A LGBTfobia, caraterizada como uma rejeição a pessoas que desejam e/ou se relacionam com pessoas do mesmo sexo, causa centenas de morte todos os anos no Brasil, considerado o país mais homotransfóbico do mundo. A legislação, ainda muito recente, junto aos movimentos da comunidade LGBT+, buscam combater discursos extremistas de ódio e as desinformações estereotipadas e estigmatizadas.
Por Nayara Caroline Rosolen, para o Instituto Aurora.
(Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)
Foi só em 17 de maio de 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo “homossexualismo” do Código Internacional de Doenças, categorizado pelo sufixo “ismo” como uma patologia. Desde então, o correto é utilizar “homossexualidade” para aqueles que desejam ou se relacionam com pessoas do mesmo sexo. A data é relembrada todos os anos como o Dia Internacional de Combate à Homofobia, que, ao longo dos anos, incluiu outras orientações sexuais e identidades de gênero, com o termo LGBTfobia.
Mais de três décadas depois, muitos espaços foram conquistados pela comunidade LGBT+, que avançam as discussões no intuito de quebrar estigmas e estereótipos que potencializam o preconceito e a violência contra pessoas da comunidade. Mesmo assim, o Brasil ainda é o país mais homotransfóbico do mundo. Mas a situação pode ser ainda pior, devido à subnotificação e escassez de estatísticas oficiais.
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Publicado em 29/01/2025.
Manifestações da LGBTfobia
Em 2023, foram registradas 257 mortes violentas de pessoas LGBT+, de acordo com levantamento da organização social LGBT+ mais antiga da América Latina, o Grupo Gay da Bahia (GGB). Conforme noticiado pelo G1, naquele ano, o país registrou o maior número de homicídios e suicídios no planeta: 127 travestis e transgêneros, 118 gays, 9 lésbicas e 3 bissexuais. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são os estados mais violentos, com 34, 30 e 28 mortes, respectivamente. Já o Acre, o Distrito Federal e Tocantins aparecem como os três últimos da lista, com uma morte cada.
Esse cenário é reflexo da LGBTfobia contra pessoas que pertencem à comunidade. A violência praticada é um fenômeno histórico e culturalmente construído. “Pode ser definida como a rejeição, o medo, o preconceito, a discriminação, a aversão ou o ódio, de conteúdo individual ou coletivo, contra aquelas (es) que, supostamente, sentem desejo ou têm práticas sexuais com indivíduos do mesmo sexo biológico (…) consiste numa permanente promoção de apenas uma forma de sexualidade (heterossexual) e de uma única forma de identidade de gênero (cisgênero) em detrimento de outras formas de desejo”, informam o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social e o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.
De acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), e divulgado pelo Fundo Brasil, cerca de 20 milhões de brasileiros e brasileiras se identificam como pessoas LGBT+ e 92,5% relatam o aumento de violência. Um estudo realizado pelo psiquiatra Giancarlo Spizzirri, com seis mil entrevistados de 129 cidades de todas as regiões do país, pessoas transexuais relataram 25 vezes mais episódios de agressões sexuais se comparado com homens cisgênero.
A situação não se torna mais fácil para as organizações da sociedade civil (OSC) que buscam acolher e dar voz às vítimas. Mais de 90 OSC demonstram que, além da violência, enfrentam também a falta de apoio financeiro e a desigualdade. Realidade conectada ao conservadorismo, à cultura heteronormativa e a grupos nazistas e fascistas.
O preconceito destinado à comunidade impacta a saúde física e mental dos indivíduos e advém dos mais diversos âmbitos da vida, inclusive profissional. O Fundo Brasil apresentou um levantamento realizado pelo Center for Talent Innovation que diz que “61% dos funcionários gays e lésbicas decidem por esconder sua sexualidade de gestores e colegas em virtude do medo de perder o emprego”.
Não por acaso, 41% das pessoas LGBT+ já sofreu discriminação pela orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho, e 90% das travestis se prostituem por não conseguir outro tipo de emprego, ainda que sejam qualificadas.
