O objetivo deste artigo é analisar como o crescimento da extrema-direita e suas práticas discursivas influenciam naquilo que conhecemos como discurso de ódio. Todo discurso de ódio deve ser considerado um crime, justamente por incitar a prática da violência contra minorias. A fim de combater sua disseminação, é necessário, além de uma alteração protetiva na legislação, uma mudança estrutural nas políticas de Educação em Direitos Humanos no país.
Por Gabriela Assad, para o Instituto Aurora
(Foto: Rachit Tank / Unsplash)
Diante da crescente onda de discurso de ódio no Brasil e no mundo, é necessário compreender as origens desse discurso, além de implementar medidas emergenciais para conter sua disseminação e, a longo prazo, erradicá-la por completo. Este artigo se propõe a ser um ponto de partida, mas nunca de chegada, para isso.
Em um primeiro momento, será feito um estudo das bases ideológicas da extrema-direita, suas características e direcionamentos, incluindo a elaboração teórica de Theodor Adorno (2020) sobre a ascensão do radicalismo de direita na Alemanha.
Em seguida, partindo dos estudos de Michel Foucault (1989; 2017), observamos que os discursos e práticas discursivas escancaram as relações de poder presentes em determinadas épocas históricas. Mais ainda, é analisado como esses discursos chegam até nós, cidadãs e cidadãos, através dos diversos aparelhamentos dominantes na sociedade.
Os discursos de ódio, que nada mais são do que falas, atos ou símbolos que incitam o ódio contra determinados grupos sociais – mulheres, negras e negros, indígenas, migrantes e refugiados, judeus, comunidade LGBTQIA+ –, se manifestam como a tentativa de manutenção do status quo de quem é dominante. Ou seja, manter essa relação desigual. Entretanto, tais discursos não ficam só no plano discursivo – através de falas/textos/símbolos, eles se tornam práticas violentas de ódio.
O alcance desses discursos – e os crimes de ódio decorrentes deles – aumenta quando estamos diante de redes sociais e canais de comunicação de massa. Isso porque é um território de fácil disseminação de ideias extremistas e supremacistas, especialmente para jovens, o que tem elevado os índices de crimes de ódio cometidos nessa faixa etária, principalmente em ambientes escolares.
Diante disso, se torna fundamental a regulação das redes e das informações que circulam na internet. A discussão sobre o PL 2630/20, que aborda a regulação das mídias digitais, é extremamente importante, impondo limitações e responsabilidades às Big Techs, as gigantes da tecnologia.
Por fim, analisamos qual o papel da Educação em Direitos Humanos (EDH) nesse contexto, visto que ela pode, e deve, ser aliada na difusão e manutenção do respeito aos Diretos Humanos, à dignidade, à igualdade e à não discriminação. Tornando, sobretudo, o convívio em sociedade mais harmonioso, respeitoso e de garantias de direitos para todas e todos.
O que vamos abordar neste artigo:
- Ascensão da extrema direita no Brasil
- Discurso e poder, para Michel Foucault
- O que é discurso de ódio?
- Como discursos de ódio se difundem?
- Discurso de ódio na internet
- Discurso de ódio e sua relação com a captura de jovens para o extremismo de direita
- Discurso de ódio e liberdade de expressão
- Discurso de ódio é crime?
- Como a educação em direitos humanos (EDH) pode ajudar a combater os discursos de ódio?
- Considerações finais
Publicado em 26/07/2023.
Ascensão da extrema direita no Brasil
É possível definir o espectro político de 5 formas, são elas: a extrema-direita, a direita, o centro, a esquerda e a esquerda radical (não utilizaremos a nomenclatura “extrema esquerda” para evitar confusões conceituais). Imagina-se, nesse cenário, uma linha reta, em que se tem pequenos pontos de divisão em cada um desses lados, como demonstrado abaixo:
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Tradicionalmente, a diferença entre Direita e Esquerda é visível aos olhos da maioria da população. A distinção se baseia, em sua maioria, nos debates sociais e econômicos – principalmente nas políticas de redistribuição de renda.
A Esquerda tende a pensar em redução das desigualdades, redistribuição de renda, função social da economia e função social da propriedade, defesa de direitos trabalhistas, acessibilidade de grupos minoritários às políticas públicas, ampliação dos direitos sociais e multiculturalismo.
De outro lado, a Direita tende à manutenção ou aprofundamento da economia neoliberal, profere críticas às políticas de redistribuição de renda, tende à manutenção do poder social em determinadas classes já privilegiadas, ataca a existência dos direitos sociais, possui caráter conservador e de base nacionalista.
Da mesma forma que podem haver algumas gradações de atuação político-ideológica ao centro, como, por exemplo, a centro-esquerda ou a centro-direita, também é possível que haja tendência mais à direita ou mais à esquerda.
