Aceleracionismo é o termo utilizado para nomear grupos extremistas que veem no colapso do sistema atual a solução para o futuro da sociedade, utilizando como principal estratégia a violência. No texto, explicamos em que está baseada esta concepção ideológica, os riscos sociais do aceleracionismo e como a Educação em Direitos Humanos pode ser fundamental na dissolução de radicalismos e extremismos.
Por Victória Praseres, para o Instituto Aurora.
(Foto: Kelly / Pexels)
Alguma vez você já teve a sensação de que o tempo parece estar “correndo rápido demais”? Considerando o avanço tecnológico das últimas décadas e a inserção crescente de tecnologia no cotidiano, não é incomum imaginar que o mundo está em processo de aceleração. A extrapolação desta crença para uma concepção de cunho extremista é denominada “aceleracionismo”.
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Publicado em 13/12/2024.
O que é Aceleracionismo?
No dicionário Cambridge (2024), o termo “aceleracionismo” está descrito como “a crença de que a mudança tecnológica, especialmente relacionada à inteligência artificial, deve acontecer mais rapidamente, mesmo que isso destrua os sistemas existentes e leve a uma mudança social radical (extrema ou completa)”.
No sentido teórico, não há uma concepção ideológica do aceleracionismo, no entanto entende-se que o movimento estaria baseado na junção de três doutrinas ou crenças: Neoreaction ou Nrx; Crenças da supremacia branca e a Cultura de Cerco (ISD, 2022; Beauchamp, 2019)).
- Neoreaction ou Nrx: Doutrina criada por Nick Land e Curtis Yarvin, que argumentam que a democracia não funciona e nem permite boa governança. Apoiam a autocracia ou o governo autoritário, em que o poder estaria concentrado em um único indivíduo, o líder. Para este grupo, a governança deve ser similar à liderança corporativa. O governante exerceria a liderança de um país de maneira similar a um diretor executivo de uma empresa.
- Crenças da supremacia branca: Crê-se na existência de uma ameaça à “identidade branca”, que estaria sob ataque de forças multiculturais que utilizam “correção política” e “justiça social” para minar os brancos e “sua” civilização. Enquanto para a crença neorreacionária a democracia se constitui enquanto o obstáculo para um futuro melhor, para os supremacistas brancos, a ameaça está no povo judeu e em outras minorias religiosas e étnicas. Esses são colocados no lugar de bodes expiatórios, sendo a maior barreira para um futuro que, segundo a crença, deveria ser de domínio branco.
- Cultura de cerco: Trata-se de uma subcultura existente nos grupos supremacistas brancos, inspirada nos ensaios neonazistas de James Mason. Em sua crença, Mason propaga o colapso total da democracia e da sociedade americana, incitando a violência como modo de acelerar o colapso.
Para adeptos do aceleracionismo, a solução seria o colapso de estruturas sociais e sistemas políticos atuais, compondo assim um cenário favorável para a substituição da sociedade e novas governanças (ISD, 2022). Entende-se que os governos são corruptos, sendo a solução a aceleração de sua queda, promovido através do caos e de tensões políticas (Beauchamp, 2019).
O aceleracionismo está alicerçado no etnonacionalismo, definida na concepção de que nações poderiam ser constituídas a partir de etnias assumidas, ou seja, o pertencimento a uma mesma etnia ou o compartilhamento de laços étnicos seriam centrais para a formação de uma nação (Bossé, 2021; OHCHR, 2018).
Aceleracionismo e alt-right
É importante mencionar que os grupos de aceleracionismo não se igualam aos grupos norte-americanos denominados alternative right ou alt-right. Os alt-right configuram um movimento de nacionalismo branco, originário dos Estados Unidos, em 2009, com objetivos como criação de etno-Estados compostos apenas por indivíduos brancos (Moherdaui, 2023). O aceleracionismo rechaça o movimento alternative-right, considerando-os “covardes que não querem resolver as coisas por conta própria.” (Beauchamp, 2019).
