Em 14 de julho é celebrado o “Dia da Liberdade de Pensamento”. Neste artigo, falamos sobre o conceito de liberdade de pensamento e quais seus limites, refletindo também sobre a questão da censura e do monitoramento de ideias.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
O dia 14 de julho é lembrado mundialmente como o “Dia da Liberdade de Pensamento”. A data foi escolhida em homenagem à queda da Bastilha, marco inicial da Revolução Francesa. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade conduziram o período revolucionário e deram início a uma nova era: a era dos Direitos Humanos, que teria como um dos seus principais pilares, justamente, a liberdade de pensamento.
Mas, afinal, o que significa liberdade de pensamento e como podemos entendê-la na sociedade atualmente?
O que é a liberdade de pensamento
Nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 13, toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão, que compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
Na Constituição Federal do Brasil, de 1988, o direito à liberdade de pensamento aparece de forma ampla, podendo ser identificado em diversos artigos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(…)
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Como é possível perceber dos dispositivos citados acima, a liberdade de pensamento está inserida no próprio direito à liberdade de expressão e, segundo André de Carvalho Ramos, significa o direito de manifestar, sob qualquer forma, ideias e informações de qualquer natureza.
É importante deixar nítido que quando falamos em liberdade de pensamento, estamos falando, na verdade, da livre manifestação desse pensamento. Isso porque, não há como sabermos ou controlarmos o que se passa dentro da cabeça de cada ser humano. Dessa forma a proteção e os limites se iniciam, tão somente, a partir do momento da expressão desse pensamento, seja por palavras, símbolos ou atitudes.
Mas quais são os limites ao direito à liberdade de pensamento?
O direito à liberdade de pensamento, assim como qualquer outro direito fundamental, não é absoluto, e possui limites estabelecidos pela própria Constituição Federal, entre eles: a vedação ao anonimato, o direito de resposta e a indenização por danos morais.
A vedação ao anonimato tem como objetivo proteger aqueles que recebem, sob qualquer forma ou veículo, a manifestação de pensamento de outra pessoa. Embora de extrema importância, a liberdade de pensamento e expressão não pode ser usada para violar a lei ou prejudicar terceiros, sendo necessária a identificação e responsabilização daqueles que fizerem uso abusivo desse direito.
Um exemplo disso pode ser visto no julgamento do “Caso Ellwanger”, de 2003, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal deixou nítido que o direito à liberdade de pensamento não era absoluto, possuindo limites explícitos e implícitos previstos na Constituição Federal e em Tratados de Direitos Humanos. No caso citado, os Ministros decidiram por assegurar o direito à igualdade e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da liberdade de expressão de ideais racistas antissemitas.
Em casos como esse, os Tribunais do país costumam ponderar e refletir sobre os direitos envolvidos e decidir qual deve prevalecer na situação. Apesar de não se admitir uma censura prévia da manifestação de pensamento, os Tribunais Superiores tendem a priorizar os direitos fundamentais à igualdade e à dignidade da pessoa humana em casos de discursos de ódio, rechaçando, com toda razão, expressões racistas, discriminatórias e violentas.
Como diferenciar os limites e a censura?
Considerando que a Constituição Federal de 1988 foi o marco do processo de redemocratização do Brasil, é natural que ela tenha se preocupado em assegurar ao máximo a liberdade de manifestação de pensamento e expressão, vedando expressamente qualquer censura de natureza política, artística ou ideológica.
A censura, na forma estabelecida pelo constituinte e interpretada pelo Supremo Tribunal Federal, consiste na impossibilidade do Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou não ser dito por indivíduos e jornalistas. Exemplo disso é a decisão emblemática do STF acerca da não exigência do consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais. Mas eventuais danos à honra, à imagem e à privacidade poderão ser eventualmente demandados e reparados, conforme igualmente assegurado pela Constituição Federal.
Perceba que essa decisão do Supremo Tribunal Federal acaba por elucidar a diferença entre censura e limites ao direito à liberdade de pensamento e expressão. Com base em tal decisão, entende-se que a censura é uma proibição prévia, categórica, realizada antes mesmo de se saber o conteúdo da manifestação; enquanto o limite é um ato posterior, com base em uma análise concreta do que foi dito ou expresso por aquele indivíduo e sua ponderação com outros direitos eventualmente atingidos.
O que é o monitoramento das ideias? Ele se aproxima mais do limite ou da censura?
André de Carvalho Ramos associa o “monitoramento das ideias” ao crescente discurso de defesa à forte intervenção estatal para combater uma certa “doutrinação ideológica” na área da educação, observado nos últimos anos no Brasil. Tais movimentos partem do pressuposto de que as escolas brasileiras, especialmente as públicas, praticam essa “doutrinação ideológica” e, por isso, seriam necessárias medidas estatais de fiscalização e proibição de expressão de opiniões – tidas como impróprias – por parte de professores e professoras.
Segundo André de Carvalho Ramos, o crescimento desses discursos acabam por acarretar um “efeito inibidor” (“chilling effect” ou “efeito resfriador”), assim chamado pois inibe os professores, alunos e outros profissionais (seja da educação ou não) de expressar suas próprias ideias e opiniões por medo de punições e represálias.
Esse monitoramento das ideias, defendido por alguns, em nossa opinião, fere a liberdade de ensino e o pluralismo de ideias assegurados pela própria Constituição Federal, caracterizando, desse modo, uma forma de censura.
O ambiente escolar deve ser um espaço livre e seguro, onde se possa ter contato e conviver com diferentes ideias, crenças e posições. Experienciar a diversidade e aprender a dialogar é o que faz o período escolar ser um momento de crescimento intelectual e social, extremamente rico para todos os envolvidos.
Por isso, um dos pilares básicos do trabalho do Instituto Aurora é justamente a educação. Acreditamos que a educação, especialmente a educação em Direitos Humanos, é capaz de mudar o mundo e isso só será feito por meio da inserção desse tema no ensino brasileiro, de forma a promover o diálogo, defender a diversidade e prezar pela pluralidade de ideias.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. Editora Saraiva, 8ª Edição, 2021, fl. 735.
HC 82.424, rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Correa, j. 17.09.2003, Plenário, Dj de 19.03.2003.