Nesse cenário é que se localiza a extrema-direita. A Extrema-direita pode ser definida como um acirramento das bases ideológicas da Direita, já explicitadas acima.
Isto significa que ela é uma corrente de pensamento ultraconservadora, possui aversão às minorias (considerados o “Outro” daqueles que consideram como Ser Humano), é fundamentalista, possui percepção de superioridade em relação às demais culturas, é marcada por um preconceito e xenofobia em relação aos não-nacionais, é ultranacionalista (ou Ufanista) e ataca veementemente os Direitos Humanos e as políticas sociais.
Nesse sentido, é comum que grupos de extrema-direita defendam ou instiguem ações antidemocráticas. Ou, ainda, que ataquem diretamente as estruturas do Estado Democrático de Direito.
Segundo Theodor Adorno, em Aspectos do Novo Radicalismo de Direita (2020), há algumas características comuns a todos os movimentos de extrema-direita, são elas:
- tendência dominante de concentração de capital;
- são, essencialmente, protagonizados pela pequena burguesia – no Brasil, o que chamamos de “classe média” – que teme perder seu privilégio e status social;
- transferência da culpa por seu potencial rebaixamento de classe àqueles que se opõem ao status quo (são eles: minorias, militantes e opositores políticos, defensores de Direitos Humanos, socialistas/comunistas);
- ódio ao socialismo/comunismo – ou àquilo que entendem por eles;
- nacionalismo “fictício” diante do agrupamento do mundo ou, dito de outro modo, a base material desse nacionalismo é falsa, ainda que sua ideologia seja eficiente;
- possuem um “sentimento de catástrofe social” e se nutrem de “fantasias do fim do mundo” (ADORNO, 2020, p. 52), apresentando-se como salvadores;
- desejo inconsciente do fim, da catástrofe;
- baixo nível intelectual e ausência de teoria acompanhado de altíssimo investimento em propaganda nos meios de comunicação de massa. “A propaganda constitui, por sua vez, a substância da política” (ADORNO, 2020, p. 55);
- “a verdade é colocada a serviço da inverdade” (ADORNO, 2020, p. 65), ou seja, retiram-se informações verdadeiras de contexto e as isolam;
- agressividade projetada, isto é, projetam no “Outro” um inimigo potencialmente agressivo de quem devem se defender a todo custo;
- predomínio do delírio e manipulação;
- reação ao “setor cultural” e às produções artísticas;
- ódio ao intelectual, isso porque, ao invés de atacar a ideia defendida se voltam contra a pessoa que defende tal ideia,
- são autoritários, repressivos e reacionários.
Soma-se a isso a Mobilização de Afetos pela extrema-direita, principalmente, do Medo. Justamente por essa transferência de culpa e agressividade projetada diante das minorias, é forjada uma possibilidade de “perda”, o que alimenta medo e incerteza em boa parte da população. Perda da Família – pelos movimentos feministas e do grupo LGBTQIA+, perda da casa – pela existência do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), perda da religião e dos “valores cristãos” – pelo respeito ao pluralismo religioso.
Além disso, é válido ressaltar que as lideranças de extrema-direita se vendem como “outsider”, ou seja, como aquelas que estão fora do sistema e estão aí para solucionar todos os problemas decorrentes dele, incluindo a corrupção. Apresentam-se como “salvadoras” da nação, da pátria, frente àqueles que querem a sua destruição. Mas, tais lideranças são a materialização do Sistema político, e não seu contrário.
Diante desse cenário, é interessante analisar como o discurso da extrema-direita se desenvolve e se dissemina, tendo em vista que as narrativas forjadas por esse campo ideológico moldam as ações políticas e sociais nos países onde se localizam.
Discurso e poder, para Michel Foucault
O Discurso é, para Michel Foucault, não apenas as palavras a serem ditas, mas sim o encadeamento de ideias a serem ditas. Ou seja, a organização, a lógica daquilo que é dito por cada “sujeito falante”.
Porém, a única coisa que dá suporte material para o discurso é o “arranjo histórico”, isto é, o arranjo das instituições sociais daquela época. E, tendo em vista que ele pode se modificar em cada época histórica, dizemos que o discurso é móvel.
Além disso, segundo o autor, existe uma “pertença doutrinária” do sujeito que fala. Tal fato, para ele, “vale sempre como o sinal, a manifestação e o instrumento de uma pertença prévia – pertença de classe, de status social ou de raça, de nacionalidade ou de interesse” (FOUCAULT, 1996, p. 53). Ou seja, o discurso localiza esses sujeitos falantes em determinadas posições.
Por essa razão, os discursos desempenham um importante papel de construção de imagens e práticas sociais ou, em uma linguagem moderna, na construção de Subjetividades – como agimos, falamos e pensamos acerca de determinada temática.
De acordo com Foucault, “os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala.” (FOUCAULT, 2008, p. 55). Isso significa dizer que esses símbolos, que funcionam também como os denominados “discursos não verbais”, são fundamentais para a existência dessas práticas discursivas.