Outra diferença é que existe um envolvimento dos alt-right com políticas de massa, enquanto para os aceleracionistas, a saída não seria o voto em políticos de espectros ideológicos extremos como forma de endossar conflitos políticos e sociais, e sim a violência como instrumento para levar a guerras raciais e o uso de armas de fogo para ocasionar lutas divisórias sobre o controle de armas. Assim, o objetivo maior seria atingido: derrubado o governo, há espaço para uma sociedade dominada por indivíduos brancos (Beauchamp, 2019).
Consequências do aceleracionismo
Um caso notório advindo de ideais aceleracionistas ocorreu em março de 2019, no ataque terrorista à comunidade muçulmana da cidade de ChristChurch, na Nova Zelândia. Duas mesquitas, em locais diferentes da mesma cidade, foram atacadas a tiros. Um dos atacantes transmitiu o ocorrido por 17 minutos em rede social. Ao total, faleceram 49 vítimas e mais de 80 pessoas ficaram feridas (O Globo, 2019).
Este foi o tiroteio em massa que ficou conhecido como o mais mortal da história do país. A difusão das ideias aceleracionistas ocorre através de fóruns e salas de bate-papo de grupos extremistas. O autor do ataque havia dedicado uma seção inteira de seu manifesto à propagação desse discurso (Beauchamp, 2019).
De forma geral, o raciocínio implícito defendido pelos aceleracionistas seria o seguinte: haveria uma desordem de cunho civil e social ou um caso de violência – os quais poderiam ou não estar relacionados ao extremismo -, ou atos anteriores e inspirados pela violência de supremacistas brancos.
Supremacistas brancos seriam motivados a favorecer a desordem civil, seja explorando eventos atuais ou pela violência passada, ou ainda sendo eles mesmos cometendo atos violentos. Em seguida, o próprio sistema iria restringir ou reprimir o aumento da desordem civil.
Consequentemente, a partir deste cenário instaurado, mais pessoas iriam perceber as falhas e imposições do sistema e tomariam atitudes opositoras ao próprio sistema. E assim, o aumento da violência desencadearia uma guerra civil, que provocaria um colapso da sociedade atual (ISD,2022).
Resumindo
Os grupos aceleracionistas têm difusão em países como Estados Unidos e Austrália e pelo continente europeu. O aceleracionismo promove um apelo à discórdia civil, tomando a violência como instrumento para desencadear o colapso social. Desta forma, para os supremacistas, a violência seria o meio necessário para originar novas estruturas que viabilizem a prioridade das necessidades destes grupos.
Entende-se que o aceleracionismo seja um movimento associado a grupos extremistas e supremacistas e que se refere à intenção de acelerar o colapso da sociedade tal como a conhecemos. Este colapso levaria à mudança da sociedade e de governanças. Tem como referência teorias conspiratórias acerca do genocídio branco, narrativa que alega a ameaça a pessoas brancas por grupos como imigrantes.
Nós do Instituto Aurora, compreendemos que extremismo diz respeito às crenças e ações de indivíduos que corroboram com a violência como alternativa para atingir objetivos ideológicos, religiosos ou políticos. E o processo de adesão de um sujeito às ideias extremistas é denominado de radicalização.
Compreendemos que a Educação em Direitos Humanos tem contribuição fundamental na desarticulação desses processos ao instrumentalizar a sociedade através do conhecimento, promovendo uma cultura de direitos humanos e favorecendo a desradicalização (Silveira, 2023).
“Aceleracionismo” é um dos termos presentes no “Glossário educativo para a identificação e prevenção de discursos de ódio e extremismos na escola”, que faz parte do projeto “(Re)conectar”. Você pode fazer download gratuito do material na página do projeto.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
Beauchamp, 2019. Acellerationism white supremacy christ church. Vox, 2019.
Bossé, M. L. 2021. Ethononationalism. OXFORD Bibliographies.
Cambridge. 2024. Accelerationism. Cambridge dictionary.
Institute for Strategic Dialogue. 2022. Accelerationism. ISD.
OHCHR. 2018. Ethno-nacionalism denies millions their citizenship rights anti-racism expert. United Nations.
O GLOBO. 2019. Atentado a tiros contra mesquitas da Nova Zelância deixa ao menos 49 mortos.
Moherdaui, L. 2023. Extrema direita brasileira não é a alt-right dos EUA. Poder 360.