A educação política tem grande importância para a evolução de nossa consciência cívica e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Entenda mais sobre esse conceito.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
(Foto: Mayumi Maciel / Instituto Aurora)
Você sabe qual o sistema de governo vigente no Brasil? E qual a forma de Estado? Você sabe quais as atribuições da Presidência da República? Se te perguntassem hoje qual a diferença entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, você saberia explicar? Pois é, se você respondeu que não, pode se tranquilizar, a maioria de nós não é ensinada sobre esses conceitos. Por isso, hoje vamos te explicar sobre a importância da educação política para a evolução de nossa consciência cívica e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
O que vamos abordar nesse artigo:
Publicado em 16/08/2023.
O que é educação política?
Para introduzir esse texto, precisamos conceituar o que é, de fato, a educação política. Segundo o livro “Educação Política”, de Humberto Dantas, ela seria a capacidade de compreensão da realidade em que se vive e promover escolhas de acordo com a lógica democrática que ajudou a construir e busca legitimar – ou transformar – respeitando regras definidas.
Simplificando, a educação política seria o conhecimento sobre o sistema e estruturas que vigem no país, de modo a formar suas opiniões e promover escolhas levando em conta os princípios que regem o sistema político brasileiro, entre eles os princípios democrático e federativo.
Esse conhecimento pode ocorrer em ambientes formais, como em escolas e universidades, ou em ambientes informais, como na comunidade, família ou através da mídia. Levando em conta a realidade brasileira, percebe-se que as principais fontes de informação sobre política dos brasileiros são os meios informais, como a televisão (37%) e as redes sociais (24%), conforme se extrai de pesquisa realizada pelo DataSenado.
Embora esteja previsto na Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei n. 9.394/1996) que o ensino obrigatório deverá contar com a compreensão do sistema político brasileiro, a educação básica é falha em promover essa compreensão. Em um mundo ideal, o sistema formal de educação deveria proporcionar um entendimento global sobre as estruturas vigentes no país, explicando quais os órgãos que compõem o governo, quais suas competências, como são eleitos ou nomeados, como funcionam as eleições no país, entre outras questões relevantes sobre o sistema político brasileiro. Contudo, não verificamos isso no currículo básico das escolas, de modo que a maior parte dessas informações acabam condicionadas a cursos acadêmicos mais restritos.
A restrição do conhecimento político a ambientes acadêmicos e formais têm como consequência a ausência de interesse de grande parte da população em temas eleitorais e políticos. Segundo pesquisa realizada pelo DataSenado, 28% das pessoas entrevistadas afirmaram não ter qualquer interesse em política, e 17% mencionaram ter pouco interesse. Essa ausência de ampliação da educação política no Brasil, além de promover desinteresse, acaba por gerar a falta de confiança nos operadores desse sistema. Conforme pesquisa realizada pela Fundação Tide Setúbal, 31% dos jovens não confiam no Governo Federal e 48% confiam pouco, sendo que esses índices se repetem, com pouca variação, em relação ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal.
Diante desse alto índice de desinteresse e desconfiança no sistema político brasileiro, resolvemos conversar com a Professora Eneida Desiree Salgado, sobre educação política e como democratizar esse conhecimento.
Como democratizar a educação política?
Nós, do Instituto Aurora, convidamos a professora Eneida Desiree Salgado para conversar conosco sobre educação política e sua democratização. Desiree é doutora em Direito do Estado, professora de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral na Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora e autora, idealizadora do grupo “Política Por/De/Para Mulheres”, e foi candidata a Senadora nas eleições de 2022.
Iniciamos a conversa sobre a educação política formal, momento em que a professora contou que, durante a Ditadura Militar, havia a disciplina de “Educação Moral e Cívica”, contudo tratava-se de um ensino enviesado, buscando validar o governo autoritário vigente à época.
