O Instituto Aurora tem como uma de suas frentes o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16, que diz respeito à promoção de uma cultura de paz e justiça, e instituições responsáveis. Para alcançá-lo, acreditamos que o fortalecimento de instituições nacionais relevantes para a prevenção da violência, a promoção e o cumprimento de leis e políticas não discriminatórias são fundamentais, especialmente quando aliados com a educação em Direitos Humanos. Por isso, hoje vamos abordar um pouco da importância dessas práticas na formação da Guarda Municipal, peça chave na promoção da cultura de paz e justiça em vários municípios brasileiros.
Por Gabriela de Lucca, para o Instituto Aurora
(Foto: Daniel Castellano/SMCS)
A Constituição Federal de 1988, já em seu artigo 5º, institui a segurança como um direito fundamental de todos os brasileiros e estrangeiros no país. Contudo, é possível extrair do próprio artigo 5º que esse direito não é absoluto e apenas encontra legitimidade se exercido de acordo com os Direitos Humanos.
Assim, não se permite, por exemplo, que o direito fundamental à segurança ultrapasse os limites do respeito à dignidade, da proibição de todas as formas de tratamento desumano e degradante, da liberdade de culto, da inviolabilidade da intimidade das pessoas, da liberdade de reunião e associação e do acesso à justiça.
Sabemos que esses limites nem sempre ficam nítidos diante da complexidade das situações práticas enfrentadas diariamente pelos profissionais de segurança pública. Mas é possível, por meio da educação em Direitos Humanos e do diálogo, alcançar uma maior consciência e equilíbrio para lidar com os desafios que se apresentam.
A relação entre a Segurança Pública e os Direitos Humanos hoje no Brasil
Apesar do que diz a Constituição, conforme apresentado acima, muitos são os preconceitos em relação aos direitos humanos e sua relação com a segurança pública. De alguma forma, as frases “direitos humanos para humanos direitos” e “bandido bom é bandido morto” ainda aparecem enraizadas e, por vezes, fomentadas por políticos que têm como objetivo angariar votos na base da propagação do ódio e desunião.
Notícias como o assassinato brutal de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe, por policiais rodoviários federais ainda se fazem comuns. E, apesar de chamar a atenção internacional no calor do momento, logo é tristemente esquecida pela maioria.
A ideia de que apenas com violência se combate a violência tem se mostrado equivocada há décadas, uma vez que os indicadores de segurança e violência têm apresentado piora. Como indicado no Relatório Situação dos Direitos Humanos no Brasil de 2021, produzido no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a situação se agravou no país desde o relatório anterior, referente a 1997.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, esse paradigma baseado em uma constante guerra entre o “bem e o mal”, o “mocinho e o bandido”, além de não solucionar o problema no longo prazo, possui um impacto diretamente danoso no número crescente de mortes em decorrência de ações das forças de segurança.
Ressalta-se que essa mentalidade bélica não é maléfica tão somente para a parte vulnerável da sociedade, mas também para os próprios agentes de segurança pública, que vivem em uma constante tensão, imersos no medo.
Se você nos acompanha há mais tempo, deve se recordar sobre o artigo que fizemos acerca do índice assustador de suicídios entre profissionais da segurança pública, que carecem de qualquer amparo psicológico para lidar com o treinamento e com o dia-a-dia das corporações policiais.
A solução, segundo a própria Comissão, começa com o esforço em articular políticas públicas de segurança baseadas no paradigma da segurança cidadã e da segurança humana, auxiliada por programas de governo que investem em educação, assistência social e saúde da população.
A partir dessa perspectiva, podemos perceber que não interessa a ninguém, especialmente aos profissionais atuantes na área, esse distanciamento entre a segurança pública e os Direitos Humanos. A separação entre esses dois direitos já se mostrou negativa o suficiente, custando vidas de civis e militares, além de ser um perigo para o sistema democrático que custamos a conquistar.
Por isso, te convidamos a mudar, juntos, esse paradigma.
Como e por onde começar?
