O efeito imitação não é a única explicação para as violências nas escolas, mas é uma variável importante de se conhecer para melhor entendimento deste fenômeno.
Por Hediany de Andrade Melo para o Instituto Aurora
(Foto da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano. Crédito: Rovena Rosa / Agência Brasil)
A violência nas escolas se manifesta de várias formas. Este texto se refere à violência de ato único, geralmente perpetrada por alunos ativos ou ex-alunos com o uso de armas de fogo ou armas brancas, tendo como alvo a população estudantil e os profissionais da escola, como os professores.
A conceptualização destas violências não é universal. São os chamados “massacres escolares” que trazem a ideia de violências intencionais que provocam a morte e ferimentos de várias pessoas sem direito a legítima defesa. São “as violências extremas” marcadas pela crueldade e ódio. São os “tiroteios em escolas”, ou o seu original “school shootings”, nomenclatura mais usada nos Estados Unidos, reflexo do fato de que a maioria dos casos neste país envolve armas de fogo, dada a facilidade de acesso a esses instrumentos.
Seja qual for o nome que se queira etiquetar, o fato é que essas violências são globais, embora com maior incidência nos Estados Unidos, que lideram o número de casos no mundo. E, como sabemos, esse modus operandi de atacar escolas já chegou ao Brasil, o que nos convida a entender mais sobre suas causalidades e as peças de seu quebra-cabeça.
Segundo um informe realizado pelo Instituto Sou da Paz (2023), que analisou vinte e cinco anos de violência nas escolas brasileiras entre 2002 e 2023, houve vinte e quatro ataques nesse período, sendo 2023 o ano com o maior número de registros. De acordo com os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos de violências nas escolas, registaram-se 43 ataques desde 2001, o último dos quais em dezembro de 2024.
A partir deste contexto, o presente texto abordará o conceito de efeito imitação, copycat effect, em casos de violência nas escolas. Trata-se de uma prática que consiste em tomar como modelo um atentado de massacre escolar anterior e utilizá-lo como parte do processo de planejamento e de ataque.
Embora o termo “efeito imitador” não seja a única variável que explica estas violências, é um conceito que ajuda a compreendê-los, especialmente numa era de avanços da internet e de novas tecnologias. Dito isto, abordaremos os seguintes tópicos:
- O que é o conceito de efeito de imitação (copycat effect)?
- Como o efeito de imitação se manifesta em violências nas escolas?
- Como explicar as suas causas e as possíveis estratégias para prevenir o fenômeno?
Publicado em 09/04/2025.
O que é o conceito de efeito imitação (copycat effect)?
As raízes do efeito imitação aparecem com o suicídio. O primeiro estudioso a concentrar-se neste fenômeno foi o sociólogo David P. Philips, que lhe deu o nome de “efeito Werther”, uma nomenclatura baseada no livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, publicado em 1977 pelo autor Johann Wolfgang von Goethe (Coleman, 2004).
Este livro conta a história fictícia do jovem Werther, que decide pôr termo à própria vida após sofrer uma desilusão amorosa. Anos depois, alguns jovens de várias partes da Europa começaram a praticar violências autodirigidas com armas de fogo, seguindo o mesmo modus operandi do personagem. No livro, o personagem comete suicídio sentado numa cadeira, com um colete azul, botas e uma arma de fogo.
Apesar de não haver uma relação comprovada de que o livro de Goethe (1977) influenciou as mortes dos jovens europeus, esta obra foi proibida de circulação na Itália, Dinamarca e Alemanha (Coleman, 2004).
O fenômeno copycat ocorre de maneira semelhante ao “efeito Werther”. Com as violências nas escolas abordadas neste texto, trata-se de uma violência copiada de uma violência anterior, normalmente a que foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação ou retirada da ficção. Neste processo de cópia, o agressor pode adaptar o ataque imitado de acordo com as suas próprias intenções.
De acordo com as pesquisas sobre este tópico, os primeiros ataques de efeito imitação nas escolas registram-se após o massacre da escola Columbine, em 1999, no estado do Colorado, nos Estados Unidos. Naquele momento, dois estudantes ativos da instituição invadiram a comunidade escolar e perpetraram o maior ataque da história do país, provocando a morte de 13 pessoas e suicidando-se no final.
No entanto, cabe destacar que nos anos 90 houve também outros atentados em escolas nos Estados Unidos, o último dos quais, antes de Columbine, em 1998, foi igualmente perpetrado por dois estudantes, com 13 e 11 anos, respetivamente.
