A violência armada é uma realidade na sociedade brasileira. O Estatuto do Desarmamento surgiu com a intenção de diminuir o número de mortes por armas de fogo no país. Quase 20 anos após a sua criação, como está o debate atual em torno do desarmamento?

Por Ana Carolina Rahal Augusto, para o Instituto Aurora

A violência na sociedade brasileira, principalmente a violência armada, não é assunto recente. Lidamos com esse problema há mais de décadas e nem de perto conseguimos resolver.

O Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03), quando promulgado, trouxe  uma discussão sobre o controle do acesso às armas de fogo que a população civil possuía. O aumento de assaltos à mão armada, homicídios, tiroteios, foram ficando cada vez mais insustentáveis.

Quase 20 anos após a sua criação, precisamos refletir sobre como a Lei segue sendo importante, e sobre a situação atual da violência no Brasil.

O que diz o Estatuto do Desarmamento

O Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03), entrou em vigor no ano de 2004, instituindo o Sistema Nacional de Registro de Armas (SINARM). Ele engloba a  regulação do porte e da posse das armas, além da sua comercialização, produção e controle das fronteiras. 

Antes do Estatuto não existia no Brasil uma política de restrição ao uso das armas de fogo.  A maior parte dos crimes cometidos, quase 80%, faziam uso das armas, o que fez com que a falta de regulamentação se tornasse algo cada vez mais preocupante. 

Com o Estatuto do Desarmamento, tivemos normas mais rigorosas centralizadas na emissão dos registros de armas na mão da Polícia Federal, o que facilitou o rastreamento e a solução de crimes. Outro pronto importante é que ficou muito mais fácil a tipificação do crime de tráfico ilegal de armas. 

Era-se desejado proibir até mesmo a comercialização de armas de fogo em território nacional, o que consta no artigo 35 da própria lei. Em seus parágrafos, esta proibição estava subordinada à realização de um referendo popular:

Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.

§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

§ 2º Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral. (BRASIL, 2003, online)

O referendo nacional de 2005 foi aprovado e possuía a seguinte questão: “O comércio de armas de fogo e munição deverá ser proibido no Brasil?”. A votação foi no sentido de manter a legalidade do comércio de armas de fogo, com 63,94% da população declarando oposição à proibição.

Ainda que o resultado do referendo tenha demonstrado que a população era favorável à legalização do comércio de armas e munições, o território nacional é um dos países com a restrição mais severa ao registro, ao comércio, à posse e ao porte de armas de fogo.

Por que foi criado o Estatuto do Desarmamento e qual a sua importância?

Evidenciamos que o Estatuto do Desarmamento surgiu em decorrência do aumento de violência no Brasil devido a armas de fogo.

Assim, a criação do Estatuto surgiu com a intenção de diminuir os elevados números de mortes por arma de fogo no Brasil. A UNESCO realizou um estudo em 2005 que revelava que entre 1993 e 2003, no Brasil, havia uma taxa de morte anual mais elevada que muitos conflitos armados mundo afora. 

Então, a lei do desarmamento surgiu no país com a ideia de que se tivéssemos menos circulação de armas de fogo, menos homicídios e acidentes teríamos.

Com a necessidade de uma política pública efetiva para o controle e redução de criminalidade, o Estatuto reduziu os portes por armas de fogo. 

Quais mudanças o Estatuto do Desarmamento já passou e ainda pode passar?

Desde a promulgação do Estatuto do Desarmamento, já foram realizadas alterações de mais de vinte pontos. As mudanças ocorreram para  flexibilizar as normas que restringiam e regulavam o porte e a posse de armas no país.

A modificação que aconteceu com a lei 10.884/2004 foi a possibilidade do detentor de porte manter a arma de fogo na sua residência e no local de trabalho.

Houve também a modificação em relação à posse de armas para residentes em áreas rurais, que definiu quais tipos de armas e também quais documentos são necessários para a posse de armas.

A Lei 11.706/08 alterou de maneira considerável o Estatuto do Desarmamento, determinando a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, e de não responder a inquérito policial ou a processo criminal, para proprietários de armas de fogo.

O interessado em obter o porte de arma tem de comprovar a sua residência fixa e identificação pessoal, além de providenciar o  registro em âmbito federal.

Também passou a isentar do pagamento das taxas previstas no artigo às instituições e às pessoas integrantes das Forças Armadas, os policiais, as guardas municipais e os guardas prisionais, entre outros agentes.

