Etarismo é um preconceito relacionado à idade, decorrente de estereótipos geracionais e que afeta pessoas em diferentes contextos, como nas relações de trabalho e interpessoais.
Por Renato Guimarães, para o Instituto Aurora
(Foto: cottonbro studio / Pexels)
A população mundial está passando por uma mudança na sua estrutura etária. De modo geral, há menos nascimentos e mais pessoas vivendo e trabalhando por mais tempo.
Empresas que buscam talentos no mercado, além de apoiar a progressão de carreira dos funcionários internos, precisam estar atentos a possíveis vieses. A oferta de jovens talentos está diminuindo e estudos externos revelam um preconceito generalizado contra candidatos mais velhos no processo de seleção.
Pesquisas indicam que muitos conflitos entre gerações são, na verdade, decorrentes de estereótipos geracionais. As diversas fases da vida tendem a vir com diferentes pontos fortes, exigências e escolhas, que deveriam ser encaradas como vantagem competitiva.
Etarismo (ou idadismo) significa preconceito por idade, que também pode ser chamado de ageísmo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ageísmo se refere “aos estereótipos (como pensamos), ao preconceito (como nos sentimos) e à discriminação (como agimos) dirigida a pessoas com base em sua idade”.
Ou seja, discutir etarismo e diversidade etária não é apenas uma questão social mas, principalmente, estratégica.
O que vamos abordar neste artigo:
- Envelhecimento da população
- A manifestação do etarismo
- Desmistificando estereótipos etários
- Considerações Finais
Publicado em 13/02/2025.
Envelhecimento da população
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo envelhece rapidamente. O número de pessoas com mais de sessenta anos está crescendo, o que reforça a perspectiva de que o século 21 é o século dos idosos. Estamos vivendo a revolução da longevidade. No mundo, duas pessoas comemoram seu sexagésimo aniversário a cada segundo, uma em cada nove tem sessenta anos ou mais, e estima-se que essa faixa etária cresça para uma em cada cinco pessoas até 2050 (UNFPA, 2012).
Enquanto a população brasileira com menos de 50 anos cresceu 1,1% entre junho de 2012 e junho de 2022, a população acima de 50 anos cresceu 35,1% (IPCA 50+). O número de idosos (60+), em 2002, era de 14,1 milhões e esse número deve chegar a 33,4 milhões em 2025 (IBGE, 2019). Em 1940, a expectativa de vida dos brasileiros era de 45,5 anos. Em 2018, esse número chegou a 76,3 anos (IBGE, 2019).
O Brasil enfrentará uma enorme escassez de talentos até 2030, quando atingirá um déficit de 15,8 milhões de funcionários em todos os níveis de qualificação. Sua escassez de talentos de nível A (profissionais altamente qualificados) será equivalente a 36% de toda a força de trabalho de nível A do país em 2030, o que resultará em uma produção não realizada equivalente a 13% de sua economia (Kornferry.com).


Segundo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil, a oferta de jovens talentos está diminuindo. No Japão, por exemplo, o desafio é o inverso do Brasil. As políticas públicas do Japão já estão sendo adaptadas para permitir a flexibilização de horas ou demissões por idade.
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Ethos (figura abaixo), o tema de diversidade etária é o que mais cresce em nosso país, já alcançando a marca de 37% nas grandes empresas participantes da pesquisa da Revista Época-Negócios.

A manifestação do etarismo
O Instituto Ethos (2022), salienta ainda que o Etarismo Institucional se manifesta de várias formas, dentre elas, destacamos:
- Não aceitar currículos de pessoas com 50+
- Duvidar da capacidade de gestão e responsabilidades de uma pessoa jovem
- Promover apenas considerando a idade da pessoa, por julgar ser mais experiente.
Já com relação ao Etarismo Interpessoal, esse pode se manifestar por alguns atos ou falas. Vejamos a seguir:
- “Essa juventude não respeita ninguém”
- “As pessoas mais velhas não conseguem se adequar às tecnologias”
- Fazer piadas, generalizar, tirar vantagens da idade de alguém, entre outros.
Mas como tratar do tema da diversidade geracional de forma harmônica, mitigando os potenciais conflitos geracionais que possam surgir? Vejamos alguns dados:
Em organizações com 500 ou mais funcionários, 58% dos profissionais de RH relatam conflitos entre trabalhadores mais jovens e mais velhos. Segundo Urick (2017), pesquisas sugerem que muitos conflitos geracionais são, de fato, atribuíveis a estereótipos geracionais.
Parry e Urwin (2011), dizem que as diferenças geracionais são formadas através da experiência compartilhada de circunstâncias sociais, políticas e econômicas particulares. Precisamos entender, portanto, que essas circunstâncias diferem de acordo com a cultura e o contexto.
De acordo com Perry (2016), pesquisas externas mostram um viés generalizado contra candidatos mais velhos no processo de contratação.
Além disso, dentro de um contexto de harmonia geracional, Wainstock (2023) salienta que um estudo conduzido pelas consultorias ASTD Workforce Development e Aspectum revelou um dado alarmante: mais de 30% dos profissionais desperdiçam 5 horas ou mais por semana em conflitos com colegas de diferentes idades.
A especialista sobre o tema , Winandy (2021), corrobora que em seus vastos anos de experiência atuando na área de recursos humanos, vivenciou casos de empresas que estipulavam em seus processos seletivos a necessidade dos candidatos terem boa aparência, serem jovens mas com muita experiência, etc. Além disso, presenciou discussões em que percebeu mulheres sem filhos e ainda em idade fértil serem excluídas do processo seletivo.
