O racismo cultural se apresenta como deslegitimação da cultura dos povos originários ou mesmo de nações estrangeiras, e ainda está presente na sociedade contemporânea.
Por Josiane Iurkiu, para o Instituto Aurora
(Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)
O racismo estrutural está presente em nosso cotidiano e começa pela escola, segundo levantamento do Ipec, Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto SETA, em 2023.
O levantamento mostra que o ambiente escolar é apontado por 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos como o lugar onde mais sofrem racismo. A principal forma de identificação da manifestação do racismo pela população brasileira é violência verbal, como xingamentos e ofensas, com 66%, seguida de tratamento desigual, 42%, e violências físicas, como agressões, com 39%. De acordo com o levantamento, nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram violência física, com 29%.
Segundo “O Globo”:
“A escola deveria ser um ambiente seguro, de socialização. Porém, é um espaço que acaba propiciando episódios de violência física e simbólica. Precisamos entender que o racismo também é um gerador de violência. Xingamentos, exclusão e bullying acabam atingindo muito mais crianças negras e indígenas”.
No levantamento do Ipec, consta ainda que: 81% afirmam que o Brasil é um país racista, entretanto, apenas 4% das pessoas brancas concordam totalmente sobre terem práticas racistas.
Tópicos deste artigo:
- Racismo cultural ou cultura do racismo?
- O que é racismo cultural?
- Educação em Direitos Humanos para prevenir extremismos
Publicado em 05/02/2025.
Racismo cultural ou cultura do racismo?
O racismo cultural pode se manifestar de maneiras diferentes, pode ser sutil e com raízes profundas na sociedade. É quando uma cultura é considerada superior a outra, traduzindo-se em preconceitos e discriminação.
Na publicação “O racismo estrutural e a exclusão no âmbito das políticas culturais”, Rodrigo Juste Duarte, cita Adegmar José da Silva, Candieiro, do Centro Cultural Humaitá e coordenador nacional da Rema (Rede de Matriz Africana), que diz:
“É o discurso da eugenia, que se disfarçou em racismo cultural. Em que ninguém se diz racista, mas de uma certa forma, tem um posicionamento cultural superior. E nós negros, e também indígenas, ciganos, essas culturas populares, não fazemos parte (…) Ao se privar uma comunidade tradicional de sua cultura, ou de formas de manter viva a sua cultura, estamos diante do epistemicídio, o assassinato de saberes e de fazeres”
Outro tema importante, trata da população migrante, como podemos observar na publicação “Racismo e Migração no Brasil”, do ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Segundo o Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais – OBMigra 2019, entre 2011 a 2018 foram registrados mais de 770 mil migrantes internacionais no território brasileiro, em sua maioria de origem de países do Sul Global. Entre as principais nacionalidades estavam presentes bolivianos, haitianos e venezuelanos.
O Brasil com sua fama de acolhedor, aberto para abraçar outros povos, atualmente não tem apresentado essas caraterísticas e ainda se revela seletivo com relação a aceitação de migrantes.
O racismo e migração no Brasil sempre estiveram conectados e presentes, principalmente se o migrante for negro. O aumento de migrantes racializados, vindos de países como Haiti e do continente africano, como Angola, Gana e Senegal, corroboram isso.
Ainda que a atual Lei de Migração (13.445/2017) aborde uma perspectiva em defesa dos direitos humanos, incluindo o combate à discriminação, racismo e xenofobia, a iniciativa é muito recente, foi sancionada em 2017.
A negação do racismo é razão pela perpetuação de atitudes racistas e intolerância cultural. O racismo está tão enraizado que se nota diferenças no acolhimento dos migrantes, sendo os migrantes vindos do Norte Global mais bem recebidos. A publicação “Racismo e Migração no Brasil”, ainda destaca que:
“…essa diferenciação de tratamento pode se dar não só entre pessoas do Norte e do Sul Global, mas também entre migrantes de um mesmo eixo, privilegiando a integração de pessoas lidas como brancas e excluindo ou limitando a integração de pessoas lidas como negras no contexto brasileiro, ainda que ambas sejam de países do Sul global”.
