27833, 23 dez. 1996.
BRASIL. Lei n. 10.639/03, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Ministério da Educação, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2004.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 mai. 2004a.
BRASIL. Lei n. 11.645/2008, de 10 de março de 2008. Altera a lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 2008.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. 2012. BRASIL. Educação antiracista: caminhos abertos pela Lei Federal, n. 10.639/03, 2019.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira, 2004.
VERRANGIA, Douglas; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Cidadania, relações étnico-raciais e educação: desafios e potencialidades do ensino de Ciências. Educação e Pesquisa, v. 36, p. 705-718, 2010.