Direitos e acessos
O PL nº 122, apresentado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2006, visava a criminalização da homofobia. No entanto, oito anos depois, em dezembro de 2014, foi arquivado, sem a realização de uma audiência com representantes do movimento LGBT+. Apenas em 2019 é que o Supremo Tribunal Federal (STF) configurou atos LGBTfóbicos crime, previsto na Lei nº 7.716/89, que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, através do mandado de injunção (MI) 4733.
O Governo de Mato Grosso do Sul (MS) diferencia o racismo da injúria racial qualificada (art. 140, parágrafo 3º do Código Penal brasileiro). O primeiro diz respeito a uma ofensa genérica, incluindo toda a comunidade, por exemplo, ou impedimento de acesso a espaços. O racismo é inafiançável e imprescritível, com ação pública incondicionada. Ou seja, o autor pode ser processado pelo Ministério Público.
Enquanto a injúria racial se trata da ofensa da dignidade ou decoro direcionada à vítima de forma individual. Neste caso, a ação penal pública é condicionada à representação do ofendido. “O Ministério Público pode ajuizar, mas é preciso que a vítima requeira essa providência dentro do prazo de seis meses, contado do dia que veio a saber quem é o autor, sob pena de decadência e extinção do direito de punir do Estado”, explica.
O Governo Federal do Brasil possui um Grupo de Trabalho do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que apresenta estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo, e para a proposição de políticas públicas em direitos humanos sobre o tema. Em um relatório de recomendações, tratam o Enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo no Brasil.
Na saúde, a Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011, instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que hoje faz parte da Portaria de Consolidação GM/MS nº 2/2017.
Desde 28 de abril de 2016, o Decreto nº 8.727 também dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Sete anos depois, em 6 de abril de 2023, o Decreto nº 11.471 instituiu o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e outras (CNLGBTQIA+) no âmbito dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Mas a comunidade não deixa de passar por constrangimentos ao buscar um atendimento para saúde, por exemplo. De acordo com o Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: promoção da equidade e da integralidade, de 40% a 60% das mulheres que acessaram serviços de saúde não revelaram a orientação sexual para os profissionais. Mais da metade daquelas que o fizeram, relatam reações negativas, discriminatórias ou surpresa: 28% observam um atendimento mais rápido e em 17% dos casos não foram solicitados exames que as pacientes entendiam ser necessários.
Em contrapartida, há profissionais que lutam e trabalham a favor dos direitos e da saúde da comunidade LGBT+. Em julho de 2023, a agente comunitária de saúde (ACS) Karla Michelle Minervino venceu a 18ª Mostra Brasil, Aqui tem SUS com o projeto População LGBTQIAP+ sob a ótica do cuidado do agente comunitário de saúde: um relato experiência, devido ao trabalho realizado em São Rafael, uma cidade do interior do Rio Grande do Norte com quase oito mil habitantes.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) deve garantir a perspectiva da equidade e da diversidade no desenvolvimento das ações, programas, benefícios, serviços e projetos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Alguns dos trabalhos realizados para acolhimento e apoio de pessoas LGBT+ são:
- Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): atende e acompanha a população que sofre LGBTfobia.
- Proteção Social Básica: dá acesso a benefícios socioassistencialistas, atendimento a famílias e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
- Trabalho Social com Famílias: atua na prevenção e violações de direitos, fortalece potencialidades e desconstrói a discriminação por meio de campanhas, palestras, grupos e oficinas.
- Programa Acessuas Trabalho: promove e oferece condições e trajetórias de recuperação de oportunidades e ações voltadas à inserção do público LGBT+ no mercado de trabalho, em especial pessoas transexuais.
“Ter empatia é revolucionário”
A comunicação e a ciência possuem um papel fundamental no processo de desmistificação e na resistência de pessoas LGBTQIAPN+. Além da educação em direitos humanos, trabalho realizado pelo Instituto Aurora, a linguagem utilizada em todos os meios tem o poder de formar a mentalidade e o comportamento da sociedade, que são influenciados pela cultura, especialmente no período de combate à desinformação que a humanidade vive.
