Tanto a cerimônia de premiação quanto os filmes do Oscar 2022 apresentam temas que estão ligados a debates políticos e relacionados a Direitos Humanos. Neste artigo, abordamos alguns momentos da cerimônia e damos dicas de filmes que podem despertar reflexões e diálogos sobre assuntos atuais.
Por Gabriela Esmeraldino, para o Instituto Aurora
(Foto do filme “No ritmo do coração”)
No dia 27 de março, aconteceu a 94ª edição do Oscar. Além de uma premiação de audiovisual, o Oscar sempre vem repleto de debates políticos que estão reverberando no momento e que estão presentes também nos filmes.
Como em geral esses debates estão muito relacionados aos Direitos Humanos, ano passado nós do Instituto Aurora fizemos uma análise da premiação, de alguns filmes e de como utilizar os filmes para iniciar um diálogo em Educação em Direitos Humanos. Você pode conferir no artigo Quais temas abordar em sala de aula a partir da cerimônia e dos filmes do Oscar 2021?.
Filmes do Oscar 2022 e ODS 4
Este ano decidimos analisar novamente a premiação e indicar filmes que podem ser usados para abrir o diálogo. Nesta edição do Oscar, vários dos indicados abordaram a temática educação e diversidades, indo ao encontro com o ODS 4 da Agenda 2030 da ONU, que almeja:
Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.
E ainda, mais especificamente a meta:
4.7.1: Em que medida (i) a educação para a cidadania global e (ii) a educação para o desenvolvimento sustentável, incluindo a igualdade de gênero e os direitos humanos, são incorporados a todos os níveis de: a) políticas nacionais de educação; b) currículos escolares; c) formação dos professores e d) avaliação dos alunos
A cerimônia e as premiações do Oscar 2022
A cerimônia já iniciou com as apresentadoras Amy Schumer, Wonda Sykes e Regina Hall ironizando que o Oscar seria apresentado por 3 mulheres porque sairia mais barato do que contratar apenas 1 homem. Afinal, Hollywood deixa bastante evidente as desigualdades de gênero na remuneração.
Em seguida Wonda Sykes disse “Para vocês na Flórida, nós vamos ter uma noite muito gay” enquanto juntas entoavam “gay, gay, gay”, fazendo referência à lei “Don’t say gay” que entrou em vigor em 08 de março, na Flórida. Esta lei tem como objetivo “banir discussões sobre orientação sexual e identidade de gênero das salas de aula”.
Entre os ganhadores também podemos observar certas tendências de discurso político no Oscar. No ano passado, a pauta principal foi igualdade racial e história de grupos revolucionários negros, especialmente o grupo Panteras Negras. Este ano a pauta LGBTQI+ dominou os discursos e a temática dos filmes. E também, pela primeira vez, a discussão sobre deficiência auditiva foi levantada.
O prêmio mais esperado que é o de melhor filme foi para “CODA” ou “No Ritmo do Coração”, que conta a história de Ruby Rossi, que é a única pessoa ouvinte em uma família de surdos. Ela também se apaixona por música e precisa conciliar trabalho, estudo e ensaios.
No filme, acompanhamos as dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência em uma sociedade que não busca ser igualitária. Frank Rossi, pai de Ruby interpretado por Troy Kotsor, defende que “eles que aprendam como falar com a gente e não o inverso”, trazendo à tona as dificuldades de pessoas com deficiência auditiva em uma sociedade que não leva em consideração diferentes tipos de comunicação.
O filme também levou a premiação de melhor roteiro adaptado, e ainda rendeu premiação de melhor ator coadjuvante a Troy, primeiro homem surdo a ganhar um Oscar nesses 94 anos.
Outro fato marcante foi a premiação de Jane Campion pela direção de “Ataque de Cães”, aumentando a lista de diretoras mulheres premiadas para 3 nesses 94 anos, e ainda com um filme com temática LGBTQ.
Outro momento marcante foi o discurso de Jessica Chastain ao receber a premiação de melhor atriz pelo filme “Os Olhos de Tammy Faye”. A obra é a história da televangelista que era defensora dos direitos LGBTQs, e sobre a entrevista com um famoso pastor homossexual HIV positivo, que foi um marco em questões de representatividade. Jessica Chastain se posicionou contra o “Don’t say gay” e levantou a pauta sobre as taxas de suícidio da comunidade LGBTQ e a importância da defesa dos direitos. O filme também levou o Oscar de melhor maquiagem.