O que é racismo cultural?
O racismo é a ideia que uma pessoa tem de que características físicas diferentes entre os seres humanos tornam alguns melhores do que outros.
A cultura é a união de padrões sociais, costumes de um povo ou nação, como a religião, a língua, as comidas, dentre outras.
A diversidade cultural é a coexistência de culturas diversas.
Portanto, o racismo cultural é a invalidação ou deslegitimação da cultura alheia por considerá-la inferior, desprezando sua história e sua influência e hierarquizando raças. Esse comportamento está presente em nossa sociedade de diversas formas.
Segundo o artigo de Daniel Silva, “Racismo: termo recorrente”, o racismo não é exclusividade da raça negra, mas a qualquer raça ou etnia, sejam asiáticas, indígenas, entre outras.
Exemplos de racismo cultural
O racismo cultural como argumento para colonizar e dominar territórios não é novidade, existe desde a Antiguidade. Atualmente, esse tipo de racismo engloba também elementos do racismo institucional e individual. São eles:
- Hierarquização de culturas: O argumento de que uma cultura é mais “civilizada” ou “desenvolvida” que outra, desvalorizando costumes, tradições e conhecimentos de grupos minoritários e minorizados.
- Linguagem preconceituosa: O uso de termos pejorativos ou estereotipados para se referir a grupos culturais, como apelidos ou expressões que reforçam desigualdades.
- Críticas às práticas culturais: A crítica ou ridicularização de práticas culturais específicas, como danças, rituais ou vestimentas tradicionais, que são vistas como “exóticas” ou “inferiores” pela cultura dominante.
- Estereótipos culturais: A perpetuação de estereótipos negativos sobre grupos étnicos ou culturais, como a ideia de que certos grupos são “menos educados” ou, como acreditar que os membros de uma determinada cultura são “preguiçosos”, “desonestos” ou “violentos”, considerando suas tradições culturais e hábitos.
- Desvalorização de culturas indígenas: O desprezo ou a marginalização das línguas, tradições e práticas indígenas em favor das culturas dominantes. Isso pode incluir a imposição de uma língua oficial e a falta de reconhecimento dos direitos culturais dos povos indígenas.
- Negação da história e das lutas de grupos minoritários: A tentativa de apagar ou minimizar as contribuições de grupos marginalizados para a sociedade, como a história da escravidão e da colonização.
- Apropriação cultural: Quando elementos de uma cultura minoritária são usados por uma cultura dominante sem o devido respeito ou reconhecimento. Por exemplo, o uso de trajes tradicionais ou práticas culturais em festas e eventos por pessoas que não pertencem àquela cultura, muitas vezes descontextualizando seu significado e, ainda, com fins lucrativos.
- Representação inapropriada na mídia: A forma como diferentes culturas são representadas em filmes, programas de TV e outras mídias pode refletir racismo cultural. Por exemplo, a representação estereotipada de personagens de determinadas etnias que reforçam preconceitos.
- Políticas culturais excludentes: Leis ou regulamentos que favorecem uma cultura em detrimento de outras, como restrições ao uso de línguas minoritárias em contextos oficiais ou educativas.
- Desigualdade no acesso à cultura: O acesso desigual a oportunidades culturais, como educação artística ou financiamento para iniciativas culturais, que afeta principalmente comunidades marginalizadas.
O racismo cultural ainda pode se manifestar em diversas áreas da vida, como:
- Educação: Em currículos que privilegiam apenas a cultura dominante, ignorando a diversidade cultural do país.
- Mercado de trabalho: Na discriminação em processos seletivos e promoção de profissionais de determinadas culturas.
- Relações interpessoais: Preconceito e discriminação em interações cotidianas.
Quais as consequências do racismo cultural?
Com um passado marcado pela escravidão, formamos uma sociedade que ainda expressa, mesmo que sutilmente, seu preconceito e estereótipos étnico-raciais, promovendo a desigualdade e a miséria. Essa desigualdade social vem da marginalização de grupos culturais, resultando em desigualdade no acesso a recursos, oportunidades de emprego, educação e saúde.
