A presença da literatura no cotidiano de jovens e adultos que estão em conflito com a lei permite não apenas a remição de pena: ela também amplia visões de mundo

Por Ana Carolina Maoski, para o Instituto Aurora

(Foto: Barbara Vanzo)

A literatura e a leitura estão associadas à promoção dos direitos humanos de diferentes maneiras. Apresentar novos mundos e diferentes perspectivas aos leitores e leitoras é uma forma de ampliar as possibilidades de reconhecimento de si e do outro, permitir a compreensão das diferenças e ofertar recursos para que inúmeros temas sejam trabalhados de forma didática.

Taystee e Poussey da série Orange is the new black na biblioteca
Na série da Netflix, Orange is The New Black, que se passa na prisão feminina federal de Litchfield, o espaço da biblioteca tem papel fundamental no desenvolvimento dos arcos narrativos das personagens Taystee e Poussey. Imagem: divulgação.

Além das possibilidades de remição de pena, levar os livros para o sistema prisional e inserir o universo da leitura no cotidiano de jovens e adultos que estão em conflito com a lei, permite que novos mundos sejam construídos em um universo que impõe uma série de limitações aos indivíduos. 

Nós do Instituto Aurora acreditamos que a literatura é um direito humano fundamental, e que a educação em direitos humanos passa pelo acesso aos livros e à leitura. Nesse sentido, compartilhamos da perspectiva do intelectual Antonio Candido, para quem a literatura simboliza a reivindicação de outros direitos básicos, como o da educação de qualidade. Nós nos aprofundamos mais sobre isso no artigo Literatura como direito humano: você já pensou nessa relação?

O que vamos abordar neste artigo:

Publicado em 18/06/2021.

A leitura no sistema prisional

Aqui no Brasil, desde 2011, a educação, além do trabalho, passou a ser considerada como critério para a diminuição dos dias de condenação de pessoas em conflito com a lei. 

No início de maio de 2021, uma nova resolução relacionada à Lei de Execução Penal (7.210/84) regulamentou a inclusão da leitura como uma atividade educacional que também concede o benefício de remição penal em todo o território brasileiro. Contudo, os benefícios do consumo de literatura no ambiente prisional ultrapassam a diminuição do período de encarceramento. 

Na sua dissertação de Mestrado intitulada “Palavras da salvação: as representações da leitura na prisão”, a Profa. Valquíria Michela John, docente do curso de comunicação da UFPR, indica que a leitura no sistema prisional permite a ressocialização dos indivíduos

Isso acontece no momento que a leitura possibilita, nas palavras dos entrevistados da pesquisa, a “abertura de mentes”. O aspecto positivo da prática resulta na liberdade de pensamento, bem como na própria liberação da prisão. 

A leitura, nas palavras da Profa. Valquíria, permite a ressocialização “no sentido de que uma vez leitor, nunca mais se é o mesmo, mudamos a cada nova leitura e assim estamos num processo de contínua transformação e aprendizagem. A leitura abre portas antes jamais imaginadas e cada texto, cada livro, cada leitura vão despertando em nós a vontade de vislumbrar novos horizontes e nada mais é capaz de nos aprisionar” (JOHN, 2004, p. 113).

Ela também destaca que “para avaliar qualquer possibilidade educativa ou ressocializadora da leitura é necessário, antes de mais nada, a existência de bibliotecas e outras ações envolvendo tal prática” (JOHN, 2004, p. 111) nos locais em que as penas são cumpridas. 

A atuação do Instituto Aurora no sistema prisional

Nesse sentido, o Instituto Aurora atua em diversas frentes, estimulando a leitura nesses espaços através de rodas de leitura e também por meio do projeto Biblioteca Mais Plural

As rodas de leitura realizadas com populações em situação de vulnerabilidade têm como objetivo permitir o diálogo sobre identidade, preconceitos e outras questões sociais. Na experiência do Instituto Aurora, realizada no Cense Joana Richa, essa ação permitiu com que adolescentes se identificassem com situações que apareciam em contos de Marina Colasanti e poesias de Rupi Kaur, duas autoras lidas nos encontros. Desta forma, as jovens conseguiram entrar em contato com seus sentimentos e também perceberam situações de violência sofridas no passado, refletindo para evitar que elas aconteçam novamente.

Em 2021, o Instituto Aurora também realizou rodas de leitura no Centro de Integração Social (CIS) de Piraquara. Os encontros foram pautados em contos do livro “Redemoinho em dia quente”, de Jarid Arraes, discutindo assuntos como papel social da mulher, relacionamentos abusivos e competências. Ao final da atividade, as participantes também foram convidadas a pensar em seus futuros.

