A limitação está na mente e a deficiência no espaço. Como o Estatuto da Pessoa com Deficiência contribui para a inclusão social?

Por Felipe Pinheiro, para o Instituto Aurora

(Foto: Jana Rizziolli)

Em outra época identificadas como pessoas “deficientes”, o tratamento conferido ao longo de décadas às pessoas com deficiência esteve longe de ser adequado ao patamar civilizatório digno de uma sociedade evoluída. 

Qualificar alguém como “deficiente” ou “portador de necessidades especiais” transmite a equivocada noção de incompletude, defeito, limitação, e contribui para o capacitismo, forma estrutural de discriminação de pessoas com deficiência fundada na idealização de um corpo “normal”. Esse conjunto de crenças limitantes agrava o preconceito e a exclusão social da pessoa com deficiência, além de ter como consequência a subestimação de suas capacidades e aptidões.

Assim como qualquer outro indivíduo, a completude da pessoa com deficiência está em seu próprio ser. Ela é, enquanto pessoa com deficiência. Ora, nada do que é externo ao ser humano pode valer mais do que aquilo que nos é interno, aquilo que nos é comum e que, estranhamente, nos faz únicos e insubstituíveis.

A deficiência não é “portada”; a deficiência não é limitante. A limitação está na mente e a deficiência no espaço.

Nesse artigo nós vamos conferir o que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência tem a dizer sobre isso.

O que vamos abordar neste artigo:

Publicado em 20/09/2023.

Qual a importância da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência?

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, entrou em vigor em janeiro de 2016. Para a elaboração e aprovação dessa lei, a Emenda Constitucional 45/2004 foi fundamental, na medida em que permitiu que instrumentos internacionais de Direitos Humanos fossem incorporados ao sistema jurídico brasileiro com o mesmo status das normas da nossa Constituição.

Diante dessa novidade, o Brasil aprovou, em 2009, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento internacional que redefiniu o tratamento conferido às pessoas com deficiência. Antes identificadas como “deficientes”, ou “portadoras de necessidades especiais”, a Convenção adotou o conceito inovador de “pessoa com deficiência”.

Apesar de parecer irrelevante, o novo conceito adotado pela ONU transformou o modelo médico até então adotado no Brasil em um modelo social de direitos humanos. Se antes a pessoa com deficiência era assim definida a partir da realização de uma simples bateria de exames médicos, a releitura atual propõe que o ambiente em que a pessoa vive que é, na realidade, responsável por sua situação de deficiência.

Portanto, por esse novo e moderno sistema, não basta um exame médico de aptidão física e psíquica para assinalar a deficiência. É preciso analisar o contexto social e as condições de onde a pessoa vive para, a partir disso, verificar quais potenciais dificuldades aquele espaço irá lhe criar.

Diante desse novo panorama constitucional, havia necessidade de ajustar a legislação brasileira e entender como o novo regramento seria incorporado na realidade jurídica do país. Foi para isso que o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi criado.

O que diz a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência?

Como vimos, o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi elaborado diante da necessidade de redesenhar o sistema jurídico brasileiro para ajustá-lo às novas determinações em relação ao tratamento da pessoa com deficiência trazidas pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Por se tratar de uma norma de força constitucional, portanto, da mais alta hierarquia, diversas outras leis precisaram ser alteradas.

A criação de uma lei nesse sentido foi necessária para aplicar de forma mais direta e objetiva as novas resoluções constitucionais de natureza mais genérica ou principiológica (que fixa diretrizes para demais leis relacionadas).

Em seus mais de 120 artigos, diversos temas são abordados. Dentre eles:

A capacidade civil – aptidão da pessoa para exercer os direitos e obrigações previstos em lei – foi ajustada de forma que a pessoa com deficiência agora pode casar e exercer outros direitos civis em igualdade de condições com as demais pessoas, bem como lhes foi conferida a possibilidade de tomar algumas decisões da vida civil de forma apoiada (mediante auxílio).

Proteção contra discriminação, abandono ou exclusão, mediante aplicação de pena que pode chegar até 5 anos de reclusão.

Maior participação em atividades esportivas, com aumento do percentual de distribuição da arrecadação em loterias federais para financiamento e incentivo de esportes de paratletas.

Atendimento prioritário em diversos serviços públicos, além daqueles já previstos em bancos e supermercados.

Inclusão no ambiente de trabalho, mediante a destinação de 2 a 5% das vagas em empresas com mais de 100 empregados a pessoas com deficiência.

Essas, dentre outras medidas previstas na Lei, têm papel importantíssimo na inclusão da pessoa com deficiência.

Como o Estatuto da pessoa com deficiência se conecta ao ODS 10?

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 10 da ONU tem como finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação por meio da inclusão social, política e econômica de todas as pessoas. Dentre as metas elencadas está o empoderamento de grupos marginalizados por meio de políticas e regulamentações que lhes garantam espaço e condições para que possam exercer seus direitos em igualdade de condições com todas as demais pessoas.

Esse objetivo é absolutamente compatível com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que, conforme seu artigo 1º, é “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

Trata-se, portanto, de uma medida fundamental para dar eficácia ao princípio da igualdade, mandamento constitucional que exige o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades.