Já mostramos aqui que a segurança pública e o respeito aos Direitos Humanos andam juntos, conforme descrito pela nossa própria Constituição, em 1988. Mas como, na prática, exercemos esses dois direitos juntos, sem que um prejudique o outro? A resposta para essa pergunta, ao nosso ver, está na educação e capacitação dos profissionais encarregados pela segurança pública. Esse é o primeiro passo a ser dado na construção de uma cultura de paz e justiça, que preza pela segurança e também pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Segundo consta do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), a capacitação de profissionais dos sistemas de justiça e segurança é estratégica para a consolidação da democracia, e deve ter por base uma legislação processual moderna, ágil e cidadã.
Ainda, o PNEDH estabelece que a formulação de políticas públicas de segurança e de administração da justiça, em uma sociedade democrática, requer a formação de agentes policiais, guardas municipais, bombeiros(as) e profissionais da justiça com base nos princípios e valores dos direitos humanos, previstos na legislação nacional e nos dispositivos normativos internacionais firmados pelo Brasil.
Para tanto, essa formação deve destacar e respeitar o papel essencial que cada uma dessas categorias exerce junto à sociedade, orientando as ações educacionais a incluir valores e procedimentos que possibilitem tornar seus(suas) agentes verdadeiros(as) promotores(as) de direitos humanos, além do papel de defensores(as) desses direitos.
Diante desse cenário, é fundamental a presença de agentes de segurança em conselhos de direitos humanos, conselhos de polícias sobre drogas, conselhos de gerenciamento de crises, conferências nacionais em que se permitem o diálogo com diferentes atores sociais e institucionais. Assim, essa ideia de diálogo está intimamente ligada à capacitação e educação em direitos humanos. Não queremos que se pense, aqui, em um ensino estanque, mas dinâmico, permeado de experiências práticas.
Nesse sentido, as práticas desenvolvidas pela Professora Maria de Nazaré Tavares Zenaide no Conselho de Direitos Humanos da UFPB são de extrema relevância, e podem ser plenamente aplicadas a qualquer órgão de segurança pública. Dentre essas práticas, podemos citar as oficinas pedagógicas, com o objetivo de construir uma noção de direitos humanos a partir da história pessoal de cada profissional da segurança pública; e interações entre os agentes de segurança e os membros de entidades e movimentos sociais.
Educação em Direitos Humanos e a formação da Guarda Municipal de Curitiba
A partir disso, o Instituto Aurora, em conjunto com a Vereadora Carol Dartora, iniciou um processo de pesquisa e debate através de rodas de conversas online, buscando uma interação em especial da Guarda Municipal de Curitiba e a população sob o aspecto da educação em Direitos Humanos aos profissionais de segurança pública. Esses diálogos tiveram como resultado um projeto de lei voltado à formação em direitos humanos da Guarda Municipal, que será protocolado na Câmara dos Vereadores ainda este ano.
De fato, entendemos que a Guarda Municipal é instituição chave no processo de humanização da segurança pública e da mediação de conflitos, tendo em vista sua relação mais próxima com a sociedade e os desafios enfrentados em determinado município.
A Guarda Municipal de Curitiba, por exemplo, afirma ter como objetivo integrar-se e aproximar-se cada vez mais do cidadão, ouvindo suas sugestões, conhecendo suas necessidades, trocando informações e conjuntamente planejando ações capazes de minimizar os problemas sociais da comunidade.
Nesse sentido, a criação de órgãos como a ouvidoria, corregedoria e comissões podem ser uma ponte promissora de aproximação entre a população e a Guarda Municipal, promovendo um acesso mais direto entre as demandas da comunidade e o trabalho dos profissionais que atuam junto a essa instituição.
É evidente que todos temos interesse em tornar uma sociedade mais segura, mantendo sempre o respeito à dignidade da pessoa humana e à integridade física e psíquica dos indivíduos. Por isso, hoje te mostramos a importância de inserir esses valores na formação da Guarda Municipal e de outros profissionais de segurança pública, com o objetivo de fomentar, cada vez mais, uma cultura de paz e justiça.
Caso você queira saber mais sobre os nossos trabalhos em prol do ODS 16 e descobrir como você pode ajudar a tornar esse mundo mais pacífico e solidário.