Devemos sempre estar atentos às investidas do extremismo, que busca convencer por meio da desinformação, do revisionismo histórico e das teorias conspiracionistas.
Por Josiane A Iurkiu, para o Instituto Aurora
(Foto do Memorial da Resistência de SP. Crédito: Paulo Pinto / Agência Brasil)
O extremismo vem buscando caminhos para negar ou minimizar eventos históricos comprovados como o Holocausto, a escravidão, genocídios ou ditaduras e encontrou abrigo no revisionismo histórico e em teorias da conspiração. O revisionismo histórico, aqui, está em sua forma prejudicial, distinta da reinterpretação legítima com novas evidências. Aqui, ele é o negacionismo.
Quando o revisionismo se baseia em ideologias ou crenças para distorcer fatos, e não em novas evidências, para reinterpretar acontecimentos, ele se torna uma forma de negacionismo histórico. Isto é uma ferramenta que a extrema direita emprega para inverter os fatos a seu favor, contando a história com as lacunas e omissões que convém, tornado a história mais “interessante”, do ponto de vista conservador.
Essa distorção da realidade, gera uma série de prejuízos significativos para a sociedade, para a memória coletiva e para a própria democracia. Mina a confiança nas instituições democráticas, abre caminho para o retorno de práticas opressoras e para a propagação da desinformação, além de aumentar a polarização na sociedade.
O conspiracionismo é tão perigoso quanto o revisionismo histórico/ negacionismo histórico, pois promove a desconfiança generalizada, ameaça a saúde pública e aumenta a radicalização e violência, porque algumas teorias conspiracionistas incitam o ódio e a violência, culminando em atos extremos.
O que vamos ver neste artigo:
- O que é revisionismo histórico e como ele está ligado ao conspiracionismo
- Educação em Direitos Humanos para prevenir extremismos
Publicado em 23/07/2025.
O que é revisionismo histórico e como ele está ligado ao conspiracionismo
O revisionismo histórico deveria ser uma busca por novas evidências, uma pesquisa acadêmica, que traria um novo olhar ao fato histórico, uma nova interpretação sobre aquele acontecimento. Entretanto, quando se desvia da pesquisa acadêmica legítima, ele se torna o negacionismo, e se transforma em terreno fértil para as teorias da conspiração.
O termo “Revisionismo” pode causar ambiguidade, a depender do contexto em que for aplicado, pois a palavra adquiriu sentidos diferentes no decorrer do século XX. É possível compreendê-la como uma forma de pesquisa acadêmica, ou na forma pejorativa, como o negacionismo, ou revisionismo ideológico, em que é usado para influenciar e negar fatos históricos.
Conforme artigo do Portal de Periódicos da UNB, o termo “Revisionismo Histórico”, foi proposto pela primeira vez, pelo francês Robert Faurisson, professor de literatura em Lyon II, para se referir a escritos dedicados à negação deliberada dos crimes cometidos pelo nazismo contra os judeus. Em seu artigo de 1978, colocava em questão a existência das câmaras de gás nos campos de extermínio nazista. O artigo foi publicado pelo jornal Le Monde em dezembro daquele ano e causou controvérsias.
De acordo com o mesmo artigo do Portal de Periódicos da UNB:
“O uso de expressões como “revisionismo” ou “revisionista” dava às teses defendidas por Faurisson e outros negadores do Holocausto um aspecto de “verdade acadêmica/científica” da qual elas careciam e a qual reivindicavam. Como Faurisson foi o primeiro negador do Holocausto advindo dos meios acadêmicos, suas ideias causaram certo impacto e influência.”
A professora e Mestra em História pela Unesp, Anelise Vergara, em vídeo no YouTube, elucida muito bem as características do revisionismo histórico, ideológico, das conspirações e o negacionismo, como e por que se misturam e explica ainda que o revisionismo é uma prática comum na historiografia, mas que pode vir carregado de outras intenções não honestas e que direcionam a interpretações falaciosas.
Portanto, o revisionismo pelo viés negacionista, seleciona e distorce evidências, ignorando o contexto e apelando para a emoção, e não para a lógica. Tanto o revisionismo/negacionismo histórico, quanto o conspiracionismo, utilizam táticas semelhantes para construir suas narrativas, rejeitando o rigor metodológico e a análise crítica. E ambos os fenômenos tem uma relação simbiótica: um fenômeno alimenta e reforça o outro.