Outra consequência, é a perda de identidade cultural, pois os grupos que enfrentam racismo cultural podem sentir-se pressionados a abandonar suas tradições e práticas culturais em detrimento da cultura dominante, levando à perda de identidade e patrimônio cultural.
Em decorrência destas consequências, temos também:
- Aumento do preconceito e discriminação: O racismo cultural perpetua estereótipos negativos e preconceitos, o que pode levar a discriminação em diversos contextos, como no ambiente de trabalho, na escola ou em espaços públicos.
- Impactos psicológicos: As vítimas de racismo cultural podem sofrer com problemas de autoestima, depressão e ansiedade devido à desvalorização de sua cultura e identidade.
- Divisão social: O racismo cultural pode criar divisões entre grupos culturais, fomentando tensões sociais e conflitos que dificultam a convivência pacífica e a coesão social.
- Deslegitimação da cultura: Práticas e expressões culturais de grupos marginalizados podem ser deslegitimadas ou ridicularizadas, levando à desvalorização de sua contribuição para a sociedade como um todo.
- Falta de representatividade: A ausência de representação justa e precisa de culturas diversas na mídia, na política e em outras esferas pode reforçar a ideia de que certas culturas são menos válidas ou importantes.
- Educação deficiente: O racismo cultural pode afetar o sistema educacional, onde currículos muitas vezes ignoram ou minimizam as contribuições das culturas marginalizadas, resultando em uma educação que não reflete a diversidade da sociedade.
Como o racismo cultural está ligado a extremismos?
O extremismo é algo que acompanha indivíduos intolerantes e radicais. O extremista, facilmente cria e repercute estereótipos de variados marcadores sociais, expondo e impondo seu ponto de vista. Esses estereótipos preconcebidos são generalizados e têm a finalidade de segregar pessoas e culturas, em detrimento do que por ele é tido como certo.
O extremismo encontra no discurso de ódio uma forma de disseminação de conteúdo que é impulsionado pelas redes sociais, através dos compartilhamentos e curtidas. No meio digital, também encontram engajamento de pessoas que estão passando por fragilidades emocionais, vulneráveis, com medos, vítimas de circunstâncias traumáticas, enfim, estas pessoas se sentem injustiçadas e no direito de brigar por algo e por consequência, disseminam o conteúdo de ódio.
Habitualmente os discursos de ódio têm alvos específicos, etnias e culturas diversas: negros, mulheres, pessoas LGBTQIAP+, migrantes, nordestinos, indígenas, pessoas de religiões não cristãs e principalmente de matriz africana.
Educação em Direitos Humanos para prevenir extremismos
Obviamente que as instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, de ensino fundamental ou superior, todas podem contribuir para prevenção de crises extremistas, mas não devem ser exclusividade delas. Esta responsabilidade é pública, individual, familiar e social.
Atualmente o extremismo vem tomando proporções preocupantes. A cada dia vemos novos casos de racismo, intolerância religiosa e tantas outras formas de discriminação.
Para não perdermos a batalha para o discurso de ódio e preservarmos nossa democracia, é essencial que se combata a ignorância com o conhecimento.
A EDH – Educação em Direitos Humanos, pode abrir novos horizontes e mostrar que o respeito e a dignidade humana têm base na equidade, justiça, liberdade, solidariedade, na cooperação e principalmente na tolerância.
Conheça o projeto “(Re)conectar”, do Instituto Aurora, e baixe materiais como o “Glossário educativo para a identificação e prevenção de discursos de ódio e extremismos na escola”.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
Guia sobre racismos | Projeto Educando Para a Diversidade
Livro de Memória dos Kaingang do Paraná
Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial – NUPIER | MPPR
Quais são as consequências do racismo no Brasil? | Criança Livre de Trabalho Infantil
Quais os caminhos para combater a discriminação racial no Brasil? | Defensoria Pública da União
Racismo e Saúde Mental – Da discriminação ao desgaste | Unicef Brasil