Tal fato pode ser exemplificado pelo uso da suástica. Inicialmente, este símbolo possui registros de 5 mil anos atrás, em culturas e religiões diferentes ao redor do mundo. Mas, ela foi usada para integrar o emblema oficial do III Reich alemão, ou seja, se tornou visivelmente um símbolo do partido nazista.
Entre o discurso e a prática se localizam as Práticas Discursivas. Foucault, em seu livro Arqueologia do Saber, define Práticas Discursivas como um “conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa”. (FOUCAULT, 2008, p. 133).
Dito de outro modo, essas práticas discursivas funcionam como “intermediárias”, relacionando tal discurso com a ação pós-discurso.
Da mesma forma, para o autor, todo e qualquer discurso está imbuído de Poder, tendo em vista que um conjectura o outro. Em outros termos, todo discurso pressupõe uma relação de poder e opressão. Mais ainda, tais configurações de Poder, assim como as configurações discursivas, são históricas, ou seja, são práticas sociais construídas historicamente.
O Poder é derivado de uma relação de forças (força X força), ou seja, a força resultante revela quem exerce o poder naquela relação social. Geralmente as relações de poder se manifestam com um sujeito “dominante” e um sujeito “dominado”. Além disso, esses níveis de dominação podem ser alterados, ou seja, quem domina hoje pode ser dominado amanhã, ou vice-versa.
Porém, é válido ressaltar que a existência do poder, nas mãos dos sujeitos dominantes, envolve a tentativa de conservação dessas relações de poder. Isto significa dizer que quem detém tal poder quer mantê-lo e luta, em todas as esferas, para a manutenção dessa posição.
Contudo, o que determina a manutenção do Poder na mão de determinada pessoa ou grupo social são os aparelhamentos que o circundam. Como afirma Foucault,
“se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.
(FOUCAULT, 1979, p. 5). (grifo nosso)
Portanto, a produção discursiva mostra, também, a procura desenfreada pela manutenção e perpetuação do poder na mão de grupos/sujeitos dominantes – pessoas já privilegiadas frente às dinâmicas sociais. É neste cenário que o discurso de ódio se localiza.
O que é discurso de ódio?
O Discurso de ódio pode ser definido como toda fala, ato ou imagem que incite ódio e violência contra determinados grupos da sociedade, como: mulheres, negros, indígenas, quilombolas, integrantes do grupo LGBTQIA+, judeus, migrantes, refugiados e, no caso brasileiro, nortistas ou nordestinos. Esses grupos são aqueles considerados o “Outro”, para Lacan, ou seja, aquele com o qual eu não me identifico e não crio laços.
Esses discursos de ódio podem se concretizar na forma verbal ou não verbal. O discurso verbal pode ser entendido como atos, falas ou textos em que se expõe o ódio contra tais grupos minoritários. Exemplo disso são os ataques proferidos às mulheres feministas, quando estas lutam por seus direitos, tais como “voltem para a cozinha”, “deveriam ter sido queimadas” – em alusão ao período da Caça às Bruxas, na Idade Média (séc. V – XV).
De outro modo, o discurso de ódio não verbal, exposto em símbolos ou imagens, carrega consigo um simbolismo do ódio, geralmente de um período histórico em que houve sucessivas violações de Direitos Humanos. Um exemplo já exposto no texto é a suástica. Ela carrega a simbologia do ódio e da morte contra minorias, sejam judeus, pessoas com deficiência, mulheres, negras e negros, ou seja, todas as pessoas consideradas “impuras” de acordo com a ideologia nazista.
Se, para Michael Foucault, o discurso funciona como um enunciado que cria condições tanto de produção quanto de aniquilação de alguma prática, compondo vontades/desejos daquele sujeito falante, o discurso de ódio é aquele discurso, ou enunciado que, intencionalmente, priva algum grupo/condição humana da sua humanidade.
É nesse sentido que podemos denominar essas práticas discursivas de “produção de sub-humanidades”. Tendo em vista que hierarquiza os humanos que são o foco desse discurso de ódio e torna-os menos humanos. Isso acontece porque é tornando-os menos humanos que é possível realizar tais discursos e práticas.
Da mesma forma, por exemplo, que a escravização de povos indígenas e/ou africanos foi justificável com base em um critério de não humanidade, ainda no séc. XIV, a realização desses discursos de ódio são justificáveis com base em um critério forjado de animalização e sub-humanização.
Tais enunciados, proferidos por esse discurso de ódio, são produzidos a partir de pessoas que acreditam que esses sujeitos, a quem esses discursos são destinados, podem lhes tirar algum poder, alguma vantagem. O medo da perda mobilizado se manifesta nessa “transferência de culpa” por seu potencial rebaixamento de classe (classe média/alta), papel de gênero (homem) ou privilégio racial (branco), resultando no ódio às minorias e nas produções discursivas decorrentes dele.
