Vamos entender as diferenças entre importunação sexual, assédio e estupro, e as leis que protegem os direitos das pessoas que sofrem com esse tipo de crime.
Por Julia Costa, para o Instituto Aurora
(Foto: Cleverson Nunes / CMSJC)
Para que o consentimento seja verdadeiramente a trilha que nos ampara precisamos entender o que é importunação sexual, a diferença entre assédio e estupro, as leis que protegem o direito das pessoas que sofrem com esse tipo de crime e como a educação em direitos humanos contribui para a diminuição deles.
Você já beijou, lambeu, tocou, apalpou, tirou a sua roupa, masturbou-se ou ejaculou na presença de outra pessoa sem que ela permitisse?
Essas perguntas te atravessam como se fossem absurdas?
Pelo sim, pelo não, te convido a explorar sobre importunação sexual e as suas ramificações.
Neste artigo vamos abordar os seguintes tópicos:
- O que é importunação sexual?
- Qual a diferença entre assédio e estupro?
- Como denunciar esses crimes
- O que a lei brasileira diz sobre importunação sexual
- O que diz a lei do protocolo Não é Não
- Como a educação em direitos humanos pode contribuir para diminuir casos de importunação sexual?
Publicado em 07/02/2024.
O que é importunação sexual?
Importunação sexual é todo e qualquer ato de cunho erótico realizado sem a permissão da outra pessoa sem que exista uma hierarquização nas relações. Muitos dos crimes de importunação sexual são realizados por pessoas desconhecidas.
Para ser considerada importunação sexual o ato deve estar direcionado a uma pessoa. Caso esteja em um local público e presencie os atos que foram listados abaixo sem se direcionar a uma pessoa específica, você não estará presenciando um crime de importunação sexual.
Atos que são importunação sexual:
- Divulgar fotos de nudez;
- Passar a mão em outra pessoa;
- Apalpar, inclusive as partes íntimas como vagina, pênis, seios e ânus;
- Assoviar;
- Perseguir;
- Falar sobre atos sexuais;
- Fazer piadas induzindo a relações sexuais;
- Enviar mensagens com conteúdo sexual e imagens eróticas.
Você se recorda de ter presenciado ou vivido alguma dessas ações?
Infelizmente são ações corriqueiras praticadas via de regra em locais e transportes públicos no dia a dia de muitas pessoas, principalmente no das mulheres.
Para te ajudar a refletir por outra perspectiva, além do dia a dia, você já parou para pensar em quais outros momentos casos de importunação sexual acontecem com frequência?
No carnaval, a época em que brilham fantasias coloridas a encantar! O Governo registrou que nesse período aumenta em 20% as denúncias de importunação sexual.
Parece absurdo mas é a nossa realidade: um momento criado para ser de descontração, música, dança, alegria, muito brilho e liberdade, para algumas pessoas se torna uma lembrança traumática e aterrorizadora.
Um passo para que o crime seja diminuído no carnaval foi a criação do Projeto de Lei 646/23 que torna obrigatória a divulgação de informações sobre o crime de importunação sexual em bares e em eventos de carnaval, incluindo os fora de época (micaretas). Desde 2023 o projeto está sendo analisado na Câmara dos Deputados.
Você sabe qual a diferença entre assédio e estupro?
Assédio Sexual
O assédio se dá através de relações de hierarquização e subordinação, ou seja, o agressor e a vítima se conhecem e um detém poder sobre o outro. Atualmente está dividido em dois campos: o moral e o sexual. Neste artigo falaremos somente do sexual.
O assédio sexual tem como base o ato de constranger uma pessoa para se obter favores de cunho erótico.
Um exemplo clássico de assédio sexual é quando uma pessoa em posição de chefia convida outra (geralmente uma mulher) para um jantar. No primeiro momento parece um convite sem segundas intenções, mas ao recusar o convite, a pessoa que disse “não” passa a sofrer retaliações no ambiente de trabalho e pode ser impossibilitada de crescer em sua carreira. Afinal, quem detém o poder usará o “não” como peça chave para chantagear a vítima até que consiga o que se deseja.
Também é assédio sexual: conversas indesejadas sobre sexo, solicitação de favores sexuais, promessas de tratamento diferenciado, exibicionismo etc.
É importante ressaltar que o assédio pode acontecer entre vários grupos: de mulher contra mulher, homem contra homem, homens contra pessoas não binárias, por exemplo. Porém, vale se atentar de que estatisticamente mulheres, principalmente negras, sofrem cinco vezes mais assédio do que homens. Outra coletividade vulnerável que também sofre com esse tipo de crime é a população LGBTQIAP+.
Para elucidar mais a fundo como acontece o assédio sexual e os comportamentos mais comuns nos ambientes, mas principalmente de trabalho, convido você a assistir este TED: “O poder Coletivo: como impedimos o assédio sexual”, de Manrianne Cooper.
Estupro
O estupro é um ato sexual cometido com violência, ameaça e penetração sexual sem o consentimento da outra pessoa. O toque íntimo sem permissão e beijo forçado também são estupro.
O estupro pode ser praticado por qualquer pessoa mas você sabia que estatisticamente são em sua maioria por familiares e conhecidos? Sendo 68% com crianças de 0 a 9 anos e 58% com jovens de 10 a 19 anos.
Como denunciar esses crimes?
