A Lei Mariana Ferrer surgiu como uma tentativa de evitar a revitimização em audiência nos crimes contra a dignidade sexual. Neste artigo, vamos entender mais sobre o que diz a lei e qual sua importância.
Por Mayumi Maciel, para o Instituto Aurora.
(Imagem: fotospublicas.com)
O caso de Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada em uma festa, em 2018, ganhou repercussão não somente pelo crime em si, mas pela forma como a jovem foi tratada durante o julgamento do caso, passando por novas violências e humilhações.
Este tipo de situação leva o nome de revitimização. Para proteger tanto vítimas de violência sexual quanto testemunhas, foi criada a Lei Mariana Ferrer. A seguir, vamos entender a lei em mais detalhes e falar sobre como a Educação em Direitos Humanos pode auxiliar na prevenção à violência contra a mulher.
Tópicos deste artigo:
- O que diz a Lei Mariana Ferrer
- Revitimização em audiência nos crimes contra a dignidade sexual
- Educação em Direitos Humanos e prevenção da violência contra a mulher
Publicado em 02/07/2025.
O que diz a Lei Mariana Ferrer
A Lei 14.245, de 22 de novembro de 2021, que ficou conhecida como Lei Mariana Ferrer, faz alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, “para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo”.
Na prática, o objetivo principal da lei é proteger vítimas de violência sexual e testemunhas em julgamentos. Nesses casos, a lei aumentou a pena para o crime de coação durante o processo, com acréscimo de um terço. A coação é entendida como “uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio”.
Assim, “todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa”, sendo vedadas:
- a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;
- a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
Como surgiu a Lei Mariana Ferrer
A Lei Mariana Ferrer se originou a partir do Projeto de Lei (PL) 5.096/2020, de autoria da deputada federal Lídice Damata (PSB-BA). O texto foi aprovado sem modificações pelo Senado, em 27/10/2021, e sancionado pela Presidência da República no mês seguinte.
A motivação para a criação da lei foi a forma com que Mariana Ferrer foi tratada durante o julgamento de seu caso, em que denunciou ter sido dopada e estuprada numa festa, em 2018. Na audiência, o advogado de defesa do acusado fez comentários depreciativos sobre sua vida pessoal, inclusive divulgando fotografias íntimas.
O caso Mariana Ferrer
Mariana Ferrer denunciou ter sido dopada e estuprada por um homem desconhecido, numa festa realizada em 2018 no Café de La Musique, uma casa de shows de Florianópolis-SC.
O julgamento ocorreu em 2020, em formato online. Na ocasião, ela era a única mulher na chamada de vídeo, tendo sido humilhada pelo advogado de defesa. Em dado momento, Mariana inclusive pede ajuda ao juiz: “Eu gostaria de respeito, doutor. Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, no mínimo”.
Ao fim do processo, o juiz concluiu que não havia provas suficientes e acabou inocentando o réu. Desde o início do caso, Mariana convive com a revitimização, exposição e ameaças de morte.
Na época, repercutiu o termo “estupro culposo”, pois o advogado de defesa afirmou que não houve dolo (intenção) do acusado em estuprar, já que não havia como saber se Mariana estava em condição de consentir com o ato sexual.
Em fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reabrir a análise contra o juiz do caso, acolhendo a um pedido da União Brasileira de Mulheres (UBM). Em maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu seguir com o processo disciplinar. Há também a possibilidade do anulamento do julgamento de 2020.
Durante lançamento da Nota Técnica “Gênero, Interseccionalidades e Cidades Seguras (GiCS)”, em maio de 2025, Mariana Ferrer, hoje estudante de Direito, apresentou propostas voltadas ao aperfeiçoamento da lei que leva seu nome, como a criação de dispositivos que permitam que as vítimas de violência sexual solicitem medida protetiva de urgência.
Confira um trecho da fala de Mariana Ferrer:
Revitimização em audiência nos crimes contra a dignidade sexual
A Lei nº 12.015 de 2009 alterou o Código Penal e o art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre crimes hediondos.
Dentre outras questões, na parte de crimes contra a dignidade sexual, a lei descreve o estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, com pena de reclusão de seis a dez anos.
Ainda assim, os casos desse tipo de violência seguem altos no país. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que, em 2023, foram 54.297 registros de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do sexo feminino, com registro na Polícia Civil. O número real de casos no Brasil seria ainda maior, uma vez que esse tipo de crime é subnotificado, pois muitas vítimas têm receio de fazer a denúncia.
E, mesmo ao procurar ajuda nos órgãos competentes, muitas vezes a mulher acaba passando por um processo de revitimização, colocando-a em situação de maior vulnerabilidade: precisa recontar sua história muitas vezes, revivendo a situação traumática, sem conseguir uma resolução de fato; sua fala, honra e dignidade são descreditadas; sofre humilhações, negligências ou outros tipos de violência (como a verbal) durante o processo.
Ou seja, além da violência sexual pela qual a vítima passou, ela também acaba sendo submetida à violência institucional pelo Estado, que deveria protegê-la e não causar mais sofrimento.
Educação em Direitos Humanos e prevenção da violência contra a mulher
A Educação em Direitos Humanos (EDH) é uma aliada importante na prevenção da violência contra a mulher. Afinal, uma educação que valoriza os Direitos Humanos não traz discriminação de gênero ou qualquer outro marcador e se posiciona frente às violências, buscando preveni-las e enfrentá-las.
Quando pensamos numa educação sobre e com Direitos Humanos, estamos falando de uma educação que preza pela igualdade de gênero, valoriza as diferenças, cuida de um espaço diverso, garante a inclusão e luta pelo pensamento crítico. Desta forma, conseguimos promover mudanças sociais significativas.
O Instituto Aurora atua na promoção e defesa da Educação em Direitos Humanos. Conheça a nossa atuação pela igualdade de gênero.
Acompanhe o Instituto Aurora nas redes sociais: Instagram | Facebook | Linkedin | Youtube
Outras referências que usamos neste artigo:
LEI MARI FERRER: A VIOLÊNCIA QUE VAI ALÉM DO ESTUPRO | Revista Direito e Sexualidade