Cabe destacar que nosso papel também está associado a oferta de leituras diversificadas, que transitem em diferentes eixos e tragam visões de mundo plurais, a partir de escritores negros, escritoras mulheres, narrativas da Ásia, do Oriente Médio, etc. Acreditamos que através da leitura podemos garantir e promover a educação em direitos humanos.

Acompanhe nosso blog para saber mais sobre este e outros assuntos relacionados à educação em direitos humanos!

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Algumas referências que usamos nesse texto:

Palavras da salvação: as representações da leitura na prisão. Disponível em: repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/87436. Acesso em: 05 de maio de 2021.


CNJ regulamenta remição de pena por estudo e leitura na prisão. Disponível em: conjur.com.br/2021-mai-05/cnj-regulamenta-remicao-pena-estudo-leitura-prisao. Acesso em: 05 de maio de 2021. 

Pontes ou muros: o que você têm construído?
Em um mundo de desconstrução, sejamos construtores. Essa ideia foi determinante para o surgimento do Instituto Aurora e por isso compartilhamos essa mensagem. Em uma mescla de história de vida e interação com o grupo, são apresentados os princípios da comunicação não-violenta e da possibilidade de sermos empáticos, culminando em um ato simbólico de uma construção coletiva.
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Quem é você na Década da Ação?
Sabemos que precisamos agir no presente para viver em um mundo melhor amanhã. Mas, afinal, o que é esse mundo melhor? É possível construí-lo? Quem fará isso? De forma dinâmica e interativa, os participantes serão instigados a pensar em seu sistema de crenças e a vivenciarem o conceito de justiça social. Cada pessoa poderá reconhecer suas potencialidades e assumir a sua autorresponsabilidade.
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A vitória é de quem?
Nessa palestra permeada pela visão de mundo delas, proporcionamos um espaço para dissipar o medo sobre palavras como: feminismo, empoderamento feminino e igualdade de gênero. Nosso objetivo é mostrar o quanto esses termos estão associados a grandes avanços que tivemos e ainda podemos ter - em um mundo em que todas as pessoas ganhem.
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Liberdade de pensamento: você tem?
As projeções para o século XXI apontam para o exponencial crescimento da inteligência artificial e da sua presença em nosso dia a dia. Você já se perguntou o que as máquinas têm aprendido sobre a humanidade e a vida em sociedade? E como isso volta para nós, impactando a forma como lemos o mundo? É tempo de discutir que tipo de dados têm servido de alimento para os robôs porque isso já tem influenciado o futuro que estamos construindo.
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Formações customizadas
Nossas formações abordam temas relacionados à compreensão de direitos humanos de forma interdisciplinar, aplicada ao dia a dia das pessoas - sejam elas de quaisquer áreas de atuação - e ajustadas às necessidades de quem opta por esse serviço.
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Consultoria em promoção de diversidade
Temos percebido um movimento positivo de criação de comitês de diversidade nas instituições. Com a consultoria, podemos traçar juntos a criação desses espaços de diálogo e definir estratégias de como fortalecer uma cultura de garantia de direitos humanos.
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Minha empresa quer doar

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    Depoimento de professora de Campo Largo
    Em 2022, nosso colégio foi ameaçado de massacre. Funcionárias acharam papel em que estava escrito o dia e a hora que seria o massacre (08/11 às 11h). Também tinha recado na porta interna dos banheiros feminino e masculino. Como gestoras, fizemos o boletim de ocorrência na delegacia e comunicamos o núcleo de educação. A partir desta ação, todos as outras foram coordenadas pela polícia e pelo núcleo. No ambiente escolar gerou um pânico. Alunos começaram a ter diariamente ataque de ansiedade e pânico. Muitos pais já não enviavam os filhos para o colégio. Outros pais da comunidade organizaram grupos paralelos no whatsapp, disseminado mais terror e sugestões de ações que nós deveríamos tomar. Recebemos esporadicamente a ronda da polícia, que adentrava no colégio e fazia uma caminhada e, em seguida, saía. Foram dias de horror. No dia da ameaça, a guarda municipal fez campana no portão de entrada e tivemos apenas 56 alunos durante os turnos da manhã e tarde. Somente um professor não compareceu por motivos psicológicos. Nenhum funcionário faltou. Destacamos que o bilhete foi encontrado no banheiro, na segunda-feira, dia 31 de outubro de 2022, após o segundo turno eleitoral. Com isto, muitos estavam associando o bilhete com caráter político. A polícia descartou essa possibilidade. Enfim, no dia 08, não tivemos nenhuma ocorrência. A semana seguinte foi mais tranquila. E assim seguimos. Contudo, esse é mais um trauma na carreira para ser suportado, sem nenhum olhar de atenção e de cuidado das autoridades. Apenas acrescentamos outras ameaças (as demandas pedagógicas) e outros medos.
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