A educação sexual nas escolas é um tema que deve ser tratado com seriedade e responsabilidade, pois é uma das principais ferramentas no combate e prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Por Sergio Aiache, para o Instituto Aurora
(Foto: Pillar Pedreira / Agência Senado. CC BY 2.0)
O assunto educação sexual nas escolas vem sendo discutido com mais frequência nos últimos anos.
As discussões ficaram mais acirradas devido ao embate ideológico entre “esquerda” e “direita”, que tomou conta do nosso país.
O fato é que a questão hoje ultrapassa o campo educacional e está sendo muito discutida no campo político, isso porque a educação sexual para crianças e adolescentes é vista como um tabu para grande parte dos brasileiros.
O assunto muitas vezes é tratado de maneira superficial, com argumentos vazios, não comprovados e até desonestos.
É nítido ver que as argumentações e informações sobre o tema não são tratadas com a devida transparência. Falta diálogo claro, sério e responsável, pois esse é o único caminho possível para discutirmos esse assunto.
A educação sexual para crianças e adolescentes envolve o legado que queremos deixar como sociedade e o futuro que queremos construir.
Não podemos aceitar abordagens equivocadas e manipulativas que têm objetivo de causar pânico moral nas pessoas, como aconteceu nas eleições brasileiras de 2018 sob a fake news do “kit gay”.
Pensando nisso, preparamos esse artigo para explicar o que é educação sexual, quais são os objetivos e porque é importante falarmos com seriedade e responsabilidade sobre o assunto.
Publicado em 07/06/2023.
O que é educação sexual?
É importante explicarmos, logo no início, que educação sexual não tem nada a ver com ensinar sexo para crianças.
É o processo que ensina o valor e o respeito ao próprio corpo e ao corpo de terceiros, reconhecendo que a sexualidade deve ser tratada de modo pedagógico.
Mas você pode estar se perguntando: “por que temos que falar sobre sexualidade para crianças e adolescentes?”
A verdade é que a sexualidade está presente em todas as pessoas. Todos nós vivemos e crescemos desenvolvendo nossa sexualidade e isso não acontece somente na fase adulta.
Pelo contrário, o crescimento e amadurecimento do corpo acontece desde a infância.
Se na fase adulta nós temos conhecimento e valores sobre a nossa sexualidade, certamente eles não nasceram com a gente, mas foram apreendidos de acordo com o ambiente que vivemos e as experiências que vivenciamos.
A sexualidade é apenas um aspecto do nosso desenvolvimento humano. Assim como o desenvolvimento intelectual e físico, a sexualidade precisa ser desenvolvida de maneira adequada, e é nesse ponto que entra a educação sexual.
A sexualidade envolve diversos aspectos da nossa vida, como por exemplo, questões emocionais, sensações corpóreas, razão, afeto, amizade, gênero.
Consegue enxergar que não estamos falando apenas de sexo? A relação sexual faz parte da sexualidade? Sim, mas vai muito além disso.
Ela é uma maneira de ensinar crianças e adolescentes a conhecerem e respeitarem seus corpos, além de permitir que saibam estabelecer limites, o que é essencial para o combate ao abuso sexual.
Então, se você ouvir falar que educação sexual é ensinar sobre sexo ou erotizar crianças e adolescentes, saiba que isso é um grande equívoco.
O que se aprende com educação sexual?
A educação sexual responsável visa cuidar e proteger crianças e adolescentes, por isso ela:
- Cria diálogos sobre sentimentos e emoções;
- Fala sobre o corpo;
- Ajuda no desenvolvimento da autoestima e do autocuidado;
- Ensina sobre o que são partes íntimas e que ninguém pode tocá-las;
- Ensina a diferença entre toques de afeto e toques abusivos;
- Orienta sobre como pedir ajuda em casos de abuso;
- Compreende os comportamentos sexuais de todas as crianças;
- Valoriza qualquer pergunta ou curiosidade sobre a sexualidade;
- Não pune ou repreende de modo generalizado por causa de alguma manifestação sexual da criança ou adolescente;
- Cria diálogos e orienta sem nenhuma influência pessoal ou valor religioso.
Esse tipo de conhecimento durante a infância é essencial para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, diminuindo a ansiedade em relação a descoberta dos seus corpos e também prevenindo situações de violência sexual.
Então, qual é o principal objetivo da educação sexual nas escolas?