Então, o que marcou Columbine? Segundo os especialistas, este foi o primeiro tiroteio na era da Internet. Além disso, os perpetradores inovaram ao preparar manifestos que ficaram conhecidos como “os vídeos de Columbine”, nos quais narraram as suas motivações e o processo de planejamento. No ato em si, também inovaram ao usar outras armas além das de fogo, como bombas caseiras.
Outro marco foi a atuação da mídia na cobertura deste massacre. Jornais como a CNN dedicaram mais de seis horas ininterruptas de cobertura ao vivo à tragédia, e Columbine foi notícia por até três meses após o ocorrido (Robson, 2007).
Uma pesquisa feita pela base de dados Mother Jones documentou o efeito Columbine em 74 conspirações e ataques em 30 estados dos EUA, estes dados são citados por Folman e Andrews (2015). Num estudo mais recente, centrado em casos com armas de fogo que causaram pelo menos quatro mortes, De Andrade Melo, et al. (2025) descobriram que Columbine inspirou 81% dos autores de tiroteios em massa fora dos EUA entre 1999 e 2022.
Com base nestes dados, é evidente que a influência de Columbine é global e, embora outros massacres também sirvam de inspiração e modelo, a marca deste acontecimento é indiscutível, mesmo mais de vinte e cinco anos após a sua ocorrência.
Como o efeito de imitação se manifesta em violências nas escolas?
A presença do efeito imitador é sutil e não deve ser interpretada de maneira literal. Neste contexto, este efeito pode ser identificado em padrões como:
- Realizar pesquisas sobre o ataque que serviu de modelo, incluindo-os em manifestos que enaltecem os agressores, ao interpretá-los como mártires.
- Ir de peregrinação às escolas onde ocorreram massacres, tirar fotografias e gravar vídeos.
- Realizar o massacre no mesmo dia e na mesma hora do ataque imitado;
- Atacar usando o mesmo modus operandi dos perpetradores que serviram como modelo, como, por exemplo, armas de fogo e vestimentas, e superar o número de mortos.
O caso do massacre de Realengo, no Brasil, em 2013, é um exemplo que aparece em vários estudos internacionais sobre o efeito copycat. Entre os materiais deixados por este agressor encontravam-se fotografias com as mesmas posições do atirador de Virginia Tech, nos Estados Unidos, responsável pelo massacre no estado da Virgínia, em 2007, que causou mais de trinta mortos.
Há ainda indícios de que os casos brasileiros de Suzano, São Paulo, em 2019, e Aracruz, Santa Catarina, em 2024, também tenham sido inspirados no ataque de Columbine. Além disso, o caso Aracruz também se inspirou no caso Suzano, o que demonstra que atentados no próprio país também servem de inspiração e modelo de influência.
Num contexto mais global de casos de imitação de violências nas escolas, destacam-se o incidente ocorrido numa escola na Alemanha em 2009, no qual o agressor fez uma peregrinação para tirar fotografias e vídeos de um ataque que tinha ocorrido no seu próprio país dois anos antes. O caso do Colégio Politécnico na Ucrânia em 2018, em que o autor perpetrou um massacre com armas e roupas similares às usadas pelos atacantes de Columbine.
Também utilizando Columbine como modelo, o caso da escola de Izhevsk, na Rússia, em 2022, em que o agressor apareceu com os nomes destes perpetradores entrelaçados numa das armas usadas no massacre. Estes casos de efeito de imitação e suas respectivas evidências encontram-se descritos em pormenor na pesquisa dos autores De Andrade Melo, et al. (2025).
Como explicar suas causas e possíveis estratégias para prevenir o fenômeno?
É um mito dizer que o efeito de imitação é a única explicação para as violências nas escolas, mas é verdade que é uma variável que ajuda a compreender algumas das suas ocorrências. Quando se afirma que um massacre escolar foi inspirado noutro, é essencial identificar as influências socioculturais e os aspectos psicológicos do agressor que contribuíram para tal, os quais variam de caso a caso.
Quanto aos aspectos socioculturais que contribuem e fomentam o efeito copycat, destaca-se a influência dos meios de comunicação na cobertura destes atos, semelhante ao que aconteceu com o caso Columbine, ao darem muita visibilidade às figuras dos ofensores e às suas identidades. As redes sociais, como argumentam Peterson et al. (2023), que transformaram esta violência, ajudando-as a torná-las virais num curto espaço de tempo.
Muitos ofensores publicam o momento exato dos seus ataques ou deixam vestígios através de manifestos e fotografias, que atuam como material de pesquisa para futuras radicalizações autônomas. Paralelamente às redes sociais, existem também grupos de ódio na Internet que proclamam discursos de ódio contra grupos vulneráveis e promovem a radicalização.