O que ocorre nesses casos é uma espiral negativa do etarismo se manifestando e contaminando o meio. Etarismo gera etarismo: passa-se a perceber sinais de disputa entre as gerações: “lá vêm esses garotos querendo tomar o meu lugar”. O que acaba desencadeando em uma desmotivação e falta de vontade de continuar aprendendo para a geração mais idosa , entrando em um processo de auto-etarismo e, em algumas situações, até mesmo em vitimização.
Desmistificando estereótipos etários
Em contraste às manifestações de etarismo citadas acima, grande parte dos dados da literatura consultados apresentam resultados que concluem que as diferenças geracionais não são reais e significativas, ou seja, as semelhanças entre gerações são provavelmente mais fortes do que as diferenças. Por exemplo: todas as gerações se preocupam com a segurança, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e citam o trabalho desafiador como a principal razão para permanecer em sua empresa.
As diferenças que os pesquisadores encontram são pequenas e mostram mudanças graduais ao longo dos anos de nascimento; tornando artificial a aplicação de “pontos de corte” rigorosos entre gerações. Até mesmo pelo fato do envelhecimento não se dar apenas pelo fator idade (ou idade biológica).
Conforme revisão literária realizada por em Nilsson (2016), em seu artigo científico “Conceptualisation of chronological ageing” (Conceituando a idade cronológica, em tradução livre), foram identificadas quatro conceituações específicas de envelhecimento que afetam a possibilidade dos indivíduos prolongarem a sua vida profissional. São eles: envelhecimento funcional, envelhecimento mental, envelhecimento biológico e envelhecimento social.
Todas essas “diferentes idades” poderiam afetar a idade cronológica de cada pessoa, ou seja, presume-se que um indivíduo tenha várias idades ao mesmo tempo, dependendo de diferentes contextos. Essas idades são relacionadas, e não totalmente distintas umas das outras.
Nesse contexto, fica notória a importância das campanhas educativas para que, a longo prazo, haja uma mudança cultural na organização onde se possa eliminar os estereótipos e vieses.
Considerações Finais
“Se queremos mudar o mindset da sociedade e, particularmente do mundo corporativo, não devemos mencionar terminologias negativas. Falar de conflito geracional é reforçar as divergências e as dificuldades. Por outro lado, quando utilizamos harmonia geracional ou integração das mais variadas idades trazemos um enfoque direcionado à solução de eventuais desafios”.
(WAINSTOCK, 2024).
Ainda com Wainstock (2023), de acordo com dados obtidos em suas pesquisas, estudos globais demonstram que empresas com equipes multigeracionais são mais propensas a obter maior lucratividade. De acordo com um relatório da consultoria McKinsey, elas têm 21% mais chances de superar seus concorrentes em rentabilidade. Já um levantamento conduzido pela Deloitte revelou que aquelas que adotam políticas inclusivas para todas as idades têm uma taxa de retorno sobre o investimento (ROI) mais alta, alcançando até 2,3 vezes mais lucratividade.
A criação de grupo de afinidade que discuta de forma transparente a temática do etarismo e diversidade geracional pode ajudar as organizações a definir caminhos para endereçar e, até, resolver os seguintes dilemas:
- Passar de um conflito geracional para um diálogo aberto entre todas as gerações, multiplicando o conhecimento, garantindo um entendimento claro e compartilhado sobre as características mais marcantes de cada geração, reconhecendo e valorizando suas fortalezas, equipando a força de trabalho através do letramento institucional e interpessoal;
- Melhorar a transparência e a comunicação em torno das oportunidades de carreira para lidar com a proposta de valor de diferentes gerações, gerando um ambiente mais colaborativo, abraçando a diversidade etária, através de uma interação entre as gerações, transformando conflitos em fortalezas;
- Prover insights úteis para a organização para revisão de benefícios e políticas.
- Vivenciar o dia a dia na empresa em uma comunidade inclusiva, mitigando ativamente todos os vieses etários e geracionais.
Por fim, além dos benefícios financeiros, a integração geracional também fortalece a imagem corporativa. Um estudo da consultoria PwC concluiu que cerca de 86% dos consumidores acreditam que as marcas devem promover a diversidade em todas as suas formas. Uma organização que integra diferentes gerações transmite uma imagem de respeito e comprometimento social — o que confere vantagem competitiva no mercado.
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Algumas referências que usamos neste artigo:
NILSSON, K. Conceptualization of ageing in relation to factors of importance for extending working life – a review. Scandinavian Journal of Public Health, 44(5), 490-505, 2016. https://doi.org/10.1177/1403494816636265
PARRY, E.; URWIN, P. Generational differences in work values: A review of theory and evidence. International Journal of Management Reviews, v. 13, n. 1, p. 79-96, 2011.
PERRY, E.L. et al. Talkin’ ‘bout your generation: O impacto da idade e geração do candidato nas percepções e resultados relacionados à contratação. Trabalho, Envelhecimento e Aposentadoria, 3(2), 186-199, 2016
SOCIETY FOR HUMAN RESOURCE MANAGEMENT. Generational differences: Myths and realities. Workplace Visions, n. 4, 2007.
URICK, M. J. et al. Understanding and managing intergenerational conflict: An examination of influences and strategies. Work, Aging and Retirement, v. 3, n. 2, p. 166-185, 2017.
WAINSTOCK, M. Integrar gerações impulsiona a lucratividade. Exame, bússola, Publicado em 3 de julho de 2023. Última atualização em 3 de julho de 2023.
WAINSTOCK, M. Ageless: Desafios e oportunidades na integração de gerações. Exame, bússola, Publicado em 7 de agosto de 2023.
WAINSTOCK, M. Intercâmbio geracional: vamos mudar o mindset? Exame, bússola, Publicado em 4 de março de 2024.
WINANDY, F. Etarismo: Um novo nome para um velho preconceito. São Paulo: Gulliver, 2021