Exemplos de revisionismo histórico
O primeiro exemplo que será citado ocorreu em 2019, quando o então vice-presidente da república, Amilton Mourão, fez duas postagens em sua rede social, antigo Twiter, atual “X”, sobre História do Brasil. Conforme podemos conferir no artigo “Combates pela História do Brasil: uma resposta ao revisionismo histórico”, de autoria de Patrícia Valim e Jean Pierre Chauvin, publicado no Jornal da USP, Mourão comemorou a criação das capitanias hereditárias no reinado de d. João III, em 1532, afirmando que:
“(…) o país nascia pelo empreendedorismo que o faria um dos maiores do mundo. É hora de resgatar o melhor de nossas origens”.
E que:
“(…) donatários, bandeirantes, senhores e mestres do açúcar, canoeiros, tropeiros, com suas mulheres e famílias, fizeram o Brasil. Só um povo empreendedor constrói um país dessas dimensões que segue o destino manifesto de ser a maior democracia liberal do Hemisfério Sul”.
Entretanto, como podemos consultar no portal “Brasil Escola”, a empreitada foi um fracasso:
“As capitanias hereditárias como forma de administração e colonização da América Portuguesa fracassaram. A existência delas no Brasil estendeu-se até o século XVIII, mas esse sistema, enquanto único existente no desenvolvimento da colonização do Brasil, foi rapidamente substituído por outro, que criou uma estrutura que centralizava o poder na colônia.”
O próximo exemplo é do artigo de Faurisson, já citado anteriormente, que foi publicado pelo jornal Le Monde em dezembro de 1978, e mencionado no artigo do Portal de Periódicos da UNB, em que ele colocava em questão a existência das câmaras de gás nos campos de extermínio nazista. É um exemplo de revisionismo histórico usado em favor do negacionismo.
Outro exemplo recente de revisionismo, e que distorce a realidade, foi a declaração feita pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), no dia 3 de abril deste ano, 2025. Em seu discurso no Senado, listou vários episódios históricos para defender a anistia ao 8 de Janeiro; dando a entender que o Brasil teria uma certa “tradição em perdoar”, por conta de seu passado, em outras anistias já dadas. A assessoria da senadora afirmou para “Aos Fatos” que:
“(…) objetivo de seu discurso não era “fazer análise histórica ou política” dos eventos citados, mas apenas ‘enfatizar a retórica de que o instituto da anistia não é novidade em nosso arcabouço jurídico’, e argumentou o fato de os episódios mencionados também terem envolvido repressão”
Quais os perigos do revisionismo histórico
A forma como a expressão “revisionismo histórico” foi apropriada por extremistas e oportunistas, permite maior engajamento midiático, envolve apelo emocional e até passional, pois incitam ações generalizadas e violentas.
O revisionismo aplicado como forma de manipulação pode:
- Distorcer a realidade e a memória coletiva, negando acontecimentos e fatos comprovados, como o Holocausto e a escravidão, por exemplo. A recusa em aceitar os fatos e agilidade com que a informação falsa é disseminada, dificulta a capacidade de análise e compreensão crítica deles.
- Estremecer a confiança na democracia e nos direitos humanos, ao negar atos violentos, torturas e o autoritarismo, buscam legitimar suas narrativas absolutistas e abalar a segurança nas instituições democráticas, propiciando a instalação de regimes autoritários e opressores.
- Alimenta teorias da conspiração, minando a confiança em fontes oficiais, oferecendo soluções simples para problemas complexos, explorando o emocional e a fragilidade das pessoas, é um apelo sentimental que conquista as massas.
- Propagar a desinformação, o revisionismo ideológico faz uso de mídias digitais, divulgam fake news e se aproveitam dos atuais tempos de infodemia, onde as pessoas sem tempo para apurar os fatos confiam em seus contatos e espalham mais notícias falsas.
- Dividir a sociedade e aumentar a polarização, usam da reinterpretação do passado para justificar agendas políticas, aumentando a polarização e criando divisões que fortalecem grupos oportunistas.
