No âmbito escolar, o aluno tem o direito de requerer que o seu nome social conste nos registros escolares, e, claro, tem o direito de ser assim chamado. Mas qual o caminho para reivindicar seu direito? Qual o papel da escola e quão preparada ela está para acolher esse aluno?
Por Michely Biscaia, para o Instituto Aurora
(Foto: Rodnae Productions / Pexels)
Na jornada da vida, a escola, depois da família, é o primeiro círculo social de que participa o indivíduo, e, portanto, deve ter como função, além da educação técnica, de mostrar ao ser humano que ele pertence, que tem um lugar no mundo. A ausência da aceitação plena de uma criança ou jovem por parte da escola pode gerar evasão escolar e lançar a pessoa à margem da sociedade, levando a nefastas consequências pessoais e também sociais.
Tal aceitação se dá de diferentes maneiras, entre elas, ser chamada pelo próprio nome. Já reparou o quanto apelidos maldosos ou expressões de bullying ferem a autoestima e a noção de pertencimento das pessoas? O nome é o sinal que nos identifica e individualiza, afirmando a identidade de cada pessoa no grupo em que está inserida e na sociedade. É também por isso que ele é um direito inerente ao ser humano. O nome social, por sua vez, é o nome pelo qual escolhem ser chamadas as pessoas transexuais, transgêneros, travestis e todas aquelas cuja identificação civil não reflete a sua identidade de gênero.
O sistema jurídico brasileiro adota o modelo binário de gênero, isto é, só admite dois sexos – feminino ou masculino. Assim, em nossa sociedade os nomes estão atrelados ao gênero – menino/homem ou menina/mulher. Mas, a forma como cada pessoa expressa a sua identidade, às vezes, não cabe em caixinhas. O nome social, portanto, tem como função adequar o nome ao gênero com o qual a pessoa melhor se identifica.
Aqui, não nos cabe avaliar se concordamos ou não com as escolhas de cada pessoa em relação à concordância do próprio gênero com a identificação civil, mas refletir o quanto se referir a pessoas trans pelo nome social é uma atitude de respeito e de inclusão. Um estudo norte-americano realizado em 2018 demonstrou que o respeito ao nome de pessoas trans diminui as taxas de suicídio e depressão nessas comunidades.
No âmbito escolar, as professoras e os professores são os que têm contato direto e diário com estudantes, tendo papel fundamental na trajetória de suas vidas e influenciando o comportamento de outras crianças e jovens. Quando a escola traduz o respeito em atitude, a comunidade escolar (profissionais da educação, estudantes, familiares) tem um exemplo a ser seguido dentro e fora da própria escola. A acolhida da pessoa em sua individualidade representa como a nossa sociedade pode estar mais alinhada com uma cultura de direitos humanos, pautada em valores como: liberdade, igualdade, solidariedade e dignidade.
O que vamos abordar neste artigo:
Publicado em 25/06/2021.
Nome social é um direito constitucionalmente garantido
O uso do nome social é um direito amparado pela Constituição Federal Brasileira, por isso, deve ser garantido pelos órgãos públicos e privados e ser respeitado por toda a sociedade.
O nome social faz parte de uma série de direitos da população LGBTQIA+ que estão fundamentados nos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação, da personalidade, da intimidade, da isonomia, da saúde e da felicidade. Todos esses direitos estão previstos na Constituição Federal Brasileira.
Ainda, a Constituição tem como objetivo fundamental promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Contudo, o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo. Mesmo com a pandemia causada pelo novo coronavírus no ano de 2020, o país registrou o assassinato de 175 pessoas trans – um aumento de 41% em relação a 2019 – de acordo com dossiê publicado pela Associação Nacional De Travestis e Transexuais Do Brasil (ANTRA). É certo que a violência reflete o preconceito arraigado na sociedade, que deve ser transformado a partir de leis e atitudes diárias.
Isto é, não basta que esses direitos estejam apenas escritos, é necessário que sejam eficazes, que se concretizem no dia a dia das pessoas, nos lugares onde ela vive, se relaciona e se desenvolve, inclusive, é claro, na escola.
O direito do aluno e o dever da escola
Como medida de dar efetividade aos direitos constitucionalmente assegurados, as escola estão obrigadas, pela Resolução nº 1 de 19 de janeiro de 2018 do Conselho Nacional de Educação, a incluir em suas propostas curriculares, projetos pedagógicos, diretrizes e práticas com a finalidade de combater a discriminação em função da identidade de gênero e da orientação sexual.
Essa resolução garante expressamente que estudantes maiores de 18 (dezoito) anos possam solicitar o uso do nome social no momento da matrícula ou a qualquer momento. A escola deve facilitar o acesso a essa solicitação e atendê-la prontamente.
Para estudantes menores de 18 (dezoito) anos de idade, segundo a resolução, a solicitação deve ser realizada por meio de seus representantes legais (pais ou responsáveis maiores de idade).
Estudantes que encontrarem resistência por parte da escola devem procurar a Defensoria Pública ou a Ordem dos Advogados do Brasil.
É de máxima importância que as escolas estejam preparadas para essa demanda, de modo a acolher estudantes em suas individualidades, para que se sintam, da forma que são, pertencentes ao ambiente escolar.
A escola deve ser um lugar de escuta, de inclusão, de aceitação e de acolhimento. Afirmar-se do modo como se vê, como se sente, é um direito de todas as pessoas.
Quer conhecer mais sobre questões de direitos humanos presentes em nosso dia a dia? Leia outros artigos em nosso blog.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
Boletim Nº 02/2020 Assassinatos Contra Travestis E Transexuais em 2020
Guia para retificação do registro civil de pessoas não cisgêneras
Dossiê Assassinatos E Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras Em 2020
Garantia do uso do nome social para as pessoas travestis e transexuais
Nota Técnica Sobre Uso Do Nome Social Em Escolas E Universidades