Outra mudança é que, se o possuidor e proprietário de arma de fogo que fosse irregular, entregasse espontaneamente e fosse percebida a boa-fé, ele receberia uma indenização, extinguindo a punibilidade.

Mais uma mudança importante foi a possibilidade de doação de armamentos apreendidos para as forças de segurança do Brasil.

No atual governo, tivemos algumas mudanças  para desburocratizar e ampliar o acesso a armas de fogo e munições no país.

O Decreto 9.846/2019 permite que atiradores possam adquirir até 60 armas e caçadores, até 30, e  somente é necessária a autorização do Exército se forem ultrapassadas essas quantidades.

As munições foram elevadas por essas categorias, e passam a ser 2.000 para armas de uso restrito e 5.000 para armas de uso permitido.

Também está garantido aos caçadores, atiradores e colecionadores, o transporte de armas, utilizadas em  competições, exposições e treinamentos, por qualquer itinerário entre o local em que está a arma e o local em que irá realizar o evento. 

O  Decreto 9.847/2019 regulamenta que o profissionais que possuem armas registradas no Exército possam usá-las nos testes em que são necessárias, quando da emissão de laudos de capacidade técnica.

Esse decreto também trouxe uma nova análise para o pedido de concessão de porte de armas, “cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias fáticas do caso, as atividades exercidas e os critérios pessoais descritos pelo requerente, sobretudo aqueles que demonstrem risco à sua vida ou integridade física, e justificar eventual indeferimento”.

A atualização do  Decreto 10.030/2019 dispensou a necessidade de registro no Exército para o comércio de armas de pressão (armas de chumbinho, entre outras). A Receita Federal, atiradores, caçadores e colecionadores podem solicitar autorização para importarem  munição e armas de fogo, e foi regulamentado a atividade dos praticantes de tiro recreativo. 

Da mesma maneira, o Exército possui a competência para regulamentar  a coleção de armas semi automáticas  e as automáticas, de uso restrito que possuam mais de 40 anos de fabricação.

Nas mudanças que podem ocorrer no em relação ao Estatuto do Desarmamento, temos o projeto de lei 3.722/2012 do Deputado Federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). O projeto revogaria o Estatuto do Desarmamento e assim teríamos o   Estatuto de Controle de Arma de Fogo,  tornando mais fácil a compra e venda de munições e armas de fogo.

Entre as alterações, estaria a posse de arma como “um direito assegurado a qualquer cidadão apto e sem antecedentes criminais”, sem que a posse de arma fosse condicionada à aprovação da Política Federal; o registro de armas não teria expiração, em contraste com a validade de 3 anos atual; a publicidade de armas não teria restrição; entre outros.

No entanto, para o projeto virar uma lei é necessário que a  Câmara dos Deputados e o Senado Federal votem a matéria em plenário.

O Dia Internacional do Desarmamento

O Dia Internacional do Desarmamento  foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2001, e nos alerta para um dos temas centrais para a redução da violência.

Segundo dados, possuímos mais de 1 bilhão de armas de fogo espalhadas pelo mundo. No Brasil, o país em que mais se mata utilizando arma de fogo, o número de mortes violentas por ano é de mais de 50 mil. 

Diante da violência em decorrência da arma de fogo, é necessário que se crie um dia para refletirmos sobre as possíveis mudanças que devem ser feitas para erradicarmos essas mortes. 

Não é possível considerarmos que armas trariam uma proteção às pessoas e que seriam instrumentos que garantiriam a segurança pessoal. 

“É bom lembrar que os estudos mostram que em um país de relações violentas como o Brasil, armas são catalizadores do efeito morte, escalonando situações do dia a dia em direção a desfechos fatais.”

Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

A importância da Educação em Direitos Humanos para debater a questão do desarmamento

A Educação  em Direitos Humanos pode transformar a sociedade, trazendo reflexões que estimulam a busca por políticas públicas eficientes, promovendo paz e cidadania, podendo daí  começar a pensar na erradicação da violência.

É essencial uma Educação em Direitos Humanos para que tenhamos base na dignidade da pessoa humana, promovendo assim a justiça, igualdade, solidariedade e paz.

O Instituto Aurora é comprometido com projetos sociais que buscam a prevenção de violências e a quebra de ciclos de violência, por meio de ações educativas. Conheça os nossos projetos que promovem uma cultura de paz.

