Muito tem se falado sobre diversidade e respeito às diferenças dentro do ambiente escolar. Como garantir um ambiente seguro e tolerante para todos os alunos e alunas, independentemente de origem, classe, religião ou necessidades específicas? É possível dar um tratamento igualitário a todos e todas, e ao mesmo tempo oferecendo o suporte necessário a cada um?
Por Clara Agostini Campista, para o Instituto Aurora
(Foto: Franciele Correa)
Diante do contexto de crescente violência em escolas pelo Brasil, vemos muitos debates sobre a importância de banir armas e denunciar comportamentos violentos nas escolas. Mas, você já se perguntou como algumas mudanças no currículo escolar, e a forma como abordam alguns temas, poderia influenciar o índice de violência em escolas?
Precisamos também falar a respeito da construção de uma cultura de paz e tolerância, o que inclui necessariamente o debate sobre educação plural. O Brasil, em seu currículo escolar tradicional, possui pouco espaço para considerar outras formas de aprendizado, como a tradição oral e passada por ancestrais, como é feita pelos povos originários, por exemplo.
Neste artigo, vamos buscar refletir sobre qual a relação entre a diversidade na educação com outros temas, como a educação em direitos humanos, e a meta de educação de qualidade da Agenda 2030.
Publicado em 05/07/2023.
O que é educação plural?
O conceito de educação plural surgiu no Brasil em 1995, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. O termo faz parte da proposta de “escola plural”, que foi apresentada pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte ao governo municipal.
Os principais aspectos da proposta se baseavam em uma concepção plural do direito à educação, com uma sensibilidade à complexidade da formação humana, e sugeria uma redefinição do sistema escolar, com a implementação de uma estrutura mais democrática, que respeitasse as diferenças e processo de aprendizagem de cada aluno e aluna, assim como a participação da comunidade nas decisões. Desta forma, a proposta curricular da escola plural sugeria novos vínculos entre os conhecimentos disciplinares, a sala de aula e os problemas contemporâneos e sociais.
Com base em diversos teóricos, entre eles Paulo Freire, a ideia da educação plural busca empoderar os alunos e alunas, levar em consideração sua vivência, origem e condição, e não apenas tratá-los como receptores passivos. Em linhas gerais, a ideia é que cada estudante possa contribuir para a riqueza do aprendizado em sala de aula, e que suas necessidades e ritmo sejam respeitados.
O que é diversidade na educação?
A diversidade na educação busca incluir todos os alunos e alunas, independentemente da sua origem, religião, cor, gênero ou deficiência. Como dito anteriormente, o experimento da escola plural foi concebido e implementado, e serve até hoje como base para a discussão do que precisa ser revisto para uma reforma no sistema educacional.
Dentro do contexto brasileiro, já existem debates que trazem diferentes demandas à diversidade na educação, desde um maior espaço dado à pluralidade religiosa, étnica e cultural típicos do nosso país, até questões de natureza global, como deficiências físicas e mentais.
No nosso caso, sendo o Brasil um país com uma cultura tão diversa, é possível observar que o currículo escolar muitas vezes não estimula que os alunos e alunas estudem mais sobre o próprio país, suas características regionais, e conheçam a contribuição dos nossos povos originários para a “cultura brasileira” como ela é conhecida hoje. A falta de interesse sobre as tradições de alguns grupos que formaram o povo brasileiro ao longo da história, como os povos indígenas e os povos escravizados, não permite que o ciclo de discriminação e preconceito sejam rompidos.
É papel da escola estimular o aprendizado contínuo dos alunos e alunas sobre a diversidade cultural presente em nosso país, para criar uma nova geração de estudantes mais conscientes de suas próprias origens e cultura. Isto inclui também conhecer mais a cultura de cada região do Brasil, suas principais influências ao longo da história, além da relação com a cultura dos outros países da América do Sul, para identificar processos similares e o fortalecimento da identidade regional.
A diversidade na educação também busca desenvolver a empatia, o senso crítico e o empoderamento dos alunos e alunas, para que também se sintam agentes transformadores da sociedade, além de cidadãos e cidadãs capazes de interagir com a sociedade à sua volta.
Como buscar por uma educação plural que valorize a diversidade?
Para buscar a valorização da diversidade dentro do ambiente escolar, é importante que, além das disciplinas formais e do conhecimento científico que é próprio ao espaço da escola, possamos garantir um desenvolvimento intelectual e cognitivo que prepare os alunos e alunas para a sociedade. Portanto, seria interessante:
- Trazer a diversidade para dentro da escola: estabelecer amplos espaço de discussão, em que a diversidade religiosa e de gênero, por exemplo, são debatidas e explicadas em sessões dedicadas ao tema escolhido, criando-se um espaço em que estudantes possam trazer suas dúvidas ou até mesmo crenças aprendidas fora da escola, para serem debatidas e compartilhadas.
- Buscar a perspectiva de outras formas de aprendizado: como aprendem os povos indígenas sobre a própria história e tradição? O que podemos aprender com eles?
- Inclusão de estudantes com deficiência: adotar materiais pedagógicos e recursos que ajudem estudantes com deficiência a se sentirem incluídos e respeitados no processo de aprendizado; além disso, estimular outros alunos e alunas a interagirem e se interessarem por quem possa parecer diferente para eles.