No artigo “Por que as pessoas tendem a acreditar em teorias da conspiração na era digital”, publicado no Jornal da USP, Daniel Kupermann, professor do Instituto de Psicologia da USP, esclarece como funciona o mecanismo da manipulação das massas por meio da conspiração. O artigo é da época da pandemia, quando o conspiracionismo encontrou solo fértil em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O revisionismo histórico percorreu o mesmo caminho:
“Ao encarar uma situação adversa ameaçadora, os indivíduos em situação vulnerável tendem a recusar a realidade e a procurar subterfúgios que os protejam psicologicamente da realidade. Nós tendemos a nos defender, uma das formas de se defender é recusar uma parte da realidade em detrimento de outra. Traduzindo isso para uma linguagem bem simples: você está ameaçado por um vírus que provocou uma pandemia. Todos vivendo uma enorme incerteza, não podendo andar na rua, sem ver seus entes queridos, temendo pela própria vida, economicamente uma situação completamente instável. Vem um líder e diz: eu sei de onde vem esse vírus, eu sei quem provocou esse vírus, e começa a trabalhar com a recusa. De um lado, ele diz que o problema não é tão perigoso, de outro lado, ele diz que tem a cura, um remédio que não tem nenhuma fundamentação científica. (…).
Kupermann conclui: “(…) Quando nós estamos vulneráveis e alguém apresenta uma solução, você entende que, do ponto de vista psíquico, é mais fácil acreditar nisso do que ficar na incerteza”.
Como o revisionismo histórico está ligado a extremismos
A manipulação da história pelo revisionismo negacionista é, portanto, uma tática central para o extremismo. Ao distorcer o passado, buscam moldar o presente e justificar um futuro que frequentemente envolve intolerância, opressão e violência contra aqueles que não se encaixam em sua visão de mundo.
Ao dar embasamento às conspirações, o revisionismo histórico:
- Legitima a desconfiança, porque as pessoas que acreditam em uma conspiração sobre um evento atual (por exemplo, a de que certas doenças são uma farsa da indústria farmacêutica), ficam mais suscetíveis a aceitarem a ideia de que eventos históricos também foram fabricados ou distorcidos por conspiradores;
- Fortalece o “nós contra eles”. Essa mentalidade dualista pode ser facilmente aplicada ao passado, onde os “revisionistas” se veem como defensores da verdade contra uma narrativa histórica imposta;
- Trazem explicações simples para eventos complexos, simplificam a realidade, em uma narrativa de bons e maus, vítimas e conspiradores. Isso é atraente para quem busca respostas fáceis em um mundo incerto;
- A partir daí, criam comunidades de crença, onde tanto negacionistas quanto conspiracionistas formam comunidades online e offline, suas “verdades” são reforçadas e a desconfiança em fontes externas é incentivada. Isso cria um ambiente de bolha que valida suas crenças, tornando-as mais resistentes a fatos e evidências.
Portanto, a ligação entre revisionismo histórico (em sua forma negacionista) e o extremismo é uma das mais preocupantes e perigosas. O revisionismo se torna uma ferramenta ideológica crucial para movimentos extremistas, seja de direita, esquerda ou de base religiosa, ao manipular o passado para justificar suas agendas presentes e futuras.
Educação em Direitos Humanos para prevenir extremismos
É necessário desconstruir narrativas extremistas, compreender os princípios dos direitos humanos, para ser capaz de reconhecer quando declarações violam a dignidade alheia, através da identificação de discursos de ódio e desinformação.
A Educação em Direitos Humanos promove a empatia e o respeito à diversidade, valorizando o outro, o diálogo, o respeito intercultural e inter-religioso. Fortalece a cidadania ativa e responsável e a resolução pacífica de conflitos.
O enfrentamento do negacionismo e a valorização da memória fortalecem o combate ao revisionismo histórico (em sua forma negacionista) e o conspiracionismo.
Por fim, tanto o revisionismo histórico prejudicial quanto as teorias conspiracionistas representam sérios riscos para a coerência social, a estabilidade política e a capacidade da sociedade de aprender com seus próprios erros e enfrentar desafios de forma racional e colaborativa.
O Instituto Aurora atua pela promoção e defesa da Educação em Direitos Humanos. Conheça o nosso projeto “(Re)conectar”, focado no combate e prevenção do discurso de ódio e extremismo nas escolas.
Outras referências que usamos neste artigo:
Adolescentes são mais vulneráveis a teorias da conspiração | Educamídia
Infodemia | Academia Brasileira de Letras
O revisionismo e os perigos da mentira deliberada na perspectiva de Hannah Arendt
O revisionismo histórico e a desinformação | Educamídia
Por que a inteligência não repele teorias da conspiração | Nexo Jornal