Neste artigo, vamos conceituar gênero, “Ideologia de Gênero” e suas polêmicas no Brasil e a inserção da pauta de gênero nas escolas.
Por Janiffer Zarpelon, para o Instituto Aurora
(Foto: Carol Castanho)
Quando falamos do tema gênero, devemos ter em mente alguns aspectos básicos sobre esse debate. Gênero se refere sobre os processos de socialização construídos na sociedade que estabelecem papéis, crenças, regras, comportamentos diferentes com base no sexo biológico. Por exemplo, as meninas devem brincar de boneca, serem frágeis e emotivas; já os meninos devem brincar de carrinho, serem fortes e racionais.
Apesar das normas da Carta dos Direitos Humanos defenderem que todos os seres humanos sejam iguais e tenham os mesmos direitos, na prática isso não é assegurado em muitas sociedades, como no Brasil. Assim, essa estrutura social, que subordina o sexo feminino, tem gerado grande desigualdade de gênero e violência contra as mulheres.
Segundo a Lei Maria da Penha, as formas de violência contra a mulher podem ser: física, sexual, psicológica, moral, patrimonial (Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V). O Brasil é um dos países com maior número de violência contra as mulheres. Em 2020, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher, e desde 2015, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking internacional de homicídio de mulheres.
Tópicos deste artigo:
- “Ideologia de gênero” e suas polêmicas no Brasil
- Por que inserir a discussão sobre gênero nas escolas?
Publicado em 23/09/2021.
“Ideologia de gênero” e suas polêmicas no Brasil
O conceito de gênero, bem como a ideia de empoderamento e da transversalidade, foram inseridos pela primeira em um documento internacional na chamada “Plataforma de Ação de Pequim”, assinado na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995. Nessa conferência foi reconhecido que a desigualdade da mulher é um problema estrutural.
Além disso, determinou a substituição do termo “mulher” (utilizado nas outras conferências) para o conceito de gênero, estabelecendo que “[…] todas as políticas e instituições econômicas [dos governos e da comunidade internacional], assim como aqueles encarregados de conceder recursos devem adotar uma perspectiva de gênero” (Declaração e Plataforma de Ação de Beijing, 1995, p. 265).
A “Plataforma de Ação de Pequim” também definiu a orientação para que os países incorporassem estudos sobre gênero em seus programas educacionais. Esse contexto teve forte objeção por parte de diversos setores religiosos e conservadores espalhados pelo mundo. Passa a ser utilizada a expressão “ideologia de gênero”, que carrega sentido pejorativo.
Uma das crenças dos defensores dessa expressão é que a inserção da temática sobre gênero nas escolas visa induzir crianças a serem homossexuais ou transexuais. Defendem também que o debate sobre gênero vai contra aos valores tradicionais da família e que o sexo biológico define o gênero indo contra a visão que seria uma construção social.
No Brasil, o combate à “ideologia de gênero”, ganhou força a partir de 2011, ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a união entre pessoas do mesmo sexo tinha o mesmo status do casamento heterossexual. Outra polêmica que ocorreu no mesmo ano foi o anúncio do governo do material didático do programa “Escola sem homofobia”, chamado pelos conservadores de “kit gay”, que seria distribuído nas escolas públicas. Devido a forte oposição de parlamentares, a presidente Dilma Rousseff (2011-2016) vetou a distribuição do material nas escolas.
Em 2014, o Ministério da Educação buscou inserir educação sexual, combate às discriminações e promoção da diversidade de gênero e orientações sexuais. No entanto, devido a forte oposição de grupos conservadores e do Escola Sem Partido, a parte que destacava como meta “a superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” foi retirada do novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Diversos segmentos conservadores do Brasil fizeram uma grande campanha midiática de que o gênero se constituía numa ameaça à “família tradicional” brasileira. Nas eleições de 2018, o termo voltou aos holofotes pelas diversas citações que o candidato Jair Bolsonaro (PSL), atual presidente do Brasil, fez ao se referir sobre o projeto “Escola sem Homofobia” utilizando a expressão “kit gay”.
Por que inserir a discussão sobre gênero nas escolas?
Inserir a discussão sobre gênero nas escolas é de grande importância. Promover o diálogo e desenvolver projetos que busquem a igualdade entre os gêneros na escola significa romper as barreiras sociais e culturais a fim de gerar uma sociedade livre do ódio, da violência e discriminação. A escola sendo um espaço de debate reflexivo, igualitário e livre de preconceitos, pode contribuir de forma significativa na construção de uma sociedade mais igualitária e justa.
Segundo a Unesco, a violência de gênero nas escolas tem causado grandes problemas em milhares de crianças em todo o mundo. Nora Fyles, ex-diretora da Iniciativa da ONU pela Educação das Meninas, comenta sobre esse aspecto:
Apesar dos avanços nos últimos 20 anos, a violência de gênero na sala de aula e no ambiente escolar permanece invisível. Para lidar com esse problema, os governos e a sociedade civil devem se envolver mais para proteger as crianças e buscar, por meio da educação, a mudança necessária. A violência de gênero relacionada ao ambiente escolar inclui assédio verbal ou sexual, abuso sexual, punição física, além do bullying, que afeta cerca de 246 milhões de meninos e meninas todos os anos.
Desta forma, verificamos a importância do debate sobre gênero nas escolas para que não ocorra a reprodução de estereótipos e preconceitos dentro e fora do ambiente escolar. Defendemos a promoção de uma educação sem machismo, para que nas escolas não seja mantido o ciclo da diferença, ou seja, o que é coisa de menina ou de menino.
Cláudia Fusco, gerente de conteúdo do OLGA – projeto feminista criado em 2013 -, comenta sobre algumas atitudes que as escolas, professores e demais profissionais da educação podem adotar a fim de promover a igualdade de gênero:
- Debater em sala de aula sempre que possível sobre a desigualdade de gênero a fim de criar um espaço de reflexão e encorajar que os alunos tenham voz e possibilidade de apreender;
- Explicar sobre a história do movimento feminista trazendo reflexões sobre as suas lutas e conquistas;
- Desmistificar estereótipos e preconceitos, ou seja, desenvolver conteúdos sobre a relevância da participação das mulheres na história, promover a participação das meninas nos esportes “ditos masculinos”, mostrar filmes e documentários a fim de desenvolver com os alunos reflexão sobre a desigualdade de gênero;
- Espaço de acolhimento para as vítimas de assédio relacionadas a gênero. É de grande importância que as escolas sejam um espaço em que as vítimas não tenham medo de falar sobre o abuso e denunciar o mesmo.
O Instituto Aurora tem como base que a educação é um direito humano, sendo um instrumento que emancipa, empodera e melhora a qualidade de vida das pessoas. Nossas ações apoiam-se no ODS 4 que busca “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”. Desta forma, acreditamos que a inserção da pauta de gênero nas escolas contribui de forma significativa na redução da discriminação e da violência bem como na melhora da inclusão e da igualdade de gênero.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
O que é violência de gênero e como se manifesta?
Brasil teve 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020; pandemia é fator, diz Damares
Como trabalhar a igualdade de gênero na escola