- Estimular a participação de estudantes: além do currículo obrigatório que deve ser seguido, é necessário buscar envolver os alunos e alunas na escolha de temas a serem estudados, encorajando-os a serem ativos e se envolverem nas discussões. Mesmo que as escolas devam cumprir um cronograma específico, sessões de debate, oficinas, e grupos de leitura deveriam ser mais frequentes para a abordagem de temas relacionados à diversidade.
Qual a relação deste tema com o ODS 4?
A Agenda 2030, criada em 2015 pela ONU, estabelece 17 objetivos, chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), que buscam erradicar a pobreza e garantir um mundo melhor para todos os povos e nações. No Brasil, os ODSs foram adaptados para a realidade cultural do país, e são constantemente monitorados, para garantir que cheguemos o mais próximo possível das metas estabelecidas até 2030.
O ODS 4, chamado “educação de qualidade”, aborda a necessidade de “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”.
Portanto, como a educação de qualidade pode incluir a educação plural e diversa?
Dentre as metas que integram o ODS 4, a meta 4.5 diz “Até 2030, eliminar as desigualdades de gênero e raça na educação e garantir a equidade de acesso, permanência e êxito em todos os níveis (…) para os grupos em situação de vulnerabilidade, sobretudo as pessoas com deficiência, populações do campo, populações itinerantes, comunidades indígenas e tradicionais, adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas e população em situação de rua ou em privação de liberdade.”
Dito isso, o texto especifica os grupos que necessitam de mais atenção e de políticas que possibilitem o seu acesso à educação, o que só pode ser feito por meio de uma educação inclusiva e plural, que leve em consideração as necessidades de todos os alunos e alunas, inclusive os que não atendem todos os requisitos para o modelo tradicional de educação.
Como a educação em direitos humanos contribui para a educação plural e diversidade na escola?
A educação em direitos humanos tem um papel fundamental na promoção da educação plural e diversidade na escola. Isso porque os direitos humanos são universais e inalienáveis, ou seja, aplicam-se a todas as pessoas, independentemente de sua origem, raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, entre outras características.
Ao promover a educação em direitos humanos, as escolas podem ajudar estudantes a compreender a importância da diversidade, da inclusão e do respeito mútuo. Além disso, a educação em direitos humanos pode ajudar a combater a discriminação e o preconceito, pois os alunos e alunas aprendem a valorizar a igualdade de direitos e oportunidades para todas as pessoas.
Desta forma, estudantes podem compreender melhor a importância de respeitar as diferenças culturais e étnicas, bem como a importância da igualdade de gênero e da inclusão das pessoas com deficiência. A educação em direitos humanos também pode ajudar estudantes a se tornarem agentes de mudança social, capazes de identificar e denunciar violações dos direitos humanos e de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos diz que a EDH deve abranger assuntos relacionados à educação formal, à escola, aos métodos de ensino, às agendas e ferramentas que permitem uma abordagem pedagógica que conscientize e liberte, promovendo o respeito e valorização da diversidade, conceitos de sustentabilidade e formação de uma cidadania ativa. Em outras palavras, a educação em direitos humanos deve ensinar os alunos e alunas a respeitar as diferenças, a cuidar do meio ambiente e a participar ativamente da sociedade.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também destaca a importância dos direitos humanos em duas competências gerais da educação básica. A primeira é sobre argumentação baseada em fatos confiáveis, promovendo o respeito aos direitos humanos, consciência socioambiental e consumo responsável em âmbito local e global, com ética e cuidado. A segunda é sobre a prática de empatia, diálogo, resolução de conflitos e cooperação, respeitando os direitos humanos, valorizando a diversidade e sem preconceitos. Em resumo, a BNCC valoriza a formação de estudantes conscientes, éticos e capazes de respeitar e valorizar a diversidade humana e o meio ambiente.
Conclusão
É possível observar que não faltam argumentos para defender mudanças do sistema educacional, que garantam mais espaço para as diferenças, para o debate e o estímulo ao pensamento crítico de estudantes.
São muitos os obstáculos, de natureza financeira à política, passando por divergências dentro da própria comunidade de professores/as e pedagogos/as, que vivem todos os dias os dilemas da educação na prática, e acreditam em diversas soluções para os desafios enfrentados. Porém, a melhoria da educação é uma das prioridades mais importantes para qualquer país que esteja comprometido com seu desenvolvimento social e econômico.
Quer conhecer melhor o nosso trabalho com educação plural? Navegue pela seção ODS 4 – Educação de Qualidade aqui do site!
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Algumas referências que usamos neste artigo:
GOMES, Manoel Messias. A diversidade de culturas no Brasil: como valorizá-las na prática educativa da sala de aula? Revista Educação Pública, v. 19, nº 30, 19 de novembro de 2019.
MARQUES, Luciana Pacheco; ROMUALDO, Anderson dos Santos. Paulo Freire e a educação inclusiva. IX Encontro Internacional do Fórum Paulo Freire
MELGAÇO VALADARES, J. A fundação da Escola Plural. Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 162, p. 1072–1098, out. 2016.