Um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) como parte da Agenda 2030, é acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Porém, o relatório global Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, divulgado por 5 agências especializadas da ONU, apontou que 1 em cada 10 brasileiros (9,9%) passava por situação de insegurança alimentar severa de 2020 a 2022. Assim, é importante trazer luz sobre esse assunto e mostrar quais medidas podem ser tomadas para a superação da fome e insegurança alimentar no Brasil.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
(Foto: Pillar Pedreira / Agência Senado)
A agenda 2030 da ONU traz 17 objetivos “para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”. Dentre os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), temos o ODS 2, que aborda fome zero e agricultura sustentável. Nisso, é importante trazermos o conceito de segurança alimentar. Vamos conhecê-lo?
Tópicos deste artigo:
- O que é insegurança alimentar?
- Medidas de combate à fome
- Como o conhecimento sobre Direitos Humanos pode auxiliar no combate à fome?
Publicado em 03/01/2024.
O que é insegurança alimentar?
A insegurança alimentar nada mais é do que o acesso limitado aos alimentos, ao nível de indivíduos ou famílias, por conta da falta de dinheiro ou outros recursos.
O nível de segurança alimentar definido pela ONU é medido através do Módulo de Pesquisas do FIES (Escala de Experiência de Insegurança Alimentar), que conta com oito perguntas sobre o acesso da população à alimentação adequada. A partir das respostas fornecidas pela população, o método qualifica a situação entre: segurança alimentar ou apenas marginalmente inseguro; insegurança alimentar moderada; e grave insegurança alimentar.
A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), por sua vez, entende que a insegurança alimentar ocorre quando a pessoa não tem acesso regular a alimentos, sendo ela dividida em três níveis: leve, moderada e grave.
Em 2022, estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, com base na EBIA, estimou que 33 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave no Brasil.
Cenário atual da insegurança alimentar no Brasil
Segundo o relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, entre 2014 e 2016, quando o Brasil estava fora do Mapa da Fome, apenas 1,9% dos brasileiros se encontravam em contexto de insegurança alimentar grave.
Hoje, a estatística é 5,35 vezes maior. Conforme relatório publicado pela ONU, 21,1 milhões de pessoas no Brasil estavam em situação de segurança alimentar grave e 50 milhões em insegurança alimentar moderada, no período de 2020 a 2022.
Acerca do perfil das pessoas submetidas a essa situação, o II Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, coordenado pela Rede PENSSAN, concluiu que a condição alimentar dos moradores em áreas rurais do país foi pior, comparativamente aos de áreas urbanas, com a Insegurança Alimentar atingindo mais de 60% dos domicílios, nos anos de 2021/2022.
Seguindo esse relatório, duas regiões no Brasil concentram o segmento de menor renda do país e, consequentemente, o maior percentual de famílias em situação de fome, sendo elas as regiões Norte e Nordeste.
Relativamente ao viés racial, a pesquisa destacou que, no início de 2022, a proporção de insegurança alimentar foi maior nos domicílios cujos responsáveis se identificavam como pretos ou pardos.
Quanto à escolaridade, o relatório acima citado concluiu que em 42,5% dos domicílios com responsáveis com escolaridade de até 4 anos de estudo, seus moradores estavam em insegurança alimentar moderada ou grave.
Por fim, ressalta-se que, dentre as pessoas entrevistadas pela Rede PENSSAN, 15,4% não consumiam diariamente o café da manhã; 10% não almoçaram todos os dias da semana; e 19,9% das pessoas não jantavam nessa frequência.
Trata-se, portanto, do atual cenário identificado no Brasil a partir do ano de 2020-2021. É um cenário extremamente preocupante, que viola diretamente direitos fundamentais assegurados pela própria Constituição Federal de 1988 a toda população brasileira.
Medidas de combate à fome
Em um breve retrospecto sobre a situação alimentar no Brasil, verifica-se que em 2003 foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, com foco central no fomento à agricultura familiar e no combate à insegurança alimentar e nutricional.
Em 2012, foi publicado o Decreto n. 7.775 que regulamentou o PAA, estabelecendo como finalidade “promover o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias, às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável”.
Segundo Julian Perez-Cassarino, professor de agroecologia da Universidade Federal da Fronteira Sul, nos primeiros dez anos do programa o volume de recursos cresceu ininterruptamente até que, em 2014, o Brasil saiu do mapa da fome da ONU.
De acordo com relatório do IPEA, o desenvolvimento da agenda política voltada à segurança alimentar e nutricional levou à uma redução substancial da fome e da desnutrição nas últimas décadas, porém, a crise econômica e a redução dos investimentos nessas políticas, observados em anos mais recentes, têm levado a um retrocesso nestas conquistas.
Em 2021, em meio à crise econômica e sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, o PAA foi substituído pelo Programa Alimenta Brasil. Embora tenha preservado a maioria das modalidades e finalidades anteriores, o aporte de recursos no Programa foi praticamente zerado, conforme explica o professor Julian.
No ano de 2023, o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA foi reformulado, priorizando a compra de alimentos produzidos por famílias inscritas no Cadastro Único e, em seguida, para os povos indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, pescadores, negros, mulheres, juventude rural, idosos, pessoas com deficiência e famílias de pessoas com deficiência como dependentes.
Conforme explicado pelo Governo Federal, o programa consiste na compra pública de produtos da agricultura familiar, com dispensa de licitação, para distribuir a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, a entidades da rede socioassistencial, a equipamentos públicos de alimentação e nutrição, bem com restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos, e à rede pública e filantrópica de saúde, educação e justiça. Logo, percebe-se que o PAA baseia-se em dois pilares: 1) aumento da produção de alimentos no país; 2) distribuição desses alimentos nas comunidades com insegurança alimentar.
Segundo noticiado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, em junho de 2023, a ação contou com 6.129 agricultores em todo o país, em 643 municípios produtores, sendo investidos quase R$ 18 milhões para assegurar o fornecimento de 4.353 toneladas de alimentos.
Como o conhecimento sobre Direitos Humanos pode auxiliar no combate à fome?
Os Direitos Humanos podem ser definidos como garantias universais que protegem os indivíduos e grupos contra ações e omissões do Estado que atentem contra a dignidade humana. Assim, podemos concluir que todos os seres humanos possuem uma “segurança básica” necessária à existência digna.
Um dos fundamentos para a própria existência humana é, de fato, a alimentação. Nosso corpo físico não sobrevive sem os nutrientes necessários para mantê-lo. Logo, é de extrema prioridade para se assegurar a dignidade da pessoa humana o acesso a alimentos adequados e em quantidade suficiente.
Assim, assegurar a alimentação saudável é assegurar a vida em si, e só podemos alcançar isso através da exigência de implantação de medidas pelo âmbito legislativo, executivo e judiciário de consolidação de normas de Direitos Humanos.
De acordo com a chefe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Alicia Bárcena, a desigualdade é vencida quando a economia, a igualdade de direitos e a democracia são pensadas de forma complementar – e não como concorrentes.
O compromisso do Instituto Aurora é promover e defender a Educação em Direitos Humanos, para a construção de um mundo menos desigual, em que ninguém é deixado para trás. Por isso, te convidamos a conhecer nossos projetos e iniciar conosco essa mudança. Vamos juntos e juntas?
Acompanhe o Instituto Aurora nas redes sociais: Instagram | Facebook | Linkedin | Youtube