É verdade que a capacidade desses materiais de influenciar a psique de alguém não funciona a partir de uma relação de causa e efeito, a correlação não é casualidade. A reprodução destes materiais mostrados pelos meios de comunicação ou encontrados na Internet terá um impacto sobre aqueles que se identificam com o que é visto. Ou seja, quando representam um valor para o futuro imitador. Nesse sentido, aqueles que veem nessa violência formas de resolver conflitos. Os que fervilham de ódio contra um grupo-alvo – há muitos casos de agressores que antes do massacre estavam ligados a correntes ideológicas neonazista –. E, com cuidado para não generalizar, aqueles que sofrem de algum tipo de transtorno psicopatológico e confundem fantasia com realidade.
Em relação às psicopatologias, já existem numerosos estudos que demonstram que a presença de transtornos mentais, como a psicose, nos autores de atos de violência em massa de um único ato não é predominante. Esta evidência é necessária para não culpar os transtornos mentais pelos massacres.
Como estratégias de prevenção, recomenda-se que os meios de comunicação apliquem o movimento “no notoriety”, um movimento que começou nos Estados Unidos em 2016 e cuja premissa é controlar a forma como estes eventos violentos são relatados. Por exemplo, evitar dar as identidades dos perpetradores, o número de mortos e outras informações desnecessárias. Em vez disso, concentrar-se mais nas vítimas mortais e nos sobreviventes e no futuro processo de reconstrução da comunidade afetada.
Quanto à Internet, recomenda-se uma maior vigilância sobre o que é publicado nestas redes, especialmente em tempos de novas tecnologias como a Inteligência Artificial, realidade que convida à interdisciplinaridade desta temática com áreas como a segurança pública.
Por fim, uma maior atenção à saúde mental nas escolas, que no caso do Brasil, desde os atentados de 2023, já vem sendo desenvolvida através de projetos como o programa “Escola que protege” do Ministério da Educação e o Decreto 12.006, de 24 de abril de 2024, que instituiu e regulamentou o monitoramento da violência nas escolas através da regulamentação da Lei 14.643 de 2 de agosto de 2023.
Para concluir, em primeiro lugar, é importante não criminalizar estes ataques, não esquecendo que a maioria é cometida por adolescentes que necessitam de ajuda e cujos conflitos internos podem ser solucionados por outros meios que não a violência.
Em segundo lugar, é importante salientar que as escolas são espaços seguros, apesar do impacto extremo destas agressões. Em termos estatísticos, a sua prevalência global é baixa em comparação com outros tipos de violência. É necessário reafirmar este fato para não se cair na ideia de que “o perigo mora ao lado” (Romão e Osmo, 2021).
Para efeitos de pesquisa, o fenômeno de efeito de imitação (copycat effect) também se aplica a outras formas de violência. Com isso, este texto também convida a outras análises contextuais onde este conceito pode ser observado.
O Instituto Aurora atua na promoção e defesa da Educação em Direitos Humanos. Conheça e baixe gratuitamente os materiais do projeto “(Re)conectar”, de combate ao discurso de ódio e violência contra escolas.
Algumas referências que utilizamos neste texto:
COLEMAN, L. (2004): The copycat effect: how the media and popular culture trigger the mayhem in tomorrow’s headlines. Simon & Schuster, Nueva York.
DE ANDRADE MELO, H., Silva, J. R., Sánchez Gil, L. M. (2025). Tiroteos en masa y efecto imitador Prevalencia global fuera de los Estados Unidos (1999-2022). Boletín Criminológico, (32).
FOLLMAN, M., ANDREWS, B. (2015): “How Columbine spawned dozens of copycats. Mother Jones”.
PETERSON, J., DENSLEY, J., SPAULDING, J., HIGGINS, S. (2023). How Mass Public Shooters Use Social Media: Exploring Themes and Future Directions. Social media + Society, 9(1).
ROBINSON, M. B. (2011). Media coverage of crime and criminal justice. Academic Press.
ROMAO, D. M. M., OSMO, A. O perigo mora ao lado: jornalismo policial televisivo e paranoia. Rev. Subj. [online]. 2021, vol.21, n.3.
SCHILDKRAUT, J., MUSCHERT, G. W. (2013): “Violent Media, Guns, and Mental Illness: The Three Ring Circus of Causal Factors for School Massacres Related in Media Discourse”, en Fast capitalism, (10-1), 159-173.