Uma mudança bastante importante dessa edição foi a categoria de “filmes estrangeiros”, que passou a se chamar “filme internacional” e teve os critérios modificados. Já há algum tempo têm surgido questionamentos sobre a binaridade existente entre “filmes estadunidenses x o resto do mundo como estrangeiro” em uma premiação global, que fez dessa a edição com maior número de filmes estrangeiros concorrendo à estatueta, contando com representantes do Butão, Noruega, Japão, Dinamarca e Itália.
E diferente de outros anos, neste a maioria dos filmes estrangeiros concorreu também em outras categorias, como foi o caso de “Flee”, animação dinamarquesa escrita e dirigida por Jonas Poher Rasmussen, que conta a história de Amin, amigo do diretor, afegão refugiado na Dinamarca. Uma animação sensível, tanto esteticamente como na abordagem dos temas, em que Amin conta sobre os motivos da imigração, abordagem policial, tráfico de pessoas, preconceito, e também narra como percebeu que estava apaixonado pelo ator nos pôsteres da parede do seu quarto e a sua percepção como gay em um país que não existia sequer uma palavra para nomear o que ele é.
Apesar dos discursos do Oscar sobre direitos LGBTQ e a lei “Don’t say gay”, “Flee”, um filme com temática abertamente LGBTQ e que vinha com bastante forças nas demais premiações e sendo aclamado pelos críticos, perdeu a estatueta para um filme da Disney. A empresa recentemente se envolveu em polêmicas ao ser exposto o financiamento à lei “Don’t say gay”, e ainda uma série de denúncias sobre censuras a filmes com temática ou personagens LGBTQ.
Aos poucos o Oscar tem repensado certas políticas e critérios, mas não é de hoje que as críticas sociais ficam muito mais nos discursos bonitos do que em ações práticas.
Filmes do Oscar 2022 e Direitos Humanos
A própria cerimônia já pode ser uma boa forma de iniciar um diálogo sobre Direitos Humanos e o problema dos discursos que não contribuem efetivamente para as pautas sociais. Além dos filmes citados anteriormente, escolhemos outros indicados do Oscar 2022 que podem ser usados no sentido de estimular diálogos:
“Lunana: A Yak in the Classroom” é perfeito para abordar temas relacionados à educação, já que conta a história de Ugyen Dorji, professor iniciante, que sonha em ser cantor na Austrália, mas é enviado para uma comunidade remota do Butão para dar aula para as crianças. Na tela, acompanhamos as dificuldades da comunidade para que as crianças sejam educadas. Mas também nos apaixonamos pela vila, pela sala de aula e pelas crianças.
“Não Olhe para Cima” é provavelmente o filme mais comentado pela similaridade com situações que vivemos na atualidade. O filme conta a história de cientistas que descobrem que um meteoro vai atingir a Terra e dizimar toda a população. Quando tentam informar as autoridades responsáveis, o jogo de poder político se estabelece, e as mentiras são lançadas, sem levar em consideração as consequências desses atos.
Almodóvar nunca decepciona em abordar temas sociais e políticos nos filmes. Em “Mães Paralelas”, o diretor aborda alguns temas que já são comuns de sua obra, como o papel das mulheres na sociedade e na maternidade. Para além disso, Almodóvar fala sobre as sequelas do franquismo na Espanha, da importância de conhecer a história do próprio país, e principalmente, de saber que a história é contada de formas diferentes dependendo da camada social. Mas a busca pela história é também uma busca pela não repetição e pela honra dos afetados.
Em nossas ações educativas, a arte é constantemente uma grande aliada. Você pode saber mais sobre o que já fizemos na seção “Quem somos”.
Leia mais:
>> Filmes para iniciar o diálogo contra a violência à mulher no trabalho
>> Filmes para estimular o diálogo sobre masculinidades afetivas nas empresas
>> Filmes de impacto social contribuem para educar em direitos humanos
>> Arte na Educação em Direitos Humanos: criar vivências e transmitir valores
Algumas referências que usamos neste artigo:
“Ataque dos Cães” e “Duna” lideram indicações ao Oscar 2022; veja lista completa | CNN Brasil
Oscar 2022: veja quem serão os prováveis vencedores (e vença o bolão) | Super (abril.com.br)
Oscar reforça aposta em busca por representatividade e apelo a público jovem | CNN Brasil
Academia anuncia Oscar 2022 com 10 indicados a Melhor Filme e medidas de equidade | Papo de Cinema
“No Ritmo do Coração” é favorito ao prêmio de melhor filme no Oscar | CNN Brasil
Oscar 2022 marca evolução importante em busca por mais diversidade | Omelete
‘Don’t Say Gay’ bill: Florida Senate passes controversial LGBTQ school measure | NBC News
Por que o Oscar 2022 é a edição com maior número de filmes estrangeiros | Revista Galileu