Nos anos 1980, por exemplo, momento em que houve uma explosão de casos de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), gays e transexuais foram incluídos como pessoas do grupo de risco. Uma desinformação amplamente reproduzida, mas advinda de preconceito e discriminação, visto que, naquele momento, pouco se sabia a respeito da doença e não havia nenhuma comprovação científica.
Muito desse pensamento está associado a uma radicalização conservadora. No artigo O que significa educação em direitos humanos?, escrito por André Bakker da Silveira, o autor explica que esse extremismo se refere “às crenças e ações de indivíduos que fazem uso ou endossam a violência como forma de alcançar objetivos ideológicos, religiosos ou políticos (como ensinado pela professora da Universidade de Columbia Felisa Tibbitts). Soma-se a isso o fato de que, em grande parte, essas ideias são construídas sem lastro na realidade, isto é, envoltas de mentiras, informações falsas e teorias da conspiração”.
Ainda que hoje a globalização e o rápido avanço das tecnologias possibilitem maior acesso a informações, estas chegam instantaneamente em volumes tão grandes que, muitas vezes, é difícil separar o que é verdadeiro do que é falso. Mas isso não é justificativa para que discursos preconceituosos ou que incitem o ódio sejam espalhados.
Ao abordar o Discurso de ódio: ascensão da extrema-direita e práticas discursivas, Gabriela Assad destaca que essa prática é colocada contra grupos sociais minorizados, para manter o poder daqueles dominantes. E quando se trata das redes sociais ou canais de comunicação de massa, isso é potencializado. Não apenas pela facilidade de disseminação a um maior número de pessoas, mas também porque sentem maior liberdade para expor ideias supremacistas e carregadas de estigmas.
Pensando nesse poder de influência destes meios, a Aliança Nacional LGBTI+, junto do GayLatino, criou um Manual de Comunicação LGBTI+, lançado através da Enciclopédia LGBTI+. O documento traz uma explicação completa das terminologias de gênero e orientação sexual, além de trazer as diferenças entre preconceito, estigma, estereótipo, discriminação e os diferentes tipos de violência. É possível encontrar ainda o resgate histórico de termos, siglas e marcos da luta da comunidade, desde a Grécia Antiga.
Um dos fundadores do Grupo Dignidade e presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis abordou o ativismo da comunidade na segunda edição do programa Pajubá, que dá voz às pessoas LGBT+. “A gente não pode combater ódio com ódio. A gente tem que combater o ódio com informação, com afeto, com empatia. Mostrar que a pessoa pode evoluir. E o respeito é uma evolução. Tem empatia é revolucionário”, declarou Toni.
Veja algumas dicas de como atuar contra a LGBTfobia através de pequenas, mas bastante significativas, substituições na linguagem, indicadas pelo Manual:
- GLS por LGBTI
- Hermafrodita por intersexo
- Homossexualismo por homossexualidade
- Opção sexual por orientação sexual
- “O” travesti por “A” travesti
- Assexual e não “assexuada” ou “assexuado”
- Parceiro homossexual e casal homossexual por casal homoafetivo
- Família homossexual por família homotransparental
- Mudança de sexo por readequação de sexo e gênero
No estudo Discursos sobre a criminalização da homofobia e da transfobia no portal de notícias O Antagonista, os pesquisadores Raylton Tavares e Rosângela de Sousa tratam das práticas sociais que perpassam corpos e linguagens. O livro em espanhol Violencia contra personas LGBTI, da Comisión Interamericana de Derechos Humanos, também trata dos diferentes tipos de violência e a dificuldade de acesso a dados reais de forma mais aprofundada.
A base para a construção de uma sociedade mais respeitosa e antiLGBTfóbica, assim como todos os preconceitos impregnados socialmente, está na educação. Por meio do projeto (Re)conectar, o Instituto Aurora aproxima pessoas para superar a violência nas escolas. Conheça e baixe os conteúdos gratuitamente.
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