Em 2015, os países-membros da ONU propuseram 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que buscam integrar aspectos do bem-estar humano e do planeta. A menos de uma década para o prazo final da Agenda 2023, o Instituto Aurora segue comprometido para a concretização dos ODS através da democratização do conhecimento e dos Direitos Humanos. Por isso, hoje trataremos de um importante aspecto do ODS 8: a eliminação do trabalho infantil em todas as suas formas.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
(Foto: Berna Tosun / Pexels)
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um apelo global à ação para a erradicação da pobreza, a proteção ambiental e climática e a garantia de paz e prosperidade a todas as pessoas ao redor do mundo, independente da origem, raça, cor ou etnia. Eles foram firmados no âmbito da ONU em 2015, e são divididos em 17 objetivos principais a serem atingidos até 2030.
Neste texto, especificamente, vamos abordar um aspecto fundamental à concretização do ODS 8, que trata, de maneira geral, do trabalho decente e do crescimento econômico. Esse objetivo geral se desdobra em 10 metas necessárias ao seu alcance pleno, entre elas: a eliminação de todas as formas de trabalho infantil até 2025; foco da nossa conversa de hoje.
Após essa leitura, você também pode explorar mais os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em nosso site, é só acessar o nosso blog.
O que vamos abordar neste artigo:
Publicado em 29/11/2023.
Proteção à criança no Brasil e no Mundo
As crianças e os adolescentes são pessoas em desenvolvimento, por isso, além dos direitos comuns a todos e todas nós, eles são destinatários de direitos específicos voltados à sua maior proteção.
No âmbito internacional, o instrumento básico de proteção à criança é a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990. A Convenção, ao longo de seu texto, estabelece diversos deveres impostos aos países signatários com o objetivo de salvaguardar os mais variados aspectos da vida da criança, entre eles, por exemplo, a proteção contra todas as formas de exploração que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bem-estar.
Especificamente acerca do trabalho infantil, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou duas convenções que visam combater a exploração da criança: a) a Convenção nº 138, que estipula a idade mínima permitida de 16 anos para admissão ao trabalho; e b) a Convenção nº182, que proíbe as piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. Ressalta-se que o Brasil aderiu às duas convenções citadas.
A nossa Constituição Federal, promulgada em 1988, também assegura uma série de direitos protetivos à criança e ao adolescente. Relativamente ao trabalho infantil, foi estabelecida, em seu artigo 7º, a proibição de qualquer trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz após completar 14 anos. Além disso, também proibiu trabalhos noturnos, insalubres ou perigosos à população com menos de 18 anos.
Não apenas, a Constituição Federal se preocupou em reconhecer e garantir aos adolescentes direitos previdenciários e trabalhistas; bem como assegurar o acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola, conforme se extrai de seu artigo 227.
Além de todos esses instrumentos normativos, não podemos esquecer do Estatuto da Criança e do Adolescente, que complementa os dispositivos constitucionais e reforça a proteção de todas as crianças e adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
Trabalho Infantil e Desigualdade Social
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, o trabalho infantil, na maioria das vezes, é causa e efeito da pobreza e da ausência de oportunidades para um futuro melhor. Assim, essa situação impacta, diretamente, o nível de desenvolvimento das nações, motivo pelo qual a erradicação do trabalho infantil está na pauta do dia na Organização das Nações Unidas.
A ausência de condições financeiras de uma família acaba por ter como consequência a imposição do trabalho aos filhos para complementação da renda. Diante dessa dinâmica, as crianças e adolescentes acabam apresentando evasão escolar. Conforme se conclui de texto publicado pelo UNICEF, quase 28% das crianças de 5 a 11 anos e 35% dos meninos e meninas de 12 a 14 anos em situação de trabalho infantil estão fora da escola. Essa situação, no entanto, restringe severamente as perspectivas para um trabalho decente na vida adulta, o que acarreta uma baixa renda familiar.
Através da análise de dados apresentados pela UNICEF, o setor agrícola é responsável por 70% das crianças e dos adolescentes em situação de trabalho infantil (112 milhões), seguido por 20% no setor de serviços (31,4 milhões) e 10% na indústria (16,5 milhões).
O setor agrícola, além de ser o que mais explora crianças e adolescentes, também é o mais perigoso, segundo lista produzida pelo Governo Federal, aprovada pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. Além do trabalho agrícola, destacam-se ainda:
- Trabalho infantil na agricultura;
- Trabalho infantil doméstico;
- Trabalho Infantil na produção e tráfico de drogas;
- Trabalho infantil informal urbano;
- Trabalho infantil no lixo e com o lixo;
- Exploração sexual de crianças e adolescentes;
Embora não haja dados sobre os valores pagos às crianças e adolescentes em troca da mão de obra, presume-se que os setores acima citados não são bem remunerados, nem mesmo para um adulto. Logo, isso corrobora com a conclusão de que o trabalho infantil não proporciona oportunidade para um trabalho melhor e para o aumento de renda familiar na vida adulta, alimentando o ciclo de desigualdade social.
Consequências nocivas do trabalho infantil
Conforme vimos acima, o trabalho infantil é expressamente proibido em vários instrumentos normativos, sendo permitido apenas, de forma restrita, a maiores de 16 anos. Essa proibição visa proteger os direitos à vida, à saúde, à educação, ao brincar, ao lazer, à formação profissional e à convivência familiar.
Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, o trabalho infantil é reconhecido como uma das formas de exploração mais prejudiciais ao desenvolvimento pleno do ser humano, atingindo, especialmente, três aspectos principais: físico, psicológico e educacionais.
O Governo Federal produziu um relatório, do qual se extrai os seguintes malefícios à saúde das crianças e adolescentes submetidos ao trabalho desde pequenos:
- Saúde Mental: as crianças e adolescentes que estão inseridos precocemente em atividades de trabalho deixam de desfrutar da alegria natural da infância, tornando-se tristes, desanimados, apáticos, desconfiados, amedrontados e pouco sociáveis;
- Sistema Musculoesquelético: os esforços excessivos e repetitivos, aliados à nutrição deficiente, podem prejudicar a formação e o crescimento da musculatura levando a quadros de dor e a doenças em fibras musculares (tendinites, fascites e outras) podendo gerar repercussões futuras e deixar as crianças e adolescentes mais vulneráveis à ocorrência de traumas e lesões;
- Sistema cardiorrespiratório: as frequências respiratórias e cardíacas das crianças são muito maiores que no adulto, sendo mais rápida a intoxicação por via respiratória e a necessidade de esforço do coração para realizar as mesmas tarefas que um adulto;
- Pele: a camada protetora da pele das crianças ainda não está totalmente desenvolvida e o contato frequente e intenso com ferramentas, superfícies ásperas, produtos cáusticos ou abrasivos; faz com que a pele se danifique com maior facilidade resultando em pequenas lesões, que as deixam mais expostas a infecções por microorganismos e a absorção de produtos químicos presentes no ambiente;
- Sistema imunológico: as crianças têm o sistema imunológico ainda imaturo, tendo menor capacidade de defesa imunológica ante as agressões externas, de natureza química ou biológica. Elas ficam ainda mais vulneráveis ao adoecimento quando submetidas a situações de estresse e a deficiências nutricionais;
- Sistema nervoso: o sistema nervoso central (cérebro) e periférico (nervos) dos jovens, têm maiores proporções de gordura o que os deixa mais sensíveis a absorção e aos impactos dos produtos químicos lipossolúveis (que se dissolvem em gorduras). Além disso, devido ao menor peso corporal, ao desenvolvimento incompleto dos mecanismos desintoxicantes, e ao fato do sistema digestivo das crianças e adolescentes estar preparado para a máxima absorção, as crianças e adolescentes podem ser mais afetados pela exposição às mesmas quantidades de agentes químicos do que os adultos, causando importantes consequências neurológicas.
As consequências nocivas do trabalho infantil não são meras abstrações, ao contrário, são possíveis de comprovação através de dados. Segundo o relatório do Governo Federal acima citado, entre os anos de 2007 e 2019, foram registrados no Sinan 27.971 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes. Ainda, foi constatado que a parte do corpo mais atingida nos acidentes, independente da faixa etária, foi a mão, seguida do membro superior e membro inferior.
Percebe-se, assim, que as características físicas e psíquicas de crianças e adolescentes são incompatíveis com as atividades exigidas pelo trabalho, o que os tornam mais vulneráveis aos riscos existentes no ambiente laboral. Não apenas, o trabalho infantil ainda priva a criança de momentos imprescindíveis para a educação, atividades lúdicas e lazer.
Como mudar esse cenário?
Conforme a Organização Internacional do Trabalho, em 2020, 160 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram vítimas de trabalho infantil no mundo (97 milhões de meninos e 63 milhões de meninas); em outras palavras: uma em cada 10 crianças e adolescentes ao redor do mundo se encontravam em situação de trabalho infantil.
Segundo os dados coletados pelo UNICEF em São Paulo, houve um aumento da situação de trabalho infantil durante a pandemia. Entre os dados levantados de abril a julho de 2020, o UNICEF identificou a intensificação do trabalho infantil, com aumento de 26% entre as famílias entrevistadas em maio, comparadas às entrevistadas em julho.
Diante desse cenário, o UNICEF e a OIT fizeram as seguintes recomendações:
- Proteção social adequada para todos, incluindo benefícios universais para crianças e adolescentes;
- Aumento dos gastos com educação de qualidade e retorno de todas as crianças e todos os adolescentes à escola – incluindo quem estava fora da escola antes da pandemia de Covid-19;
- Promoção de trabalho decente para adultos, para que as famílias não tenham que recorrer às crianças e aos adolescentes para ajudar a gerar renda familiar;
- O fim das normas prejudiciais de gênero e da discriminação que influenciam o trabalho infantil;
- Investimento em sistemas de proteção infantil, desenvolvimento agrícola, serviços públicos rurais, infraestrutura e meios de subsistência;
Além disso, o UNICEF e a OIT reforçaram o incentivo aos Estados membros, empresas, sindicatos, sociedade civil e organizações regionais e internacionais para que redobrem seus esforços na luta global contra o trabalho infantil, fazendo promessas de ação concretas.
Nesse sentido, o Instituto Aurora tem se comprometido cada vez mais a ampliar a educação em Direitos Humanos, aumentando seus projetos em escolas e promovendo diálogo com instituições públicas, buscando a elaboração de normas e políticas públicas para a proteção de grupos mais vulneráveis.
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