A base para o entendimento da empatia tem muito em comum com as ideias que fundamentam os direitos humanos. Neste texto, explicamos um pouco destes conceitos e destas ligações.
Por Mayumi Maciel, para o Instituto Aurora
No Instituto Aurora, entendemos a empatia como um dos nossos valores, e um dos pilares da nossa atuação. Acreditamos que ela nos conecta com o outro, criando oportunidades de reconhecimento da nossa humanidade, mesmo entre pessoas que agem, pensam e são diferentes entre si.
O termo tem ganhado cada vez mais relevância e é comumente ouvido em nosso dia a dia, seja no trabalho ou no convívio social, mas talvez nem sempre seja interpretado da mesma maneira. Por isso, vamos explicar como podemos compreender a empatia. E também falaremos sobre as conexões entre empatia e direitos humanos, fundamentais quando pensamos em um mundo mais justo socialmente.
O que vamos abordar neste artigo:
- Empatia e um pouco de neurociência
- Explicando o conceito de empatia
- Empatia e direitos humanos
- Em resumo…
Publicado em 19/05/2021.
Empatia e um pouco de neurociência
A neurociência explica como a empatia se desenvolve a partir de funções do nosso cérebro. Acredita-se que a amígdala, um núcleo no cérebro, seja a chave da experiência da empatia. Existem também os neurônios espelhos, que são células que refletem as ações que observamos. Desta forma, sentimos empatia emocional, pois percebemos e até mesmo podemos sentir o que a outra pessoa está sentindo.
Em sua palestra no TED, intitulada “A neurociência da justiça reparadora”, o pesquisador Daniel Reisel conta que até os três ou quatro anos de idade, boa parte das crianças adquire a habilidade de compreender as intenções de outras pessoas. E esses anos iniciais são cruciais: com o passar da idade, pode ser mais difícil desenvolver questões morais.
Mas não é impossível. Algumas partes do cérebro humano podem passar por neurogênese, que é o nascimento de novas células, durante a idade adulta. Vale ressaltar também que o cérebro é sensível ao estresse do ambiente, que pode causar a redução do crescimento de novas células. Portanto, para mudar nosso cérebro, é preciso mudar e modular o ambiente em que estamos inseridos.
Daniel Goleman, pesquisador da Harvard, defende que crianças e jovens devem desenvolver três tipos de foco – em si mesmo, nos outros e no mundo – para que possam viver bem nos dias de hoje. Ele afirma que é possível ensinar crianças a ter empatia, e que há estudos que apontam que expor crianças e jovens a conteúdos que enfatizam a importância em ajudar, deixa-as mais propensas a tomarem esse tipo de atitude.
Explicando o conceito de empatia
Para o filósofo Edmund Husserl, a empatia permite compreender “essa vivência própria do eu, bem como a vivência por analogia, a percepção do outro em mim e os atos comportamentais em geral”.
A empatia nos permite ver em outra pessoa não apenas naquilo que é semelhante a nós mesmos, mas também vê-la como alguém que tem suas próprias vivências. E a partir desse reconhecimento dela, torna-se possível a formação de uma comunidade solidariamente afetiva.
Empatia e direitos humanos
Ao longo dos séculos, a humanidade caminhou para uma série de mudanças na forma como a sociedade se organiza e na forma como as pessoas se relacionam umas com as outras. Um marco histórico recente dessa trajetória é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada em 10 de dezembro de 1948, que traz um conjunto de diretrizes que se aplicaria a todas as pessoas.
Em seus 30 artigos, a DUDH fala sobre uma série de direitos, como o direito à não discriminação, à igualdade perante a lei, à nacionalidade, à propriedade, à liberdade de opinião e expressão, à educação, à seguridade social, entre outros. De forma resumida, podemos dizer que os direitos humanos entendem que cada pessoa merece ser tratada com dignidade, liberdade e igualdade.
Para saber mais sobre os direitos humanos e sua história, acesse o nosso artigo O que são direitos humanos e por que são direitos de todos nós.
No livro “A invenção dos Direitos Humanos”, a historiadora Lynn Hunt demonstra, em diversas passagens, como a nossa história está muito conectada com o sentimento de empatia.
Podemos voltar ao século XVIII, quando novas formas de expressão em atividades artísticas levaram uma camada da população a entrar em contato com realidades diferentes da sua e a sentirem empatia além das fronteiras de classe, sexo e nação, e não apenas com os seus pares. Isso aparece de forma mais evidente pela leitura de romances como “Júlia”, de Jean Jacques Rousseau, em que leitores se relacionavam com os sentimentos e vivências da protagonista, ainda que ela fosse de outra classe social ou gênero. Já na pintura, observou-se um aumento da produção de retratos individuais (em vez de coletivos), o que contribuiu para a visão de que cada pessoa é um indivíduo único.
Também neste período passaram a surgir reflexões acerca de temas que dizem respeito aos direitos humanos, como a tortura, a partir do viés da empatia. Em “Teoria dos sentimentos morais”, de 1759, Adam Smith afirma que somente podemos nos identificar com o sentimento de quem sofre tortura pela identificação imaginativa. O próximo passo seria perceber que também podemos ser objetos de identificação de outras pessoas.
Lynn Hunt afirma que:
“os direitos humanos dependem tanto do domínio de si mesmo como do reconhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si. É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocupado ao longo de toda a história”.
Um exemplo artístico atual que podemos citar que representa bem a relação entre empatia e direitos humanos é a instalação interativa Caminhando em seus sapatos…, do Museu da Empatia. O título é tirado da expressão em inglês “To walk a mile in someone’s shoes” (Caminhar uma milha com os sapatos de outra pessoa, em tradução livre), e vem da compreensão de que não se pode julgar alguém sem ter passado por suas experiências de vida. Na instalação, visitantes escolhem um par de sapatos que podem calçar e caminhar pelo espaço, enquanto ouvem, num fone de ouvido, a história da pessoa a quem eles pertencem, aproximando-se, desta forma, de sua realidade.
Em resumo…
O reconhecimento do outro como uma pessoa igual a mim em suas necessidades e sentimentos, mas única quanto à sua vivência e sua história, é a base para a empatia, e também daquilo que motiva os direitos humanos, como uma forma de assegurar dignidade para todas as pessoas.
Talvez o grande desafio seja compreender a empatia como algo além de “sentir o que o outro sente”, ou “se colocar no lugar do outro”, entendendo o outro como um indivíduo autônomo. E, falando-se em direitos humanos, alguém que compartilha dos mesmos direitos que eu e todas as pessoas, independente de vir de uma realidade parecida com a minha ou não.
Para saber mais sobre outras questões relacionadas a direitos humanos, continue navegando em nosso blog.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
NEUROCIÊNCIA, COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: POSSÍVEIS APROXIMAÇÕES
ERTHAL, Cesar Augusto. Valor da vida e valor do mundo: vida ética com os outros. In: Empatia & Solidariedade, 2009.
HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos.