No dia 13 de julho de 2022, o ECA completou 32 anos. Você sabe quais são os direitos previstos e como isso refletiu na vida de crianças e adolescentes?
Por Ana Cercal, para o Instituto Aurora
(Foto: Franciele Correa)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, também conhecido como ECA, foi criado pela Lei nº 8.069 no ano de 1990. Seu objetivo é promover e garantir os direitos das pessoas com menos de 18 anos de idade, etapa de crescimento em que há mais vulnerabilidade, e, por isso, é necessária maior proteção.
O Estatuto foi um marco na legislação brasileira que influenciou vários outros países. Antes da sua existência, esse assunto era regulamentado pelo Código de Menores de 1927, pelo qual as crianças e adolescentes eram considerados “adultos menores” quando o assunto era responsabilidade. Mas, ao mesmo tempo, não tinham direito de expressar suas vontades e opiniões por serem consideradas “propriedades” dos pais ou do Estado.
Nessa época do “menorismo”, os adolescentes em desconformidade com a lei eram considerados delinquentes, sendo em alguns casos afastados da família para cumprirem medidas de internação como primeira opção. Às vezes, isso acontecia sem nem mesmo o adolescente ter cometido delito algum, mas por estar em situações consideradas de risco.
Essa visão estava em desacordo com as normas que estavam sendo construídas no âmbito internacional, em especial, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 1959. A mudança dessa visão formou sua base com a Opinião Consultiva nº 17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois, de acordo com ela, é necessária uma proteção integral da criança. Mas o que isso significa na prática?
Os direitos das crianças e dos adolescentes
A proteção integral significa que a criança deixa de ser apenas objeto de direito e passa a ser sujeito de direitos. Ou seja, passa a ter direito à voz e suas opiniões são levadas em consideração em processos administrativos e judiciais, como no caso de processo de guarda, por exemplo.
Nesse momento também é reconhecido que devemos sempre buscar o melhor interesse da criança, aquilo que vai lhe trazer melhores condições. Assim, foi nesse contexto que o Brasil promulgou a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, acabando com as respostas penalizadoras e trazendo soluções para melhora de assistência social, pedagógica e comunitária.
Por conta desse processo histórico, atualmente chamar pessoas nessa faixa etária de “menores de idade” é incorreto, pois essa nomenclatura remete à época de não proteção. Mas então, como podemos chamá-las?
O ECA traz que as pessoas entre zero a onze anos de idade são crianças, enquanto entre doze até os 18 anos são adolescentes. Porém, quando as normas internacionais falam “criança”, são consideradas todas as pessoas até os 18 anos de idade.
Conhecendo os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
No ECA estão previstas cinco categorias de direitos fundamentais, que acompanham todas as esferas da vida das crianças durante seu crescimento para garantir seu pleno desenvolvimento.
O primeiro capítulo traz os direitos mais essenciais, que dão sentido aos demais direitos: o direito à vida e à saúde. Nessa parte, é colocada a necessidade de desenvolver políticas públicas para que crianças e adolescentes nasçam e cresçam em um ambiente sadio e harmonioso. Para isso, é assegurado o atendimento médico pelo SUS das gestantes antes, durante e depois da gravidez, seja desde o planejamento reprodutivo até o pós-natal. Garantidas as primeiras necessidades básicas, que vêm do primeiro cuidado com a gestante, o foco passa a ser os cuidados da criança e o que precisa ser feito para que a ela sejam dadas condições dignas de existência.
Essas condições podem ser dadas pelos demais direitos previstos, como o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, previstos no segundo capítulo. Este capítulo traz direitos como o direito a brincar e o direito de inviolabilidade física, pelo qual não é permitido o uso de castigos que ofendem a integridade física, moral ou psíquica da criança e do adolescente. Sendo vistos como sujeitos de direitos, a proibição de tortura e maus tratos também se aplicam a eles com a mesma força dos direitos humanos. Afinal, se utilizar a violência física contra um adulto é visto como algo errado, da mesma forma deve ser quando falamos de crianças.
A lei da palmada é um exemplo da aplicação desses direitos. Ela é controversa para alguns, pois acreditam que o Estado não deve ter participação na criação dos filhos. No entanto, as crianças não podem mais ser vistas como propriedades dos pais/cuidadores, são seres que dependem dos cuidados de todos que estão ao redor.
Essa questão adentra ao âmbito da convivência familiar e comunitária, outro direito previsto pelo ECA. Sem a aplicação de castigos degradantes, o ambiente familiar deve propiciar o desenvolvimento integral daquele que cresce em seu seio. A criança só pode ser afastada da família nos casos em que lhe seja benéfico, e aos que vão para o acolhimento institucional é possibilitado o apadrinhamento por pessoas físicas ou jurídicas que desejam ajudar com sua educação e integração.
Tal medida vem ao encontro com o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, importantes ferramentas para o crescimento e inserção na sociedade, que possibilitam a construção de um futuro, uma vida e um trabalho de qualidade. Nisso aplica-se também a proibição do trabalho infantil, sendo permitida a profissionalização gradual por meio do programa menor aprendiz para os adolescentes a partir dos 14 anos de idade que estejam devidamente matriculados em uma escola, sempre dando prioridade à educação nesta etapa da vida.
Há vários direitos, mas também há deveres no ECA
Uma das principais diferenças trazidas pelo ECA é a visão da responsabilização das crianças, que antes deveriam responder por seus atos como se adultos fossem. As normas mudaram para que a resposta aos atos sejam correspondentes ao processo de desenvolvimento da criança e do adolescente. Assim, crimes propriamente ditos só são cometidos por maiores de 18 anos, a chamada maioridade penal, enquanto que os que têm menos de 18 anos respondem por ato infracional análogo ao crime.
Isso, na prática, significa que, apesar de cometer um ato considerado como crime, eles não irão responder pelas penas previstas no crime, pois a pena seria desproporcional pela vulnerabilidade dos adolescentes, que são pessoas ainda em desenvolvimento cognitivo e social. No lugar da pena, são aplicadas medidas socioeducativas, com o propósito de reinserir e reeducá-los, para que seu tempo seja direcionado às aulas, esportes, atividades culturais, entre outras atividades que os coloquem em ambientes sadios.
Por estarem em fase de desenvolvimento, as crianças e adolescentes se espelham naquilo que está a sua volta. Essa é a importância que nós, sociedade, temos em relação à sua educação. O artigo 18 do ECA traz que é dever de todos velar pela dignidade das crianças, e o artigo 16 do Protocolo de San Salvador coloca a obrigação de todos, família, sociedade e Estado, em protegê-las.
Acreditamos que uma educação eficaz, que traz diferença à vida de todos, é uma educação voltada aos direitos humanos. Buscamos a educação em direitos humanos pois ela permite uma maior conscientização e promove o exercício conjunto para mudança de pensamentos e comportamentos dentro da sociedade. O conhecimento gerado abre portas para a participação cidadã e o sentimento de responsabilidade de um para com o outro, fazendo da sociedade em que vivemos uma comunidade de pertencimento. Esse aspecto é de suma importância para o direito das crianças, pois é no âmbito familiar e escolar que elas têm o primeiro contato com a sociedade, e é nesses ambientes que sua proteção deve ser priorizada.
O Instituto Aurora está comprometido em contribuir para o cumprimento da Agenda 2030 da ONU. Conheça os nossos projetos voltados para Educação Plural.