Ainda, podemos dizer que discursos de ódio também são práticas, ainda que recebam a denominação prévia de “discurso”. É nesse cenário que tais discursos podem sair do “plano das ideias” e adentar a vida social, de tal modo que um discurso de ódio destinado aos povos indígenas pode, de maneira cruel e desumana, resultar em um crime de genocídio.
Apesar do discurso de ódio ser uma construção, ou seja, ser um enunciado fabricado pelos próprios sujeitos “dominantes” em detrimentos dos “dominados” – localizados em uma determinada época histórica (Foucault), ele molda as narrativas e constrói as subjetividades das pessoas que o escutam.
Isso significa dizer que, se existe um discurso que diz o tempo todo que esses Seres Humanos (minorias, de maneira geral) não são dignos, em um determinado momento isso se torna normalizado por uma parcela da população. O perigo reside exatamente aí.
Como discursos de ódio se difundem?
Os discursos de ódio compõem o que convencionamos chamar de Ideologia. Ideologia pode ser definida como um conjunto de ideias da classe dominante de uma determinada época histórica e que são propagadas amplamente nos meios de comunicação de massa, através de discursos, imagens, símbolos etc.
Portanto, a Ideologia presente em uma dada época histórica sempre será a Ideologia da classe dominante dessa época, assim como as práticas discursivas decorrentes dela. Isso porque os discursos emitidos visam manter o domínio do poder – Status Quo – na mão daqueles sujeitos já beneficiados pela estrutura social.
É necessário, além disso, para que estes discursos sejam ampliados/difundidos, a mobilização de um sistema de massa com capacidade delirante. De acordo com Márcia Tiburi, filósofa e autora do livro Delírio do Poder, Delírio é “uma radical desorganização dos pensamentos e da linguagem e uma crença absoluta em algo, por mais absurdo ou estapafúrdio que o objeto dessa crença possa ser.” (TIBURI, 2019, p. 26). É, do latim delirare, um “estar fora de si”.
Em decorrência desse delírio, somado ao medo da perda – em que se culpabiliza determinados grupos por uma suposta perda de privilégio –, é comum o surgimento de teorias da conspiração. Isso porque, nesses momentos, a vigilância excessiva e a tentativa de preencher lacunas são reações naturais diante do medo.
Além disso, há uma tendência ao conservadorismo, justamente pela incerteza diante da mudança iminente – que pode ter sido criada ou não. Portanto, as teorias da conspiração apresentadas são profundamente conservadoras e objetivam a criação de um “fantasma”.
Exemplo disso é o que ficou conhecido como “fantasma do comunismo”. Desde 2016, mais especificamente, após o golpe que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff, muito se discute acerca da batalha ideológica ao que seria considerado “comunismo”.
O que é denominado de “comunismo” pela direita e extrema-direita se apresenta como atenção às políticas públicas de proteção às minorias, defesa dos Direitos Humanos, movimentos sociais de trabalhadores, defesa das terras indígenas etc. Na verdade, a definição de Comunismo não se resume a isso.
Porém, nesses cenários, como afirma Adorno, “simplesmente tudo que, de alguma forma não convém, é subsumido a esse conceito elástico de comunismo e é rechaçado enquanto comunista”. (ADORNO, 2020, p. 60).
Apesar da negativa teórica ao considerar todas as pautas da centro-esquerda ou esquerda como comunistas, uma pesquisa realizada pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) mostrou o enraizamento desta ideia na sociedade. De acordo com essa pesquisa, aproximadamente 44% da população brasileira acredita ser possível a instauração de um “regime comunista” no país.
Diante da fantasia, do delírio, há quem, verdadeiramente, acredite e espalhe tais (des)informações. Ou seja, não importa se é real, que não possua aplicação na realidade ou, ainda, que o argumento defendido não possua comprovação científica – seja das ciências sociais, humanas, biológicas ou exatas. São negacionistas por excelência. Por essa razão, são chamados de “sujeitos delirantes”.
Frente a isso, aqueles a quem os sujeitos delirantes entendem por “comunistas” ou que defendem políticas consideradas comunistas – objeto do ódio – são os mesmos a quem o ódio é destinado – destinatários do ódio.
São essas mesmas pessoas aquelas que apoiam a realização de convenções nacionais de “Terra plana”, contrariando tudo o que foi pacificado cientificamente até o momento. Para os “terraplanistas”, a Terra é plana e está no centro do universo – orbitada pelo sol e pela lua.
Contudo, tais teorias já foram refutadas há muitos séculos. A partir do entendimento de Pitágoras (582 – 497 a.c) e Nicolau Copérnico (1473 – 1543), respectivamente, entendeu-se que a terra é esférica e o sol é o centro do sistema solar (Teoria Heliocêntrica).