Questionada sobre a necessidade e a possibilidade da introdução de nova disciplina sobre educação política no currículo da educação básica, a professora entende ser mais produtivo o tratamento de temas relacionadas ao sistema político e eleitoral nas disciplinas já vigentes, como, por exemplo, em matemática, aproveitando o ensino das frações para lecionar sobre o cálculo do quociente eleitoral e de como se chega ao resultado das eleições proporcionais. Sendo assim, ela compreende que a multidisciplinaridade é mais plausível na construção de um interesse coletivo sobre a política, desmistificando, assim, uma ideia de que temas políticos são chatos ou difíceis.
Especificamente em relação à educação em espaços não formais, a professora considera ser a grande ferramenta para a democratização dos conhecimentos sobre o sistema político e eleitoral. Considerando a rotina exaustiva do trabalhador brasileiro, Desiree atribui à falta de tempo a pouca busca pelo conhecimento político e, por isso, entende que as novas redes de tecnologia podem ajudar na democratização da educação política, como a criação de conteúdos digitais através de podcasts e vídeos curtos.
Cabe aqui, inclusive, divulgar o próprio trabalho da professora Desiree nesse sentido, já que tem produzido pequenos vídeos explicando conteúdos necessários para se entender o sistema político brasileiro. Em 2022, o Instituto Aurora também produziu o podcast Nosso Voto, em parceria a Nossa Causa e Escola da Política.
Ainda no que diz respeito à educação fora do ambiente escolar, a professora cita instituições que promovem a ampliação de conhecimentos políticos, como a Associação Juventude Araucariense, sob a presidência de Jeane Vasilewski, que é um movimento de jovens na busca por um mundo melhor; bem como a Fundação Konrad Adenauer, que tem como objetivo a promoção da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Educação Política.
Além dessas instituições independentes, Desiree atribui aos partidos políticos um papel importantíssimo na democratização da educação política no Brasil. Com efeito, a Lei n. 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) estabelece que os partidos deverão aplicar, no mínimo, 20% do fundo partidário na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política.
Nesse sentido, podemos citar aqui a Universidade Aberta Leonel Brizola, ligada ao Partido Democrático Trabalhista (PDT); a Fundação Perceu Abramo, instituída pelo Partido dos Trabalhadores (PT); o Instituto Teotônio Vilela, relacionado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), entre outros. Apesar de cada um desses institutos ter posições políticas próprias, a professora destaca que o pluripartidarismo permite que cada um e cada uma de nós conheça perspectivas diferentes e escolha, de forma consciente, quais posições nos parecem mais adequadas.
Por fim, após a conversa com a professora Desiree, observamos que recursos não nos faltam para democratizar a educação política, cabendo a cada um e cada uma de nós a tarefa de aprender, divulgar, ensinar e fortalecer a consciência cívica, tão essencial para a manutenção da democracia brasileira.
A importância da educação política para a concretização dos direitos humanos
A educação política permite que tenhamos uma noção global do sistema político no qual estamos inseridos, das atribuições de cada um de seus operadores e do quanto gastamos para manter todo esse aparato. A partir desse conhecimento podemos cobrar de cada agente público que cumpram com seus deveres, com suas promessas e prestem contas de suas atividades e do dinheiro público despendido.
A educação, assim, legitima e fortalece a participação social na fiscalização dos serviços e políticas públicas e na exigência de que se assegure e respeite os direitos básicos concedidos a todos e todas nós pelo constituinte brasileiro. Dessa forma, a educação política também é uma ferramenta de se exercitar a cidadania e concretizar os Direitos Humanos.
O próprio Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos apresenta uma relação entre a educação em direitos humanos e a cidadania:
“A educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa.”
Entendemos, então, que a educação política e a educação em direitos humanos andam juntas, e que ambas são essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e solidária e para o reforço de uma consciência cívica que nos permita agir em prol do interesse coletivo.
Vamos juntos e juntas democratizar esse conhecimento? Te convidamos a conhecer o Meu, Seu, Nosso Voto, projeto sobre voto responsável, focado especialmente no público jovem.
Acompanhe o Instituto Aurora nas redes sociais: Instagram | Facebook | Linkedin | Youtube
Algumas referências que usamos neste artigo:
Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei n. 9.394/1996)
Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/1995)
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos