Quando Junho começa também inicia a movimentação generalizada de bandeirinhas coloridas nas páginas, lojas, redes sociais, vitrines, promoções. Mas você sabe por que Junho é considerado como mês do orgulho LGBTQIA+? Ou o que significa Orgulho LGBTQIA+? Nesse texto, nosso objetivo é explicar algumas dúvidas que surgem sobre o movimento, fazer um apanhado histórico e trazer o significado da sigla.
Por Gabriela Esmeraldino, para o Instituto Aurora
Quando Junho foi instituído como mês do orgulho LGBTQIA+, ou apenas mês do orgulho?
Tudo começou em 1969 em Nova York. Ao longo da história, e mesmo nos dias atuais, muitos países criminalizam a relação entre pessoas do mesmo sexo.
Nos Estados Unidos, pós guerra, pairava no ar um desejo de restauração de uma suposta ordem, e ideais anticomunistas. Esse desejo por ordem na maioria das vezes mascara ideais conservadores e higienistas e era exatamente o que estava acontecendo nos EUA (e não só lá).
Diante desse cenário, relacionar-se com pessoas do mesmo sexo ou não se identificar com o sexo biológico era visto como algo criminoso (no sentido literal, com leis que criminalizavam esses “comportamentos”). E a maior parte dos bares vetava a entrada dessas pessoas.
Com isso, alguns bares, normalmente pertencentes à máfia estadunidense, se tornaram lugares de refúgio de grupos LGBTQIA+. Obviamente, esses bares recebiam batidas constantes da polícia, o que normalmente gerava uma dispersão das pessoas.
A Rebelião de Stonewall
Stonewall Inn era um desses bares e, em 28 de junho de 1969, a esperada dispersão não aconteceu. Neste dia, a polícia foi para cima dos frequentadores, e as pessoas que estavam no bar reagiram, batendo de frente com os policiais.
Existem histórias diversas de como a rebelião teve início. Uma das mais detalhadas afirma que foi Stormé DeLavernie, uma lésbica “butch” (que não perfomava feminilidade), que deu o primeiro soco. Stormé contava essa história e algumas testemunhas confirmaram. Depois do primeiro soco, as pessoas do bar conseguiram encurralar os policiais até que os reforços chegassem.
Outro nome importante da Rebelião de Stonewall é Marsha P. Johnson. Mulher negra e trans, ela foi uma das ativistas pioneiras no movimento pelos direitos da população LGBTQIA+ e esteve na linha de frente da resistência contra o abuso policial, na madrugada do dia 28 de junho. Mais sobre sua história pode ser vista no documentário da Netflix “A Morte e Vida de Marsha P. Johnson”.
Os cinco ou seis dias seguintes à Rebelião de Stonewall foram marcados por manifestações que exigiam direitos básicos. E quando falamos sobre direitos básicos estamos falando sobre o direito de existir, frequentar lugares e não ser violentados pela polícia.
As paradas do Orgulho LGBTQIA+
Em 28 de junho do ano seguinte, uma marcha saiu de Stonewall até o Central Park, para lembrar o aniversário da rebelião. Esta marcha foi considerada a primeira “parada gay” e deu início a um evento anual e tradicional ao redor do mundo.
Enquanto isso, no Brasil, vivíamos um cenário diferente: estávamos enfrentando a ditadura, e posteriormente enfrentamos a pandemia da AIDS. Era um cenário também bastante complicado para a população LGBTQIA+, e com isso a movimentação para uma marcha começou em apenas 1995. Mas foi só em 1997 que tivemos uma “parada gay” oficial e organizada.
Após o episódio em Stonewall, tornou-se tradicional que as paradas ocorram anualmente ao redor do mundo todo. E, embora olhando de fora, pareça que o mês do orgulho e as paradas LGBTQIA+ sejam momentos de comemoração festiva, muito glitter e alegria, esses eventos são políticos.
Demonstrar e celebrar o orgulho de ser LGBTQIA+ está relacionado à resistência. Ter orgulho de continuar vivo em um mundo em que 170 países ainda proíbem o casamento homoafetivo, em torno de 70 países criminalizam a população LGBTQIA+ e 10 países têm pena de morte para pessoas LGBTQIA+.
Identidade de gênero, orientação sexual e a sigla LGBTQIA+
E você sabia que identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes?
Identidade de gênero está relacionado a como a pessoa se sente em relação ao sexo biológico que nasceu. Quando a pessoa não se identifica com o sexo de nascimento, ela pode ter uma expressão de gênero – como ela deseja se mostrar para sociedade – diversa daquela que foi socialmente imposta ao sexo de nascimento. Nesse caso as pessoas são transexuais ou trangêneros. E não necessariamente uma pessoa trans é também homossexual, são questões não correlacionadas. Já quem se identifica com o sexo designado no nascimento é uma pessoa cisgênero.
A orientação sexual diz respeito às relações afetivas e sexuais: homossexuais se relacionam com pessoas do mesmo sexo, heterossexuais, com pessoas do sexo oposto, bissexuais, com pessoas de qualquer sexo e identidade de gênero.
Logo, um homem trans pode se relacionar exclusivamente com mulheres e ser heterossexual, ou se relacionar com outros homens e ser homossexual, ou ainda bissexual.
Embora essas sejam as nomenclaturas mais usuais atualmente, com a visibilidade crescente e a luta por direitos, novas denominações e critérios têm surgido e a sigla usada tem sofrido alterações para que seja mais inclusiva.
Inicialmente a sigla GLS englobava gays, lésbicas e simpatizantes (pessoas que não necessariamente faziam parte da comunidade, mas demonstravam apoio). Após várias modificações, que gradualmente incluíram outros grupos, chegamos na que hoje é a sigla LGBTQIA+, que inclui os grupos B, T, Q, I, A e o + serve para deixar explícito que há outros grupos inseridos, e que com o passar do tempo novos podem surgir.
Tanto dentro como fora da comunidade existem diversas discussões sobre as alterações e inclusões, mas aqui vamos nos ater apenas aos significados.
Usando como referência o Manual de Comunicação LGBTI+, da Aliança Nacional LGBTI, o significado de cada letra é o seguinte:
- L – Lésbica: Pessoa de gênero feminino (cis ou trans) que se relaciona com outras pessoas de gênero feminino.
- G – Gay: Pessoa de gênero masculino (cis ou trans) que se relaciona com outras pessoas de gênero masculino.
- B – Bissexual: Pessoa que se relaciona com ambos os sexos/gêneros.
- T – Transexual / Transgênero: Transgêneros são pessoas cuja identidade de gênero
- transcende as definições convencionais de sexualidade. Já transexuais são pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento.
- Q – Queer: Termo usado por pessoas cuja orientação não é exclusivamente heterossexual, e enxergam os termos lésbica, gay e bissexual como não sendo suficientes para englobar a amplitude e a vivência da sexualidade.
- I – Intersexo: Pessoas que nascem com anatomia reprodutiva ou sexual e/ou um padrão de cromossomos que não podem ser classificados como sendo tipicamente masculinos ou femininos.
- A – Assexual: Pessoa que não sente atração sexual, nem pelo mesmo sexo/gênero, nem pelo sexo/gênero oposto.
- +: Indica que há outros grupos inseridos na comunidade, e que novos grupos podem surgir.
Um fator complicado sobre a visão social que se tem a respeito das pessoas LGBTQIA+ é a quantidade de matérias falsas, ou que partiram de brincadeiras na internet sem fundamento, sendo divulgadas como verdadeiras. Elas chegam a incluir uma série de outras letras, muitas vezes ofensivas e por vezes até criminosas, que definitivamente não fazem parte da sigla.
Embora nos dias de hoje tenhamos acesso a muito mais informações que alguns anos atrás, é preciso ter muito cuidado para não acreditar em informações falsas que muitas vezes são divulgadas como manutenção de preconceito.
População LGBTQIA+ e ODS 10
Relatores da ONU afirmam que a população LGBTQIA+ tem acesso reduzido a direitos sociais, econômicos, culturais e civis. As violências e exclusões mantém as pessoas afastadas da educação, saúde, bons empregos, etc. E isso tem um impacto direto no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que levam em consideração o princípio de “não deixar ninguém para trás”. Boa parte das metas só serão integralmente cumpridas quando as desigualdades forem sanadas.
O ODS 10 da Agenda 2030 da ONU fala a respeito da redução de desigualdades. Mais especificamente, a Meta 10.2, no Brasil, diz: “Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, de forma a reduzir as desigualdades, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, nacionalidade, religião, condição econômica ou outra”.
O acesso à informação de qualidade, sem estereotipação ou propagação de preconceitos é uma ferramenta importante na busca pela igualdade e na luta por direitos.
Não basta ser “aliado” à causa, é preciso exigir que a população LGBTQIA+ tenha acesso a direitos básicos.É preciso votar contra candidatos que discursam abertamente a favor da morte da população LGBTQIA+. É necessário saber o que o mês do orgulho representa politicamente além do esvaziamento capitalista para venda de produtos. E é preciso exigir que as empresas que se utilizam da pauta cumpram com a parte que lhes cabe na facilitação de inclusão, geração de empregos, e de bons ambientes de trabalho para pessoas LGBTQIA+.
“Orgulho é importante porque alguém nessa noite ainda acredita que estará melhor morto do que sendo quem é”. Em geral essas pessoas pensam isso porque a população e os governos tratam-nos como pessoas que não deveriam existir ou ter direitos.
Junho, o mês do orgulho, é sim um mês de celebração e glitter, mas também é um mês para falarmos sobre a necessidade de políticas sociais e proteção à comunidade LGBTQIA+.
O Instituto Aurora tem como um de seus objetivos contribuir para o alcance do ODS 10. Conheça os nossos projetos relacionados a redução de desigualdades.