Mas, se antes as teorias que colocavam em dúvida o não protagonismo da Terra no universo eram vistas como heresias e punidas pela Igreja Católica, na atualidade não é muito diferente. O negacionismo científico, presente dentro do arcabouço ideológico da extrema-direita, decorre também do fundamentalismo religioso desse movimento.
Sendo assim, ambientes religiosos são peças chave nas disseminações de teorias da conspiração (incluindo a de que a NASA engana o mundo inteiro quando afirma a esfericidade da terra) e de Fake News – sempre carregadas de Discursos de ódio.
Em contextos fundamentalistas, por exemplo, se discute acerca da esquerda e daquilo que entendem por comunismo ser, supostamente, contra a existência de religiões, principalmente a cristã. Porém, ainda que esse discurso não encontre qualquer fundamento teórico na realidade, ele vem acompanhado do medo da perda e da agressividade projetada.
Não por acaso, segundo pesquisa realizada pelo IPEC (2023), dos 44% que acreditam que o Brasil pode se tornar um país comunista, 57% são evangélicos e 39% são católicos.
Esses discursos são, muitas vezes, proferidos por líderes religiosos com amplo alcance de massa, como é o caso do pastor Silas Malafaia, líder da rede Assembleia de Deus. Além disso, são apoiados por chefes de Estado, como é o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tinha por lema “Deus acima de todos” e afirmava, em rede nacional, ser o Brasil um “país cristão” – apesar da Laicidade do Estado garantida pela Constituição.
Apesar dos dados que afirmam a crescente perseguição e os crimes de ódio contra religiões de matriz africana, o discurso delirante propagado pela extrema-direita é o de que há uma perseguição contra religiões cristãs. Conforme o II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe (2023), as notificações de violência contra religiões de matriz africana cresceram mais de 270%, somente em 2021.
Ou seja, ao invés de perceber que muitos dos seus adeptos estão cometendo atos criminosos contra a liberdade religiosa de outros, acreditam firmemente que são eles os perseguidos. E a culpa por isso, seria, portanto, de supostos “governos comunistas”. Selecionam, dessa forma, quem serão os destinatários do Discurso de ódio.
Neste caso há, além de uma normalização desses discursos, a legitimação da violência contra tais grupos. Porém, a violência fruto desses Discursos de ódio se destina à pessoa defensora da causa, e não à teoria defendida, pois falta base para argumentar a respeito.
Discurso de ódio na internet
Nesse cenário de expansão da “cultura do ódio” no país, a internet possibilitou que muitos grupos encontrassem terreno fértil para capturar novos membros. Ou seja, a internet acaba funcionando como uma via de unificação de bases ideológicas propagadoras de discursos de ódio. E tais discursos rapidamente se tornam práticas, dentro ou fora da internet.
Em ambientes virtuais, onde mensagens circulam com rapidez, os movimentos de extrema-direita se organizam e capturam novos membros e os utilizam para propagar ódio às minorias. Há uma captura especialmente de homens brancos cis heterossexuais, fortalecendo os ideais supremacistas brancos e do “masculinismo”.
Além disso, há uma tendência ao crescimento de atividades neonazistas na internet. Segundo dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da Safernet, em 2020 foram 9.004 denúncias de ataques neonazistas nas redes, aumento de 740,7% se comparado ao ano anterior, que registrou 1.071 denúncias. Já em 2021, houve um aumento de 60,7% em relação à 2020.
Também existem jogos de vídeo game sendo comercializados e, que, por exemplo, permitem castigar e torturar pessoas negras tal como era praticada na escravidão. O Google Play o nomeou de “Simulador de Escravidão” e só foi removido após críticas de alguns movimentos. O Ministério Público de São Paulo (MPSP), que investiga a empresa criadora do game, Magnus Games, afirmou que existe um “discurso de ódio plenamente típico”.
Nas eleições de 2018 e 2022, mais especificamente, tivemos que lidar com Discursos de ódio e muitos disparos em massa de Fake News por canais de comunicação instantânea, como WhatsApp e Telegram ou até mesmo nas redes sociais mais usadas pela extrema-direita, como é o caso do Facebook e do Twitter.
É nessa perspectiva que acendem os debates sobre o papel das Big Techs na disseminação dos Discursos de ódio, isto é, das grandes empresas de tecnologia no ambiente virtual, como Google, Twitter, Meta (controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp), Telegram, TikTok, dentre outras. Isso porque elas funcionam sem nenhum tipo de regulação nem responsabilização pelas mensagens e crimes de ódio que ocorrem em seus espaços.
Conforme Evgeny Morozov, PhD em História da Ciência pela Universidade de Harvard,
“o modelo de negócio da Big Tech funciona de tal maneira que deixa de ser relevante se as mensagens disseminadas são verdadeiras ou falsas. Tudo o que importa é se elas viralizam (ou seja, se geram números recordes de cliques e curtidas), uma vez que é pela análise de nossos cliques e curtidas, depurados em retratos sintéticos de nossa personalidade, que essas empresas produzem seus enormes lucros”.
