A esfera da segurança pública, que conta com um índice crescente de suicídio entre o seu pessoal está em uma situação grave que demanda urgente mudança. Por isso, convidamos você a conhecer mais esse contexto e refletir conosco sobre como a educação em direitos humanos pode ser um caminho de prevenção dessas mortes.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
(Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)
O estereótipo de policiais, em especial militares, inabaláveis não é construído ao acaso. Para se transmitir a mensagem de controle – até mais do que de segurança – o Estado se apoia em inúmeros elementos de uma masculinidade enraizada na violência e na qual não há espaço para o “pedir para parar”.
Aureliano, 25 anos, Aspirante na Academia de Formação de Oficiais, experimentou situações de assédio e preconceito, manifestando alterações emocionais e físicas. Embora tenha conseguido atestado médico, foi proibido de passar o tempo de recuperação com a família, cometendo suicídio com arma de fogo na própria unidade um tempo depois.
Embora o nome citado acima seja fictício, a história é real. O relato compõe uma série de outros depoimentos feitos por familiares e colegas de vítimas à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, que, com base em tais informações e dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fez uma detida análise sobre o suicídio entre policiais.
O Estado brasileiro, ao elevar o policial a categoria de sobre-humano, tem minimizado suas necessidades de saúde mental. É nesse contexto que, em 2019, foram registradas 143 notificações relacionadas à suicídio policial – um aumento de 39% se comparado com 2018. Dentre as 143 notificações, 83 foram de suicídio consumado.
Dentre essas vítimas, 74 eram do sexo masculino e o principal meio utilizado foi a arma de fogo. A instituição com mais vítimas foi a Polícia Militar, seguida da Polícia Civil e dos Bombeiros.
Acostumados a ver policiais fardados e ostensivamente armados, por vezes, podemos esquecer que, por detrás do emblema policial, existe uma pessoa. Uma pessoa tão vulnerável quanto qualquer outra.
Em relação às mortes, foram elencados oito fatores que, em conjunto, podem contribuir para esses casos, dentre eles: estresse inerente à função policial; falta de suporte de serviço de saúde mental; depressão; conflitos institucionais; conflitos familiares e problemas financeiros; isolamento social, rigidez e introspecção; fácil acesso a arma; e subnotificação de tentativas de suicídio.
Tal subnotificação pode gerar uma falsa interpretação de estatísticas que mostram uma redução no número de suicídios consumados, como é o caso dos dados apresentados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. A pesquisa aponta que o número de suicídios consumados caiu para 50, sendo 40 policiais militares e 10 civis, reduzindo cerca de 15%. Porém, isso deve servir como alerta, uma vez que uma possível causa da subnotificação é o fato de questões sobre saúde mental ainda serem mal acolhidas e mal trabalhadas nas instituições de segurança pública.
Para se dimensionar o quão frequente é o suicídio policial, o estudo apresentado pela Ouvidoria do Estado de São Paulo aponta que a taxa de suicídio entre policiais é de 23,9, enquanto entre a população em geral é 5,8 por 100 mil habitantes. No caso de São Paulo, o suicídio é a principal causa de morte dos policiais civis no Estado de São Paulo, superando, inclusive, as mortes ocorridas em confronto.
Publicado em 10/09/2021.
Medidas de prevenção do suicídio policial
É importante citar que o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) inclui a educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança pública entre suas áreas prioritárias, se almejamos viver mudanças que proporcionem vida digna a todas as pessoas, incluindo os policiais.
Uma das ações programáticas do documento consiste no apoio e na valorização dos profissionais de segurança e de justiça, garantindo condições de trabalho adequadas e formação continuada, de modo a contribuir para a redução de transtornos psíquicos, prevenindo violações aos direitos humanos.
Vale ressaltar que mais do que uma formação teórica em direitos humanos, é preciso uma formação crítica, que compreenda direitos humanos de uma perspectiva multi e interdisciplinar, valorizando aspectos do indivíduo, enquanto um ser integral, que se relaciona com outros indivíduos – que também devem ser compreendidos por esse olhar integral.
Assim, a educação em direitos humanos é um caminho – certamente, não o único, mas muito relevante – para a prevenção do suicídio policial. Ao voltarmos alguns parágrafos acima, vemos o quanto o suicídio policial pode estar associado às expectativas criadas em torno da função, que reforçam comportamentos tóxicos relacionados ao gênero (masculino, no caso), minimizando necessidades humanas sociais e relacionadas à autoestima. A educação em direitos humanos se propõe a lançar luz sobre esses temas.
Além do PNEDH, o Brasil conta, desde 2010, com o Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública (Pró-Vida), que tem como objetivo a valorização do profissional da área de segurança, reduzindo os riscos de morte como também atuando na prevenção da saúde durante o exercício de suas relevantes funções.
Além disso, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6355/19, cujo objetivo é regulamentar o Pró-Vida, estabelecendo ações específicas voltadas à prevenção de violências autoprovocadas ou autoinfligidas.
Dentre os documentos de apoio que podem contribuir para uma maior atenção à pauta está a Agenda 2030 da ONU, que contempla 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e que estabelece como um dos objetivos, o ODS 16, a promoção da paz, justiça e instituições eficazes, perpassando, assim, pelo fortalecimento dos profissionais de segurança pública. O Brasil está comprometido com a Agenda 2030, portanto, podemos cobrar uma postura mais comprometida com esses servidores.
O trabalho de educação em direitos humanos desenvolvido no Instituto Aurora, também contribui para o alcance das metas da Agenda 2030 e, entre outras atividades realizadas por aqui, o trabalho com servidores da segurança pública tem sido uma constante. Você pode conhecer um pouco desse trabalho na seção em que falamos sobre a nossa visão para o ODS 16.
Se você assim como a gente tem interesse em mudar a realidade através da educação, venha conhecer nosso trabalho navegando pela seção Quem Somos aqui do site!
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Algumas referências que usamos neste artigo:
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
Boletim IPPES 2020: Um panorama do suicídio policial no Brasil
Suicídio de policiais é um problema grave no Brasil, aponta estudo
16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Objetivo 16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Proposta institui ações para combater suicídio entre profissionais de segurança pública
LEI Nº 13.819, DE 26 DE ABRIL DE 2019
LEI Nº 13.675, DE 11 DE JUNHO DE 2018.
Por que os policiais se matam: pesquisa traz números e relatos de suicídios de PMs
No Brasil, mais policiais se suicidam do que morrem em confrontos