Importunação sexual, assédio sexual e estupro se enquadram como crimes em nossa legislação. Ao presenciar ou vivenciar esse tipo de delito, deve-se denunciar através dos canais:
- Disque denúncia 100, telefone voltado para denúncia da mulher, família e direitos humanos que funciona diariamente das 08h às 22h;
- Disque denúncia 180, central de atendimento à mulher em situação de violência, canal anônimo, funciona 24h. Além do Brasil, pode ser feita de outros 16 países, sendo eles: Argentina, Bélgica, Espanha, EUA (São Francisco), França, Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Paraguai, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela;
- Pelo site MetooBrasil em que pode-se denunciar o crime e informar que precisa de apoio. Também é possível denunciar um abuso sofrido por outra pessoa ou contar a sua história;
- DEAM (delegacia especial de atendimento à mulher), neste link você pode conferir os endereços conforme a sua região.
É importante entender que padrões sociais não são acidentes e que o silêncio nessas situações não é uma opção porque ele é uma ferramenta de poder e também uma das formas de ensinar que o errado é permissível.
O que a lei brasileira diz sobre importunação sexual
A lei brasileira nº 13.718/2018 visa criminalizar comportamentos como beijar, lamber, tocar, apalpar, masturbar e ejacular na presença de outra pessoa sem que ela permita, ou seja, infrações que causem constrangimento e violam a liberdade sexual.
O artigo 215-A do Código Penal Brasileiro define a importunação sexual como crime com pena de um a cinco anos caso o ato não constitua delito mais grave, como a violência, por exemplo.
O que diz a lei do protocolo Não é Não
A lei Nº 14.786, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2023 cria o protocolo “Não é Não” para prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher e proteção à vítima e institui o selo “Não é Não – Mulheres Seguras”.
Será implementado em locais fechados como shows, boates, casas noturnas e musicais que oferecem bebida alcoólica. A Lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa.
Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:
I – constrangimento: qualquer insistência, física ou verbal, sofrida pela mulher depois de manifestada a sua discordância com a interação;
II – violência: uso da força que tenha como resultado lesão, morte ou dano, entre outros, conforme legislação penal em vigor.
Ao não ser cumprida a lei, conforme Art. 10. implicará as seguintes penalidades:
a) advertência;
b) outras penalidades previstas em lei;
II – aos estabelecimentos que receberam o selo “Não é Não – Mulheres Seguras”, nos termos do art. 9º desta Lei:
a) advertência;
b) revogação da concessão do selo “Não é Não – Mulheres Seguras”;
c) exclusão do estabelecimento da lista “Local Seguro para Mulheres”;
d) outras penalidades previstas em lei.
Como a educação em direitos humanos pode contribuir para diminuir casos de importunação sexual?
A educação em direitos humanos pode contribuir promovendo conscientização através de arte, palestras, rodas de conversas, mídias sociais e artigos, entre outros.
Ao falarmos de conscientização é necessário que se ensine desde cedo dentro e fora das instituições de ensino sobre o que é consentimento e a importância dele em todas as interações sexuais. E de que a pessoa que consentiu tem o direito de mudar de ideia a qualquer momento. Ou seja, “não é não” e deve ser respeitado.
Uma das maneiras de trabalhar a conscientização é através de profissionais especialistas no assunto, promovendo palestras, rodas de conversa, consultoria, entre outros, para criar espaços seguros para diálogos urgentes e necessários voltados à sexualidade.
Outra possibilidade é promover clube da leitura e peças de teatro pautadas em diversidade e igualdade para que seja ensinado sobre estereótipos de gênero e orientação sexual para assim desconstruir mitos que contribuem para a manutenção de uma cultura patriarcal, machista e sexista.
Uma opção também é mediar contação de histórias com o objetivo de criar habilidades de comunicação e empatia para que as pessoas aprendam e se sintam confortáveis para expressar seus limites de forma clara e respeitosa.
Criar conteúdos ajuda na promoção e disseminação através das mídias sociais, abordando a importância do respeito, consentimento e igualdade por meio de mensagens educativas, textos e vídeos.
Assim como podemos divulgar artigos, vídeos, livros e podcasts com conteúdos sobre as leis e canais de denúncia para que a todo momento se tenham essas informações de fácil acesso. Assim, deixamos mais nítido que importunação sexual, estupro e assédio são crimes e devem ser denunciados sem medo.
Agora que temos um pouco de informação sobre que é importunação sexual, o que devemos fazer?
Não existe uma única e correta resposta, mas existem alguns pontos de partida como: se aprofundar no assunto, entender a sua origem, falar a respeito em rodas de amigos sempre que possível, corrigir ao presenciar piadas, denunciar, e para além disso ter noção de que para que se haja uma mudança social é necessário que todas as pessoas percebam que importunação sexual é crime.
Por fim, mas não menos importante, vale a reflexão a partir da frase de Marianne Cooper: “A mudança se inicia com uma noção muito clara do que precisa ser resolvido.”
Após a leitura, como você se sente em relação a romper o silêncio e desafiar o inaceitável quando se trata de importunação sexual? Refletir e criar ambientes respeitosos é um trabalho de coletividade, em que o objetivo central é a de que todas as pessoas possam ocupar espaços sem se sentirem violentadas e assim viver em um mundo com mais igualdade e segurança.
O Instituto Aurora tem como missão promover e defender a Educação em Direitos Humanos. Uma de nossas frentes de atuação é com relação à igualdade de gênero.
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