(MOROZOV, 2018, p. 11)
Portanto, funciona da mesma forma que a difusão dos Delírios de Massa, ou seja, não importa se a notícia espalhada na internet é falsa ou verdadeira, o que importa é que ela possui adesão e visualizações suficientes para engajar a página. As Fake News, desse modo, são notícias extremamente lucrativas.
Nesse cenário, o Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, é uma alternativa legislativa viável. Apesar de ser conhecido como PL das Fake News, ele discute a regulamentação de todas as plataformas digitais e canais de comunicação.
De acordo com o projeto, ele se aplica às redes sociais, ferramentas de busca, mensagem instantânea e provedores de conteúdo sob demanda. Além disso, se aprovado, será regido pelos seguintes princípios, dentre outros:
Art. 3°. A aplicação desta Lei deverá observar os seguintes princípios:
I – a defesa do Estado Democrático de Direito;
II – o fortalecimento do processo democrático, pluralismo político, liberdade de consciência e a liberdade de associação para fins lícitos;
III – o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados;
IV – a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o acesso à informação, o fomento à diversidade de informações no Brasil e a vedação à censura no ambiente online;
V – o livre desenvolvimento da personalidade, da dignidade, da honra e da imagem;
VI – a proteção de dados pessoais e da privacidade;
IX – a vedação à discriminação ilícita ou abusiva pelos provedores aos usuários;
X – a proteção dos consumidores. (grifo nosso)
Sendo assim, o PL visa, sobretudo, criar um ambiente virtual responsável e harmônico, através do fortalecimento da Democracia, dos Direitos Humanos, no controle na difusão de discursos de ódio e de notícias falsas (Fake News). Mais ainda, garante a segurança dos usuários das plataformas contra eventuais lesões/danos.
Diante das discussões acerca do Projeto de Lei, muitas empresas de tecnologia usaram do amplo acesso que possuem para espalhar notícias falsas. O Telegram, por exemplo, enviou mensagem em massa no aplicativo, no dia 09 de maio, sobre a possível “censura das redes” que ocorreria com a aprovação do Projeto. Diante dessa prática criminosa, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a retirada do conteúdo do ar. Porém, muitos já haviam lido e espalhado a mensagem.
Outro ponto interessante a ser ressaltado sobre essa plataforma é que, mesmo após os ataques à escola Primo Bitti, em Aracruz (ES), no dia 25 de novembro de 2022, ela se recusou a entregar os dados solicitados pela Justiça Federal do Espírito Santo. Segundo a polícia, o atirador integrava grupos neonazistas no Telegram.
Discurso de ódio e sua relação com a captura de jovens para o extremismo de direita
Inicialmente, queremos chamar atenção para a terminologia utilizada para se referir aos recentes casos de cooptação de jovens para o extremismo de direita. Apesar de altamente utilizado, o termo “radicalização de jovens” pode levar a confusões conceituais e generalizações prejudiciais, uma vez que o termo “radical” deriva de “raiz”, ou seja, algo/alguém que trabalha a raiz de um problema. Portanto, utilizaremos “extremismo de direita” por entendê-lo mais adequado.
Dito isso, frente à força da internet, o livre trânsito das redes sociais e canais de comunicação instantânea, principalmente através de grupos no Telegram e WhatsApp, ou comunidades no Discord, muitos grupos capturam adolescentes/jovens para o extremismo de direita, particularmente meninos/homens cisgênero, brancos, classe média, entre 10 e 22 anos.
Ocorre, em muitos casos, aquilo que é conhecido como “dinâmica de aceitação de grupo”, ou seja, jovens que se veem “deslocados”, que possuem dificuldade na socialização ou que, porventura, tenham sofrido bullying no ambiente escolar, acabam por se identificarem e se sentirem pertencentes aos grupos que são os executores desse tipo de violência nas escolas/redes sociais. A identificação ocorre, dessa forma, não com os oprimidos, mas com os opressores.
Segundo a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha, nesses ambientes extremistas, os jovens vivenciam “uma imersão no discurso de ódio, como se o mundo devesse alguma coisa pelo fato de eles serem brancos, que está sendo sonegado o êxito ou a vaga na universidade porque outros grupos estão sendo favorecidos”.
Diante disso, há um aumento do consumo de conteúdos racistas, homofóbicos, misóginos, supremacistas brancos ou neonazistas – assim como de livros nazistas proibidos nas livrarias mas encontrados na deep web. O movimento “Redpill”, por exemplo, que diz defender o masculinismo (ou o resgate à vida nas cavernas) e a salvação da sociedade “dominada por feministas” ganhou muitos adeptos na internet.