É aumentar a proteção das crianças e adolescentes trazendo conhecimento que vai auxiliar no desenvolvimento saudável da sexualidade.
Para proteger as crianças e adolescentes de abusos sexuais, devemos assumir que a educação sexual é um assunto pedagógico, sendo de responsabilidade não só dos pais, mas também da escola.
Ou seja, a educação sexual nas escolas visa deixar as crianças bem informadas sobre os diversos aspectos relacionados à sexualidade, para:
- Protegê-las de possíveis abusos sexuais;
- Ensiná-las a não produzirem comportamentos discriminatórios e de violência;
- Protegê-las contra a necessidade de corresponderem a padrões estéticos;
- Ajudá-las a lidar melhor com o desenvolvimento do seu corpo;
- Ensiná-las autoestima e autocuidado.
A educação sexual para crianças e adolescentes não pode ser omissa, silenciosa, conservadora. Ela deve ser intencional, planejada e organizada.
É imprescindível o diálogo e esclarecimento sobre a sexualidade, criando conversas estratégicas e facilitadoras com educadoras e educadores que saibam falar, mas também ouvir.
O papel da educação no combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes
A atual realidade do Brasil quando o assunto é prevenção de crimes sexuais por meio da educação é preocupante.
Em geral, as escolas brasileiras não têm educação sexual como disciplina, muitas vezes nem com pequenos conteúdos em palestras ou ações educativas interdisciplinares.
Ouvimos muitas pessoas falarem que essa é uma responsabilidade dos pais, que deve acontecer dentro de casa. Mas a realidade é que a grande maioria das famílias nem toca no assunto sexualidade com seus filhos.
Como se isso não bastasse, segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direito Humanos, o Brasil registra 673 casos de violência contra crianças de até 6 anos, por dia.
84% dessas agressões são causadas por familiares próximos, como pai, tio, padrasto, madrasta, avós. E estamos falando apenas da primeira infância, que vai até os 6 anos.
E como resolvemos isso? Uma das principais ferramentas para a prevenção e o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes é a educação sexual nas escolas.
Imagine se as escolas passassem a promover assistência, ações, palestras e aulas sobre educação sexual?
Lembra do que falamos sobre o que se aprende com educação sexual? Ela fala sobre o corpo, ensina quem pode tocá-lo, orienta as crianças em como se proteger e pedir ajuda.
Isso certamente traria mais consciência para as famílias e a comunidade no geral, além de aumentar a prevenção e combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, concorda?
Cabe aos pais e mães, mas também aos educadores e educadoras ensinar as crianças e adolescentes sobre as questões do desenvolvimento da sexualidade.
É comum as crianças, por volta dos 3 anos, começarem a questionar os adultos sobre seu corpo. Por isso, proporcionar um aprendizado intencional, educativo e planejado, é o melhor caminho para prevenção e combate aos crimes sexuais.
Só a partir da educação sexual a criança e o adolescente tem a oportunidade de desenvolver e aprender sobre autocuidado, sendo capaz de perceber e pedir ajuda caso seja vítima de algum tipo de assédio.
Os abusos sexuais contra crianças e adolescentes são crimes que vem crescendo no Brasil, por isso nós devemos ser capazes de falar sobre esse assunto e saber que a educação sexual nas escolas é muito importante para o combate desses crimes.
Não devemos nos deixar levar por falácias, argumentos manipulativos e desonestos.
Se o seu objetivo é o mesmo que o nosso, ou seja, o combate ao abuso e à exploração sexual contra crianças e adolescentes, saiba que a educação nas escolas é essencial para isso.
Algumas atitudes práticas para contribuirmos com o tema são: não espalhar inverdades pela internet e nem deixar ninguém falar que o assunto sexualidade nas escolas é ensinar sobre sexo, erotizar as crianças ou mostrar pornografias.
Essas mentiras não protegem nossas crianças e não ajudam no combate e prevenção ao abuso sexual.
Vamos juntas e juntos nessa luta? Lembre-se: a educação sexual informa e protege crianças e adolescentes!
O Instituto Aurora tem como missão promover e defender a Educação em Direitos Humanos, e nossas ações estão alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Saiba mais sobre nossa atuação nas áreas de educação plural e igualdade de gênero.
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Algumas referências que usamos na elaboração deste artigo:
UNESCO. Orientações técnicas de educação em sexualidade para o cenário brasileiro: tópicos e objetivos de aprendizagem. Brasília, 2014.
UNICEF. Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. 2021.