Neste artigo, vamos abordar a Lei Maria da Penha, o histórico, avanços, e os desafios que perduram na luta contra a violência doméstica no Brasil.
Por Erick da Luz Scherf, para o Instituto Aurora
(Foto: Franciele Correa. Arte: Café)
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, está completando 15 anos este mês, em agosto de 2021, e o que temos a comemorar?
A Lei Maria da Penha surgiu com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Passados 15 anos desde sua aprovação no Congresso Nacional é necessário que perguntemos quais efeitos a Lei produziu, tem produzido ou deixou de produzir efetivamente em relação à proteção da mulher e de seus direitos dentro do âmbito familiar.
É importante ressaltar que a Lei completa seu aniversário de 15 anos em um contexto social desfavorável para as mulheres no Brasil, principalmente para aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. De acordo com dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o país registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulher em 2020, um aumento considerável em virtude, principalmente, da pandemia da Covid-19 que há mais de um ano assola nossa nação e que condenou vítima e agressor a estarem dentro de casa, juntos, por muito mais tempo.
Nesse sentido, nosso papel é de relembrar as conquistas que a Lei Maria da Penha trouxe consigo, a importância da sua existência, mas acima de tudo fazer entender que este momento é muito mais de reflexão do que de comemoração.
O que vamos abordar neste artigo:
- O histórico da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha)
- Violência doméstica no Brasil de hoje: um mal social que persiste
- Apesar de conquistas importantes, sobram ainda muitos desafios
Publicado em 06/08/2021.
O histórico da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha)
A “Lei Maria da Penha” – como é popularmente conhecida a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – carrega o nome de sua precursora, Maria da Penha Maia Fernandes. Cearense, nascida em Fortaleza em 1º de fevereiro de 1945, Maria da Penha é farmacêutica e mestre em Parasitologia em Análises Clínicas pela USP. Sua trágica história de violência doméstica reflete um quadro sistêmico da violência contra a mulher no Brasil, que atravessa todas as classes e posições sociais.
Maria da Penha casou-se com Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, em 1976, e, de acordo com relatos disponíveis publicamente no site do Instituto Maria da Penha, as agressões começaram a acontecer quando ele conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou profissionalmente no país. Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de assassinato por parte de seu esposo. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia, e quatro meses depois, quando ela voltou para casa do hospital – após duas cirurgias, internações e tratamentos – ele tentou eletrocutá-la durante o banho.
Maria da Penha lutou por justiça durante pouco mais de 19 anos em um sistema jurídico que até então não reconhecia a necessidade de proteger a mulher e sua integridade física e emocional. Marco Antonio, o agressor de Maria da Penha, escapou da Justiça por duas vezes consecutivas, e apesar de ter sido condenado nos anos de 1991 e 1996, manteve-se em liberdade. Em 1998, o caso ganhou repercussão internacional e foi ajuizado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
A história de Maria da Penha significava muito mais do que um caso isolado: era um exemplo do que acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos, e que resultou posteriormente na condenação do Estado brasileiro no Sistema Interamericano de direitos humanos por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Em 2002, a combinação entre litígio internacional e ativismo nacional do Consórcio de ONGs Feministas levou à elaboração do Projeto de Lei nº 4.559 de 2004, aprovado unanimemente em ambas as Casas do Legislativo federal e sancionado em 7 de agosto de 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as principais inovações da Lei Maria da Penha foram:
- a tipificação penal e definição formal da violência doméstica e familiar contra a mulher;
- a alteração do Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;
- além da criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal, entre outras inovações jurídicas e sociais no combate à violência doméstica no Brasil.
Todavia, apesar dos importantes avanços trazidos pela Lei, o cenário da violência doméstica continua a assolar milhares de mulheres todos os anos em nosso país e continua a fazer vítimas fatais. Portanto, é necessário que enxerguemos a violência doméstica como um problema estrutural de gênero que possibilita a violação diária dos direitos da mulher em seu próprio lar.
Violência doméstica no Brasil de hoje: um mal social que persiste
De acordo com os dados mais recentes do IPEC, a cada minuto, 25 brasileiras sofrem violência doméstica. Em comparação, o Brasil teve 12 denúncias de violência contra a mulher por hora em 2020. Ou seja, o cenário pandêmico apenas exacerbou uma realidade marcada pela violência generalizada de gênero que se soma ao aprofundamento das desigualdades e da precarização da situação da mulher no mercado de trabalho e na sociedade de modo geral.
Para a Dra. Shana Schlottfeldt, analista legislativa da Câmara dos Deputados, a violência contra a mulher não é algo novo, tem raízes nas desigualdades de gênero, no machismo e patriarcalismo da sociedade brasileira. Para ela, a novidade são as proteções judiciais concedidas principalmente pela Lei Maria da Penha e também pela Lei 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), que previu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.
Todavia, a impunidade é ainda frequentemente presente nos casos de violência doméstica no Brasil e ela fornece uma espécie de “passe livre” para novas agressões. Em um recente levantamento de casos de violência doméstica ocorridos no estado de São Paulo no primeiro semestre de 2019, Barbosa concluiu que apenas 5% dos cerca de 3.000 processos acabaram com prisão do agressor, ou seja, os outros 95% provavelmente continuaram a conviver normalmente com suas vítimas, perpetuando o ciclo de abuso e violência.
Os dados da violência doméstica contra a mulher em nosso país, contudo, estão muito provavelmente subnotificados. Ou seja, muitas mulheres não denunciam seus agressores, o que ocorre por vários motivos, dentre eles o medo de retaliações ou em virtude da dependência financeira no parceiro. E assim, a sensação de impunidade incentiva a manutenção da violência. A ONG Human Rights Watch aponta que apenas um quarto das mulheres que sofrem violência no Brasil reporta a agressão à polícia, e mesmo quando elas contatam os órgãos policiais, enfrentam obstáculos consideráveis para terem os seus relatos ouvidos.
Assim sendo, apesar dos avanços legislativos, estamos muito longe ainda de erradicar a violência doméstica contra a mulher no Brasil, fato que compromete os direitos humanos das mulheres diariamente e viola a obrigação internacional do Estado brasileiro de garantir às mulheres proteção legal em condições de igualdade.
Apesar de conquistas importantes, sobram ainda muitos desafios
A persistência da violência doméstica no Brasil é resultado, dentre outras coisas, da manutenção das relações desiguais de gênero, dentro e fora do ambiente familiar, e da perpetuação do ciclo da violência por meio da impunidade generalizada e da ausência de mecanismos efetivos de proteção à mulher e de seus direitos.
Desta maneira, apesar dos importantes avanços conquistados desde a implementação da Lei Maria da Penha há 15 anos, estamos longe de alcançar o patamar de proteção integral da mulher no âmbito doméstico. A agressão e a violência, tanto física quanto verbal ou simbólica, continuam a fazer parte do cotidiano de centenas de milhares de mulheres espalhadas por todo o território nacional.
Todavia, os desafios não se restringem às vias legais ou judiciais, é importante ressaltar também que a Agenda 2030, da qual o Brasil é signatário, estabelece, por meio do ODS 05, a igualdade de gênero e o “empoderamento de todas as meninas e mulheres”. Dentre as metas deste ODS, está “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas”, algo essencial para alcançarmos a igualdade de gênero.
Temos assim, todos nós, muito mais ainda por lutar e refletir, do que necessariamente comemorar.
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