Discurso de ódio e liberdade de expressão
Apesar da comprovação de que discursos de ódio estão relacionados com o aumento dos índices de violência contra minorias, quem está por trás desses discursos afirma, em alto e bom som, tratar-se de um pleno exercício do direito à Liberdade de Expressão.
Entretanto, a restrição imposta a certos grupos propagadores de discursos de ódio não pode ser considerada censura – como muitos alegam – nem violação à liberdade de pensamento / comunicação.
Por essa razão, é interessante fazermos a diferenciação entre Liberdade de Expressão, Censura e Discurso de Ódio.
A Liberdade de Expressão, direito fundamental previsto no art. 5°, IX, e art. 220, da Constituição Federal/88, refere-se à livre exposição de uma determinada ideia, crença, opinião ou produção artística, intelectual ou científica.
Censura, por sua vez, pode ser definida como o impedimento ou restrição, de maneira intencional, ao exercício da Liberdade de Expressão, seja por motivos políticos, religiosos, artísticos ou ideológicos. A Censura é vedada por força do art. 220, §2°, CF/88.
De outro modo, Discurso de Ódio é a exposição de determinada ideia ou opinião que, por seu conteúdo, ataca honra/imagem e incita o ódio e a violência contra determinados grupos da sociedade. São discursos que carregam consigo a marca da violência e da opressão.
Verifica-se, com isso, a existência de uma linha que não pode ser cruzada, entre expor uma opinião livremente e incitar a prática de violência. Liberdade de Expressão não é, de modo algum, a liberdade concedida para disseminar ódio.
Portanto, da mesma forma que Discurso de Ódio não pode ser considerado exercício da Liberdade de Expressão, ele não pode ser objeto de Censura.
Discurso de ódio é crime?
Dessa forma, se entendermos que discursos de ódio nada mais são do que práticas discursivas que incentivam o ódio e a violência contra determinados grupos sociais – seja ela física, verbal, moral, psicológica ou patrimonial –, seus autores devem ser responsabilizados, na forma da lei.
Segundo o artigo 286, do Código Penal Brasileiro (1940), incitar publicamente a prática de um crime é passível de detenção de 3 a 6 meses, ou multa.
Além disso, a Lei 7.716/89, que define os crimes de racismo, atribui responsabilização àqueles que o praticam ou incitam. Segundo o artigo 20,
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) (grifo nosso)
Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Em matéria de discursos de ódio mediante a utilização de símbolos nazistas, por exemplo, o §1° afirma que
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) (grifo nosso)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Nos últimos anos, contudo, houve um aumento dos casos de discursos de ódio e injúria por raça ou cor em ambiente virtual – redes sociais e em canais de comunicação por mensagem. Visando proibir essas práticas e responsabilizar os autores desses crimes, o §2°, do art. 20, foi alterado neste ano, pela Lei 14.532/23, e passa a valer com a seguinte redação:
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza. (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023) (grifo nosso)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Em contextos de atividades esportivas, artísticas, culturais ou religiosas – lugares em que os casos de crimes de ódio aumentaram exponencialmente nos últimos anos – o dispositivo sofreu alteração e agora incluiu a criminalização de tais atos.
§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) (grifo nosso)
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)
Além disso, tendo em vista o aumento dos casos notificados de Discursos de ódio contra religiões de matriz africana, a violência praticada contra manifestações religiosas foi tipificada (considerada criminosa) e incluída no artigo 20, §2°-B,
§ 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) (grifo nosso)
Por fim, foi incluído no dispositivo uma causa de aumento de pena (majorante) por crimes de ódio cometidos em contextos recreativos. Adilson Moreira (2019) chama essa prática de Racismo Recreativo, isto é, quando utilizam do humor para desferir ódio e preconceito racial. De acordo com o art. 20-A,
Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) (grifo nosso)
Como a educação em direitos humanos (EDH) pode ajudar a combater os discursos de ódio?
Segundo a Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas sobre o Discurso de Ódio (2019), os compromissos fundamentais que devemos ter no enfrentamento ao discurso de ódio são:
- Vigilância e análise do discurso de ódio;
- Fazer frente às causas profundas, os fatores e os protagonistas do discurso de ódio;
- Alento e apoio às vítimas do discurso de ódio;
- Reunião dos agentes pertinentes;
- Colaboração com meios de comunicação novos e tradicionais;
- Uso da tecnologia;
- Uso da Educação como instrumento para afrontar e contestar o discurso de ódio;
- Promoção de Sociedades pacíficas, inclusivas e justas para fazer frente às causas profundas e aos fatores de discurso de ódio;
- Atividades de promoção;
- Elaboração de orientações para a comunicação externa;
- Aproveitamento de Alianças;
- Criação de capacidade de pessoal das Nações Unidas e,
- Apoio dos Estados Membros.
