A presença da literatura no cotidiano de jovens e adultos que estão em conflito com a lei permite não apenas a remição de pena: ela também amplia visões de mundo
Por Ana Carolina Maoski, para o Instituto Aurora
(Foto: Barbara Vanzo)
A literatura e a leitura estão associadas à promoção dos direitos humanos de diferentes maneiras. Apresentar novos mundos e diferentes perspectivas aos leitores e leitoras é uma forma de ampliar as possibilidades de reconhecimento de si e do outro, permitir a compreensão das diferenças e ofertar recursos para que inúmeros temas sejam trabalhados de forma didática.
Além das possibilidades de remição de pena, levar os livros para o sistema prisional e inserir o universo da leitura no cotidiano de jovens e adultos que estão em conflito com a lei, permite que novos mundos sejam construídos em um universo que impõe uma série de limitações aos indivíduos.
Nós do Instituto Aurora acreditamos que a literatura é um direito humano fundamental, e que a educação em direitos humanos passa pelo acesso aos livros e à leitura. Nesse sentido, compartilhamos da perspectiva do intelectual Antonio Candido, para quem a literatura simboliza a reivindicação de outros direitos básicos, como o da educação de qualidade. Nós nos aprofundamos mais sobre isso no artigo Literatura como direito humano: você já pensou nessa relação?
O que vamos abordar neste artigo:
Publicado em 18/06/2021.
A leitura no sistema prisional
Aqui no Brasil, desde 2011, a educação, além do trabalho, passou a ser considerada como critério para a diminuição dos dias de condenação de pessoas em conflito com a lei.
No início de maio de 2021, uma nova resolução relacionada à Lei de Execução Penal (7.210/84) regulamentou a inclusão da leitura como uma atividade educacional que também concede o benefício de remição penal em todo o território brasileiro. Contudo, os benefícios do consumo de literatura no ambiente prisional ultrapassam a diminuição do período de encarceramento.
Na sua dissertação de Mestrado intitulada “Palavras da salvação: as representações da leitura na prisão”, a Profa. Valquíria Michela John, docente do curso de comunicação da UFPR, indica que a leitura no sistema prisional permite a ressocialização dos indivíduos.
Isso acontece no momento que a leitura possibilita, nas palavras dos entrevistados da pesquisa, a “abertura de mentes”. O aspecto positivo da prática resulta na liberdade de pensamento, bem como na própria liberação da prisão.
A leitura, nas palavras da Profa. Valquíria, permite a ressocialização “no sentido de que uma vez leitor, nunca mais se é o mesmo, mudamos a cada nova leitura e assim estamos num processo de contínua transformação e aprendizagem. A leitura abre portas antes jamais imaginadas e cada texto, cada livro, cada leitura vão despertando em nós a vontade de vislumbrar novos horizontes e nada mais é capaz de nos aprisionar” (JOHN, 2004, p. 113).
Ela também destaca que “para avaliar qualquer possibilidade educativa ou ressocializadora da leitura é necessário, antes de mais nada, a existência de bibliotecas e outras ações envolvendo tal prática” (JOHN, 2004, p. 111) nos locais em que as penas são cumpridas.
A atuação do Instituto Aurora no sistema prisional
Nesse sentido, o Instituto Aurora atua em diversas frentes, estimulando a leitura nesses espaços através de rodas de leitura e também por meio do projeto Biblioteca Mais Plural.
As rodas de leitura realizadas com populações em situação de vulnerabilidade têm como objetivo permitir o diálogo sobre identidade, preconceitos e outras questões sociais. Na experiência do Instituto Aurora, realizada no Cense Joana Richa, essa ação permitiu com que adolescentes se identificassem com situações que apareciam em contos de Marina Colasanti e poesias de Rupi Kaur, duas autoras lidas nos encontros. Desta forma, as jovens conseguiram entrar em contato com seus sentimentos e também perceberam situações de violência sofridas no passado, refletindo para evitar que elas aconteçam novamente.
Em 2021, o Instituto Aurora também realizou rodas de leitura no Centro de Integração Social (CIS) de Piraquara. Os encontros foram pautados em contos do livro “Redemoinho em dia quente”, de Jarid Arraes, discutindo assuntos como papel social da mulher, relacionamentos abusivos e competências. Ao final da atividade, as participantes também foram convidadas a pensar em seus futuros.
Cabe destacar que nosso papel também está associado a oferta de leituras diversificadas, que transitem em diferentes eixos e tragam visões de mundo plurais, a partir de escritores negros, escritoras mulheres, narrativas da Ásia, do Oriente Médio, etc. Acreditamos que através da leitura podemos garantir e promover a educação em direitos humanos.
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Algumas referências que usamos nesse texto:
Palavras da salvação: as representações da leitura na prisão. Disponível em: repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/87436. Acesso em: 05 de maio de 2021.
CNJ regulamenta remição de pena por estudo e leitura na prisão. Disponível em: conjur.com.br/2021-mai-05/cnj-regulamenta-remicao-pena-estudo-leitura-prisao. Acesso em: 05 de maio de 2021.