Como a educação em direitos humanos pode contribuir para a inclusão da pessoa com deficiência?

A educação em direitos humanos é uma educação em valores que visa transmitir princípios humanísticos de solidariedade, inclusão social e paz. Pessoas educadas em valores são capazes de compreender a importância da cooperação e da solidariedade na construção de uma sociedade mais justa, além de assumirem protagonismo na concretização desses objetivos.

Em relação à inclusão da pessoa com deficiência, não há motivo que justifique racionalmente a exclusão social de quem é diferente de nós. Afinal, a variabilidade é requisito elementar para o início de todo e qualquer processo evolutivo.

Entender seu papel na sociedade e assumir responsabilidade por sua condição é o primeiro passo para a transformação social. Comprometer-se com essa ideia é uma virtude. A educação em valores é fundamental para desenvolver a maturidade individual e social de todas as pessoas.

O Instituto Aurora tem como missão promover e defender a Educação em Direitos Humanos. Saiba mais sobre a nossa visão para a questão de redução de desigualdades.

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Algumas referências que usamos neste artigo:

ARAUJO, Luiz Alberto David. Direito das pessoas com deficiência. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

Constituição Federal.

Pontes ou muros: o que você têm construído?
Em um mundo de desconstrução, sejamos construtores. Essa ideia foi determinante para o surgimento do Instituto Aurora e por isso compartilhamos essa mensagem. Em uma mescla de história de vida e interação com o grupo, são apresentados os princípios da comunicação não-violenta e da possibilidade de sermos empáticos, culminando em um ato simbólico de uma construção coletiva.
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Quem é você na Década da Ação?
Sabemos que precisamos agir no presente para viver em um mundo melhor amanhã. Mas, afinal, o que é esse mundo melhor? É possível construí-lo? Quem fará isso? De forma dinâmica e interativa, os participantes serão instigados a pensar em seu sistema de crenças e a vivenciarem o conceito de justiça social. Cada pessoa poderá reconhecer suas potencialidades e assumir a sua autorresponsabilidade.
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A vitória é de quem?
Nessa palestra permeada pela visão de mundo delas, proporcionamos um espaço para dissipar o medo sobre palavras como: feminismo, empoderamento feminino e igualdade de gênero. Nosso objetivo é mostrar o quanto esses termos estão associados a grandes avanços que tivemos e ainda podemos ter - em um mundo em que todas as pessoas ganhem.
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Liberdade de pensamento: você tem?
As projeções para o século XXI apontam para o exponencial crescimento da inteligência artificial e da sua presença em nosso dia a dia. Você já se perguntou o que as máquinas têm aprendido sobre a humanidade e a vida em sociedade? E como isso volta para nós, impactando a forma como lemos o mundo? É tempo de discutir que tipo de dados têm servido de alimento para os robôs porque isso já tem influenciado o futuro que estamos construindo.
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Formações customizadas
Nossas formações abordam temas relacionados à compreensão de direitos humanos de forma interdisciplinar, aplicada ao dia a dia das pessoas - sejam elas de quaisquer áreas de atuação - e ajustadas às necessidades de quem opta por esse serviço.
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Consultoria em promoção de diversidade
Temos percebido um movimento positivo de criação de comitês de diversidade nas instituições. Com a consultoria, podemos traçar juntos a criação desses espaços de diálogo e definir estratégias de como fortalecer uma cultura de garantia de direitos humanos.
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Minha empresa quer doar

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    Depoimento de professora de Campo Largo
    Em 2022, nosso colégio foi ameaçado de massacre. Funcionárias acharam papel em que estava escrito o dia e a hora que seria o massacre (08/11 às 11h). Também tinha recado na porta interna dos banheiros feminino e masculino. Como gestoras, fizemos o boletim de ocorrência na delegacia e comunicamos o núcleo de educação. A partir desta ação, todos as outras foram coordenadas pela polícia e pelo núcleo. No ambiente escolar gerou um pânico. Alunos começaram a ter diariamente ataque de ansiedade e pânico. Muitos pais já não enviavam os filhos para o colégio. Outros pais da comunidade organizaram grupos paralelos no whatsapp, disseminado mais terror e sugestões de ações que nós deveríamos tomar. Recebemos esporadicamente a ronda da polícia, que adentrava no colégio e fazia uma caminhada e, em seguida, saía. Foram dias de horror. No dia da ameaça, a guarda municipal fez campana no portão de entrada e tivemos apenas 56 alunos durante os turnos da manhã e tarde. Somente um professor não compareceu por motivos psicológicos. Nenhum funcionário faltou. Destacamos que o bilhete foi encontrado no banheiro, na segunda-feira, dia 31 de outubro de 2022, após o segundo turno eleitoral. Com isto, muitos estavam associando o bilhete com caráter político. A polícia descartou essa possibilidade. Enfim, no dia 08, não tivemos nenhuma ocorrência. A semana seguinte foi mais tranquila. E assim seguimos. Contudo, esse é mais um trauma na carreira para ser suportado, sem nenhum olhar de atenção e de cuidado das autoridades. Apenas acrescentamos outras ameaças (as demandas pedagógicas) e outros medos.
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