Algumas referências que usamos neste artigo:

Benevides, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata?

Chiareloto, Murilo Fereira. Alterações no estatuto do desarmamento.

Wittmann, Cristian Ricardo. O desarmamento como meio de defesa dos direitos humanos: uma perspectiva kantiana.

Silva, Sílvio Henry da. O ESTATUTO DO DESARMAMENTO E A SUA (RE)DISCUSSÃO. Santa Maria, 2015.

Pontes ou muros: o que você têm construído?
Em um mundo de desconstrução, sejamos construtores. Essa ideia foi determinante para o surgimento do Instituto Aurora e por isso compartilhamos essa mensagem. Em uma mescla de história de vida e interação com o grupo, são apresentados os princípios da comunicação não-violenta e da possibilidade de sermos empáticos, culminando em um ato simbólico de uma construção coletiva.
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Quem é você na Década da Ação?
Sabemos que precisamos agir no presente para viver em um mundo melhor amanhã. Mas, afinal, o que é esse mundo melhor? É possível construí-lo? Quem fará isso? De forma dinâmica e interativa, os participantes serão instigados a pensar em seu sistema de crenças e a vivenciarem o conceito de justiça social. Cada pessoa poderá reconhecer suas potencialidades e assumir a sua autorresponsabilidade.
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A vitória é de quem?
Nessa palestra permeada pela visão de mundo delas, proporcionamos um espaço para dissipar o medo sobre palavras como: feminismo, empoderamento feminino e igualdade de gênero. Nosso objetivo é mostrar o quanto esses termos estão associados a grandes avanços que tivemos e ainda podemos ter - em um mundo em que todas as pessoas ganhem.
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Liberdade de pensamento: você tem?
As projeções para o século XXI apontam para o exponencial crescimento da inteligência artificial e da sua presença em nosso dia a dia. Você já se perguntou o que as máquinas têm aprendido sobre a humanidade e a vida em sociedade? E como isso volta para nós, impactando a forma como lemos o mundo? É tempo de discutir que tipo de dados têm servido de alimento para os robôs porque isso já tem influenciado o futuro que estamos construindo.
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Formações customizadas
Nossas formações abordam temas relacionados à compreensão de direitos humanos de forma interdisciplinar, aplicada ao dia a dia das pessoas - sejam elas de quaisquer áreas de atuação - e ajustadas às necessidades de quem opta por esse serviço.
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Consultoria em promoção de diversidade
Temos percebido um movimento positivo de criação de comitês de diversidade nas instituições. Com a consultoria, podemos traçar juntos a criação desses espaços de diálogo e definir estratégias de como fortalecer uma cultura de garantia de direitos humanos.
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Minha empresa quer doar

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    Depoimento de professora de Campo Largo
    Em 2022, nosso colégio foi ameaçado de massacre. Funcionárias acharam papel em que estava escrito o dia e a hora que seria o massacre (08/11 às 11h). Também tinha recado na porta interna dos banheiros feminino e masculino. Como gestoras, fizemos o boletim de ocorrência na delegacia e comunicamos o núcleo de educação. A partir desta ação, todos as outras foram coordenadas pela polícia e pelo núcleo. No ambiente escolar gerou um pânico. Alunos começaram a ter diariamente ataque de ansiedade e pânico. Muitos pais já não enviavam os filhos para o colégio. Outros pais da comunidade organizaram grupos paralelos no whatsapp, disseminado mais terror e sugestões de ações que nós deveríamos tomar. Recebemos esporadicamente a ronda da polícia, que adentrava no colégio e fazia uma caminhada e, em seguida, saía. Foram dias de horror. No dia da ameaça, a guarda municipal fez campana no portão de entrada e tivemos apenas 56 alunos durante os turnos da manhã e tarde. Somente um professor não compareceu por motivos psicológicos. Nenhum funcionário faltou. Destacamos que o bilhete foi encontrado no banheiro, na segunda-feira, dia 31 de outubro de 2022, após o segundo turno eleitoral. Com isto, muitos estavam associando o bilhete com caráter político. A polícia descartou essa possibilidade. Enfim, no dia 08, não tivemos nenhuma ocorrência. A semana seguinte foi mais tranquila. E assim seguimos. Contudo, esse é mais um trauma na carreira para ser suportado, sem nenhum olhar de atenção e de cuidado das autoridades. Apenas acrescentamos outras ameaças (as demandas pedagógicas) e outros medos.
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