De acordo com António Guterres, Secretário-Geral das Organização das Nações Unidas (ONU), a Educação é
“uma ferramenta poderosa para combater discursos de ódio. Isto porque ela é capaz de transmitir valores como respeito aos direitos humanos, à diversidade, à justiça social e à igualdade de gênero, bem como prover aos educadores as habilidades de pensamento crítico necessárias para desafiar aqueles que promovem o ódio.”
Logo, a Educação, frente à esse contexto, tem o poder de trabalhar esses discursos não só diretamente, mas preventivamente, na abordagem de questões relacionadas aos Direitos Humanos e à dignidade humana, especialmente envolvendo minorias – como a importância das conquistas feministas e direito das mulheres, história negra e sua luta por direitos, cultura e defesa dos territórios indígenas, pautas de gênero e comunidade LGBTQIA+, migrações forçadas, etc.
Nesse cenário, o Sistema Educacional (básico, médio e superior) pode e deve estar alinhado, e ser aliado, a uma política inclusiva e diversa em Direitos Humanos. Tal fato se torna importante especialmente diante de ataques às escolas e à comunidade científica.
Nos últimos anos de governo pela extrema-direita reacionária, as políticas de educação e promoção em Direitos Humanos foram desmontadas, como é o caso do Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, Cultura de Paz e Direitos Humanos, criado em 2017 e que contava com 333 instituições de ensino superior. Por isso, a retomada da EDH no país é urgente.
Para que isso se concretize, é necessário cumprir, mais ainda, ampliar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), a fim de que esses discursos de ódio, que produzem práticas violentas contra minorias, sejam combatidos em sua integralidade.
Para Foucault, “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”. (FOUCAULT, 1996, p. 44).
Isso significa dizer que, se esse discurso de ódio é fruto de uma construção histórico-social, como analisado acima, ele pode ser desconstruído e (re)construído a depender dos sujeitos que estão protagonizando o sistema. Cabe a nós, nesse caso, superar a política de ódio no país e tornar-nos protagonistas conscientes do nosso próprio discurso.
Considerações finais
Diante do exposto, é notório que discursos de Ódio integram a ideologia da Extrema-Direita, disseminada através dos meios de comunicação de massa. Além disso, tais discursos passam pelo delírio de massa, cuja existência fornece base pro objeto e pro destinatário do ódio. Isto é, diz qual objeto será odiado (feminismo, antirracismo, comunismo, Direitos Humanos, ciência) e a quem o ódio se destina (mulheres, negras e negros, comunistas, defensores de DH, cientistas).
Somado a isso, frente às teorias conspiratórias da extrema-direita, a propagação de desinformação e os disparos em massa de Fake News em redes sociais, especialmente o WhatsApp e o Telegram, a mobilização do medo e, por consequência, do ódio contra tais grupos sociais, se fortalece. Há, além disso, a cooptação (captura) de jovens para o extremismo de direita.
Apesar do crescimento da violência contra grupos minoritários e do recente debate sobre a regulação das mídias digitais, através do PL 2630/20, muitos adeptos desses discursos de ódio utilizam da vedação constitucional à censura para se manterem propagando tais discursos.
Contudo, como foi demonstrado, discurso de ódio não pode ser considerado liberdade de expressão. Na realidade, a propagação de tais discursos é crime e deve ser tratado como tal, por isso é necessário um reforço na legislação.
Mas, para não apenas tratar expressamente da temática, é necessário elaborar medidas de prevenção para tais discursos. É, nesse cenário, que a Educação em Direitos Humanos (EDH) se localiza. A Educação tem o poder de elaborar assuntos relacionados às minorias e aos Direitos Humanos, à diversidade e à inclusão. Apenas dessa forma é possível superar a política de ódio no país.
Por isso, o Instituto Aurora criou o projeto “(Re)conectar: aproximando pessoas para superar a violência às escolas”, com objetivo de criar estratégias de prevenção ao extremismo violento entre jovens e à violência contra as escolas. São várias atividades previstas e foi criado um financiamento coletivo para sua viabilização.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
ADORNO, Theodor W. Aspectos do Novo radicalismo de direita. São Paulo, Editora Unesp, 2020.
CARVALHO, Andrea Galvão de. O discurso não verbal nas manifestações sociais: Argentina, Brasil e Espanha. IN: Matraga, rio de janeiro, v.26, n.46, p.145-164, jan./abr. 2019.
COMITÊ NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH).
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 3ed. São Paulo: Edições Loyola, 1989.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 5ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
HENRIQUE, Layane. PL das Fake News: os 10 pontos principais para entender o projeto de lei. IN: Politize.
MOROZOV, Evgeny. Big Tech: A ascensão de dados e a morte da política. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
NAÇÕES UNIDAS. Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas sobre o Discurso de Ódio.
TIBURI, Marcia. Delírio do Poder: Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação. 1°ed. Rio de Janeiro: Record, 2019.
UNESCO. II relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. IN: Digital Library.